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Brasil e Peru, a integração necessária

A integração entre os países Brasil e Peru na região de fronteira Acre/Ucayali está se dando a passos largos. Tão largos que está passando por cima de uma necessidade vital para o desenvolvimento sustentável da região: a participação da sociedade civil e, principalmente, das populações moradoras na fronteira entre os dois países. Uma integração de tamanha envergadura vai além das intencionalidades comerciais e turísticas e de um diálogo restrito aos empresários do setor, como colocam as agendas, até então amplamente divulgadas.

Portanto, a vinda ao Acre da delegação peruana acompanhada pelo próprio Presidente Regional do Departamento de Ucayali, Jorge Velásquez Portocarrero, para tirar do papel a proposta de intercâmbio de vagas entre as universidades, é nada menos que louvável. Investir em educação, estudos e pesquisas sempre foi um dos melhores empreendimentos de uma nação, quem dirá de duas. Principalmente, quando as duas se debruçam sobre temáticas comuns e têm o olhar voltado para um objetivo, também, comum: construir um desenvolvimento sustentável, justo e humano para o seu lugar.

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O que se espera, o que se quer enquanto sociedade, enquanto cidadãos, é que as agendas não fiquem apenas nesta ação de parceria. Mas que vão além, que sejam incluídas nas agendas de integração binacionais e de seus grandes projetos os temas povos indígenas, conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável com participação efetiva da sociedade civil e, principalmente, das populações moradoras na região de fronteira entre os dois países. Povos indígenas, ribeirinhos, seringueiros, trabalhadores rurais, associações e organizações de base devem ser atores indissociáveis das discussões desta integração. A ausência de diálogo com estes atores remete a um desenvolvimento inadequado e que contribui com a desestruturação sociocultural e ambiental da região, se contrapondo às agendas globais de desenvolvimento sustentável e aos tratados internacionais que Brasil e Peru são signatários, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT e da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas.

Pensar, planejar e implementar a integração em escala local para a mundial, dialogando com a sociedade e entendendo as dinâmicas transfronteiriças a partir da vida e da vivência de quem ali mora, pois são conhecedores intrínsecos desta realidade, é um desafio que pode encontrar soluções legítimas e sustentáveis para uma integração, da mesma forma, legítima e sustentável. Atuando nesta perspectiva, o Grupo de Trabalho para Proteção Transfronteiriça da Serra do Divisor e Alto Juruá – Brasil/Peru – GTT, formado por organizações indígenas e indigenistas, ambientalistas, trabalhadores rurais e universidades, liderados pela CPI/AC e SOS Amazônia do lado brasileiro e ONGs ProNaturaleza, Instituto Del Bien Comum e The Nature Conservacy (A Conservação da Natureza) – TNC, do lado peruano, vem, desde 2005, articulando os diferentes atores envolvidos na temática.

As articulações do GTT levaram à criação do Fórum Binacional de Integração e Cooperação para Desenvolvimento Econômico e Sustentável do Estado do Acre/Brasil e da região de Ucayali/Peru – FIFAU. Um reflexo do avanço e da vontade política dos dois Governos e dos movimentos indígenas, empresarial e social para fortalecer a integração, superar os problemas que comunidades indígenas vivem e defender a conservação da biodiversidade da região. Mas, o não funcionamento do FIFAU e a agenda de articulação estruturada pelos governos Acre/Brasil e Pucallpa/Peru não possibilitaram avanços para uma integração mais ampla e consistente, que fosse além do desenvolvimento puramente econômico.

Uma tentativa de revigorar e fortalecer as articulações binacionais, com o FIFAU ou em outro espaço binacional, as organizações que fazem do GTT peruano promoveram, há poucos dias (31 de novembro e 1º de dezembro), em Pucallpa/Ucayali, a Oficina Binacional “Por um Desenvolvimento Sustentável com Integração Fronteiriça Acre-Ucayali” (Taller Binacional “Hacia um Desarrollo Sostenible Mediante la Integración Fronteriza Acre – Ucayali”). Um decisivo encontro para fortalecimento dos diálogos e das ações entre os mais diversos atores envolvidos na temática dos dois lados da fronteira: organizações indígenas; organizações não governamentais, indigenistas e ambientalistas; universidades; empresários e representantes dos dois governos, como a Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Acre/Brasil e Ministério de Relações Exteriores do Peru, autoridades do Governo Regional de Loreto e Ucayali/Peru. O objetivo foi fortalecer o processo de integração fronteiriça a partir da construção de uma Agenda Binacional regional, assim como atualizar o conhecimento da situação atual da zona de fronteira e suas perspectivas de desenvolvimento sustentável de forma articulada.

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No encontro, cada setor falou sobre o que vem realizando para uma integração regional compatível com a realidade do lugar e com efetividade para o desenvolvimento sustentável. Numa demonstração clara de que o diálogo faz a diferença, as experiências e os debates em torno delas identificaram muitos problemas que a região e suas populações enfrentam, mas também, foram dados indicativos de como eles podem ser solucionados, se não, vejamos alguns deles:

Povos indígenas. Problemas: políticas públicas em desacordo com a realidade, instabilidade jurídica e vulnerabilidade dos territórios indígenas. Agenda comum: monitorar políticas públicas extrativas de recursos naturais não renováveis, como petróleo e minérios; elaborar e implementar plano de gestão transfronteiriça, plano de comunicação, assim como retomar proposta de integração com o FIFAU e o GTT.

Conservação da biodiversidade. Problemas: frágil presença do Estado e extração ilegal de madeiras e degradação de ecossistemas. Agenda comum: capacitação e fortalecimento das comunidades locais, projetos de valorização de recursos e serviços ambientais, intercâmbio de experiências e manejos comunitários sustentáveis.

Desenvolvimento sustentável. Problemas: inadequada planificação de território; escasso intercâmbio de informações, pesquisa e assistência técnica e baixa valorização dos recursos naturais renováveis.  Agenda comum: investigação de cadeias produtivas; capacitação de comunidades transfronteiriças; programas de sensibilização e capacitação envolvendo autoridades e capacitação da população para maior participação em gestão publica.

Estes e outros problemas e soluções foram pinçados da realidade que a região de fronteira Acre/Ucayali vive, registrados, declarados e assumidos por todos os participantes, inclusive pelos representantes governamentais. Para conhecer a Declaração da Agenda Comum Binacional elaborada na Oficina Binacional “Por um Desenvolvimento Sustentável com Integração Fronteiriça Acre-Ucayali” e quem esteve presente e assinou o documento, acesse o site da Comissão Pró-Índio do Acre – CPI/AC – www.cpiacre.org.br

A intenção de tal documento é, entre outros objetivos, levar à compreensão das autoridades competentes de que os projetos de conexão viária através da estrada Cruzeiro do Sul/Pucallpa, bem como os demais grandes projetos previstos para a região, se desenvolvam com transparência, participação e respeito às iniciativas de ordenamento territorial que estão em curso, e busquem um verdadeiro desenvolvimento sustentável para as populações envolvidas.

As deficiências da estrada do lado peruano

Em se tratando da estrada da integração, a Oficina Binacional também teve um posicionamento. Fez um pronunciamento público alertando sobre as deficiências do “Concurso Público de PROVIAS Nacional para Interconexão Vial entre Pucallpa e Cruzeiro do Sul”. Este “Concurso Público” é similar ao processo de licitação brasileiro e o Provias Nacional é um Programa do Ministério dos Transportes e Comunicação do Governo peruano responsável pela construção de estradas no país.

O Concurso, conforme advertência da Sociedade Peruana de Direito Ambiental e do pronunciamento público das organizações e instituições presentes na Oficina Binacional, apresenta sérias deficiências para a construção da estrada Pucallpa/Cruzeiro do Sul, do lado peruano. Conforme o alerta, a contratação de serviços de consultoria para elaboração de “Estudo de Pré-Inversion a nível de perfil para a construção da estrada binacional Pucallpa (Peru) e  Cruzeiro do Sul (Brasil)”, um estudo de viabilidade do empreendimento, está com um custo de NS/ 1.000.000,00 (um milhão de soles), ou em torno de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais), e afetará diretamente os direitos fundamentais e objetivos de desenvolvimento sustentável, especialmente das populações da área de fronteira entre Acre e Ucayali.

Segundo o Coordenador da Sociedade Peruana de Direito Ambiental, Mariano Castro, “o estudo está voltado apenas para a construção da estrada Pucallpa/Cruzeiro do Sul e desconsidera alternativas de transporte ferroviário já declarados como interesse nacional [peruano]”, como as ferrovias Interoceânica Salaverry Leôncio Prado – FERRIPEB, e Transcontinental – FETAB. Rotas alternativas a partir das ferrovias e pavimentação que gera menor impacto, são opções desconsideradas pelo estudo que sinaliza o início da estrada em Pucallpa e o final dela, no marco “hito” 67 do limite territorial Peru/Brasil. “Isto significa”, diz Mariano, “que a construção da estrada vai gerar forte pressão nas áreas protegidas, como a reserva territorial de Isconahua (área dos índios isolados) e Zona Reservada Sierra del Divisor”. Dois grandes problemas que afetam diretamente as populações e as áreas protegidas do lado brasileiro.

Um compromisso assumido na sala de visitas

Foi com a importância que a Oficina Binacional teve, pois recebeu a participação de tantos diferentes setores governamentais e não governamentais, que o Presidente Regional de Ucayali, Jorge Velásquez Portocarrero, recebeu, em seu gabinete, uma comitiva representativa do movimento social, antes mesmo do final do evento.

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Seguidor da causa de Chico Mendes e admirador da ex-ministra e senadora Marina Silva, como declarou na ocasião, Portocarrero disse que tem “preocupação com a integração que está sendo posta e que apóia a forma ampla e participativa que se pretende ter com a integração da região”.

Malu

Para a coordenadora da Comissão Pró-índio do Acre, Malu Ochoa, que participou da comitiva, o governador foi receptivo e apoiou os debates e encaminhamentos da Oficina: “o presidente nos recebeu com muita receptividade e disse que tem preocupação, sim, com as populações locais, a biodiversidade e as áreas protegidas da região de fronteira entre nossos territórios. Ao apresentarmos as discussões do encontro que reforçam a necessidade de que a integração binacional saia do exclusivo foco da construção da estrada e seja vista como algo muito mais amplo e participativo e, também, o Manifesto Público de alerta acerca das deficiências da estrada Pucallpa/Cruzeiro do Sul, ele não só nos apoiou, mas recomendou que o Manifesto fosse protocolado pelo despacho presidencial.

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Assim foi feito. O manifesto foi elaborado e encaminhado para os presidentes da República do Peru, Alan Garcia, e da República Federativa do Brasil, Luís Ignácio Lula da Silva. O pronunciamento está firmado pelas organizações da sociedade civil do Brasil e do Peru que participaram da Oficina Binacional e foi recebido tanto pela embaixada do Brasil em Lima como pelo despacho presidencial do Peru nº 10-017438 de 06 de dezembro de 2010. Veja aqui o Pronunciamento Público.

A atitude de apoio do Presidente Regional de Ucayali não é pequena, muito menos se reduz à proteção de apenas algumas espécies da região que possui uma das maiores biodiversidades do planeta. É uma atitude de chefe de Estado que investe no desenvolvimento sustentável do seu país com participação efetiva de todos os atores envolvidos, inclusive do país vizinho.

Por Lígia Apel

Colaboração de Ligia Kloster Apel, da Comissão Pró-Índio do Acre, para o EcoDebate, 17/12/2010

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