EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Iluminismo e direito ambiental, artigo de Haide Maria Hupffer e Roberto Naime

[Ecodebate] O Iluminismo foi um movimento que surgiu na França no século XVII em reação ao longo domínio da Igreja Católica durante a alta e a baixa idade média que impôs uma visão teocêntrica. Segundo os filósofos iluministas, o movimento tinha o propósito de iluminar as trevas em que se encontrava a sociedade em função do longo domínio teocrático e teocêntrico que devia ser substituído pela racionalidade.

O principal resultado do Iluminismo é uma visão antropocêntrica em que o homem passa a ser o centro da sociedade, e a razão substitui questões dogmáticas então somente explicadas pela fé.

Os principais filósofos do iluminismo são homens que foram pilares para a edificação do direito moderno, tal qual hoje é reconhecido, como John Locke que argumenta sobre o governo civil e retoma de certa forma a tradição britânica de civilização que já havia se expressado com Thomas Hobbes. O francês Voltaire defendia ardorosamente o direito ao pensamento e criticava a intolerância religiosa. Rosseau, Diderot e Montesquieu, filósofos de extrema importância para o direito moderno completam o quadro.

O direito ambiental e o conjunto da legislação ambiental constituída por leis, portarias, resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente e dos órgãos estaduais no Brasil e de outros órgãos normativos no mundo tem explicitado normas ambientais sempre tomando por premissa, ainda que não declarada e nem mesmo pensada, a concepção antropocêntrica do mundo.

Nesta visão não há sentido em proteger a natureza e os ecossistemas em função do próprio equilíbrio. Na concepção que evolui do iluminismo, onde o teocentrismo é substituído pelo antropocentrismo, só há sentido em proteger a natureza em função do homem. Mas esta ideia é equivocada, a natureza e o meio ambiente são um bem em si próprios e precisam ser protegidos. Não apenas para propiciar ao homem boa qualidade de vida. Mas se não forem protegidos, o desequilíbrio da natureza poderá cobrar o direito fundamental à vida do homem.

Wolf Paul da Universidade de Frankfurt contesta com sobrados argumentos os caminhos que tem tomado este direito ambiental. Ele denomina de irresponsabilidade organizada esta situação e identifica que o direito tem se prestado para tornar o Direito Ambiental meramente simbólico. Ele manifesta que o pensamento jurídico precisa evoluir do antropocentrismo para o ecocentrismo.

Não se pode mais conviver com uma simbologia que produz pérolas ao ficar discutindo se lobos marinhos, leões-marinhos e focas tem personalidade jurídica ou não, se são classificados como coisas pelos pandecistas. E além de recusar a ação condenar o pagamento de custas aos demandantes (lobos marinhos).

Será necessário comprovar nexo ou causalidade entre os despejos de resíduos autorizado no mar do norte e a mortandade identificada logo após nestes animais? Não é possível que o hermetismo e a própria hermenêutica seja instrumentalizada para atender interesses de argumentação jurídico-simbólica que no sociedade de riscos pode até cair no ridículo da falta de percepção da realidade. A formalização do direito na área ambiental não pode se prestar para desviar o conteúdo dos verdadeiros objetos das demandas discutindo formalidades que não se prestam a serem empregadas em questões ambientais e que são heranças do antropocentrismo advindo do iluminismo.

Esta simbologia jurídica não pode ser o apanágio de atitudes manipuladoras que promovem uma irresponsabilidade organizada, que aparece aos olhos dos cidadãos como espetáculo de irrealidade e descompromisso.

O direito ambiental tem avançado notavelmente no Brasil, e aqui estamos mais próximos de romper o antropocentrismo em direção a um ecocentrismo, não apenas na legislação ambiental, mas até mesmo na legislação processual, desconstituindo as formalidades não aplicáveis que promovem o espetáculo da irracionalidade identificada por Wolf Paul como irresponsabilidade organizada.

O direito ambiental evolui inserido na contextualização da sociedade de risco de Ulrich Beck, não sendo difícil então identificar que na natureza os padrões de organização existem, mesmo que fora da nossa compreensão cartesiana de padrões organizacionais. A natureza se organiza da sua forma e seus padrões não são lineares ou possíveis de serem enquadrados em equações mesmo complexas.

* Dra. Haide Maria Hupffer e Dr. Roberto Naime são integrantes do Corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

** Roberto Naime, colunista do Portal EcoDebate, é Professor no Programa de pós-graduação em Qualidade Ambiental, Universidade FEEVALE, Novo Hamburgo – RS.

EcoDebate, 05/04/2011

[ O conteúdo do EcoDebate é “Copyleft”, podendo ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, ao Ecodebate e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta clicar no LINK e preencher o formulário de inscrição. O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Alexa