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A Pan-Amazônia debate os megaprojetos. Entrevista com Valéria Ferreira e Arno Longo

Levar para conhecimento internacional os problemas vividos pela população amazônica foi a grande intenção do V Fórum Pan-Amazônico, realizado no final de novembro deste ano em Santarém, no Pará. A IHU On-Line entrevistou por telefone dois coordenadores do fórum: Valéria Ferreira, do Grupo de Defesa da Amazônia; e Arno Longo, padre e líder do Fórum dos movimentos Sociais da BR163.

Segundo Valéria, a grande novidade desta edição do Fórum Pan-Amazônico foi interface da questão cultural em todos os temas debatidos. “Finalmente, conseguimos fazer com que todos os grupos de trabalho pudessem estar, de alguma forma, reforçando essa questão através das manifestações culturais ligando-a às questões sociais e econômicas”, apontou.

Já Pe. Arno contou que “durante o Fórum discutimos as hidrelétricas a começar pelo Complexo do Rio Madeira e como ela vai influenciar os países vizinhos. Também dialogamos sobre o Tapajós que vai sofrer com a construção de todo o complexo hidrelétrico e hidroviário que vai atingir do Mato Grosso até Santarém, no Pará. E, por fim, tratamos do rio Xingu, que terá as pequenas centrais hidrelétricas. A conclusão principal é que precisamos entender que a água é para nos dar vida e não morte. Por isso, precisamos colocar, em primeiro, lugar a vida nos rios ao invés da construção de barragens”.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a novidade dessa edição do Fórum Pan-Amazônico?

Valéria Ferreira – A grande novidade foi que conseguimos trabalhar a questão cultural na interface de todos os temas debatidos. Antigamente, essa questão era sempre deixada de lado e, finalmente, conseguimos fazer com que todos os grupos de trabalho pudessem estar, de alguma forma, reforçando essa questão através das manifestações culturais ligando-a às questões sociais e econômicas.

Outro ponto que podemos considerar uma novidade foi que a coordenação de Santarém foi feita por jovens que assumiram esse compromisso, uma vez que eles serão os principais atingidos por essas obras de barragens.

Outra novidade foi a participação do povo da região. Nós vimos aqui a participação maciça da população da nossa região que reconheceu a importância de discutir o meio ambiente amazônico.

IHU On-Line – Qual a importância do Fórum Pan-Amazônico?

Padre Arno Longo – O principal tema ao qual queremos chama a atenção é a questão da desigualdade em relação aos conflitos gerados pela construção de hidrelétricas que ameaçam o meio ambiente. Durante o Fórum, discutimos as hidrelétricas a começar pelo Complexo do Rio Madeira e como ele vai influenciar os países vizinhos. Também dialogamos sobre o Tapajós que vai sofrer com a construção de todo o complexo hidrelétrico e hidroviário que vai atingir do Mato Grosso até Santarém, no Pará. E, por fim, tratamos do rio Xingu, que terá as pequenas centrais hidrelétricas. A conclusão principal é que precisamos entender que a água é para nos dar vida e não morte. Por isso, precisamos colocar em primeiro lugar a vida nos rios ao invés de construirmos de barragens.

O Fórum foi dividido em quatro partes: a primeira foi a defesa da mãe terra, o segundo eixo tratou do poder para os povos pan-amazônicos, o terceiro eixo discutiu os direitos humanos e o quarto focou na cultura, comunicação e educação popular. Em cada eixo fizemos diversas oficinas para tentar consolidar a região, seja ela brasileira seja estrangeira, a fim de analisar a realidade e, no último dia, tentar “amarrar” a discussão e destacar as coisas que precisam ser feitas e entender a região Pan-Amazônica. Precisamos entender a Amazônia como um todo, como uma pessoa que sofre quando é agredida.

IHU On-Line – Quais as estratégias que serão organizadas a partir dessa edição do Fórum Pan-Amazônico?

Valéria Ferreira – Nós finalizamos o evento pontuando várias questões que foram pactuadas com todos os movimentos que estiveram presentes no sentido de garantir que essas questões sejam mesmo implementadas. Além disso, pontuamos que os movimentos sociais precisam assumir o papel principal na cobrança de que esses megaprojetos sejam discutidos com a população e o governo. Os movimentos sociais precisam estar juntos com o povo e alertá-lo para que ele não tenha surpresa no que diz respeito à implementação dessas hidrelétricas.

IHU On-Line – Qual a importância de realizar esse evento alguns meses antes do Fórum Social Mundial?

Valéria Ferreira – Essas bandeiras de lutas que foram compactuadas no Fórum Pan-Amazônico precisam ser levadas para o Fórum Social Mundial, em Dakar, no sentido de estar garantindo que as questões não fiquem apenas concentradas à região amazônica, mas sim que sejam levadas para conhecimento do mundo todo. Nós estamos nos preparando para o Fórum Social Mundial na medida que discutirmos sobre os problemas enfrentados aqui na região amazônica. E vamos levar esses pontos importantes que estamos reconhecendo que hoje a fim de unir forças para que, então, não fiquemos lutando sozinhos contra esses megaprojetos. É assim que vamos garantir a qualidade de vida de toda a população.

IHU On-Line – Como a interferência dessas barragens em países vizinhos foi tratada no evento?

Padre Arno Longo – Isto porque essas hidrelétricas que serão construídas no Brasil podem alagar parte do território de outros países, o que, portanto, pode alterar também o meio ambiente de outros lugares. Também foi sugerido que fosse montada uma corte internacional para a questão do mundo hídrico aqui na região.

IHU On-Line – Quais as principais bandeiras de lutas das organizações da Pan-Amazônia nesse momento?

Valéria Ferreira – Ao discutir esses megaprojetos hidrelétricos, estamos garantindo o fortalecimento dos movimentos que estão tentando impedir a construção dessas barragens nos rios da Amazônia. Essa é nossa principal luta: que estes projetos não sigam em frente sem a participação direta do povo que será atingido.

IHU On-Line – Entre os vários problemas que a Amazônia tem enfrentado, por que dar destaque para discussões sobre as barragens e hidrelétricas na região?

Padre Arno Longo – O governo está passando por uma febre de querer fazer com que a Amazônia, principalmente a bacia central que começa no rio Tocantins e passa pelos rios Xingu e Tapajós, seja uma produtora de energia para as mineradoras. Ou seja, há uma intenção principal de usar a Amazônia para produzir uma energia que será destinada para o sul do país e não para a região. Que desenvolvimento é esse que mata todo o meio ambiente e animais que dependem da floresta? Para quem interessa esse desenvolvimento?

Valéria Ferreira – Nós também lutamos contra o desmatamento causado pelas madeireiras ilegais. Ainda assim, a questão das hidrelétricas se sobressai porque, antes mesmo da construção das barragens, o povo já está sofrendo muito. Nós reforçamos essa discussão porque está claro que os prejuízos são muito maiores. Não é apenas a floresta que sofre, os indígenas serão expulsos de suas terras, a água será poluída, animais serão mortos… Tem muita coisa aí no meio. Além disso, essas hidrelétricas estão sendo justificadas com o argumento de que a população local será beneficiada. Porém sabemos que isso não é verdade. As grandes empresas mineradoras que não são da nossa região é que serão beneficiadas pela energia gerada. Por isso, estamos priorizando essa luta.

IHU On-Line – Ainda dá tempo de fazer com que essas barragens não sejam construídas na Amazônia?

Valéria Ferreira – Eu acredito nisso, sinceramente. É claro que estamos um pouco atrasados, mas não porque estavámos de braços cruzados, mas é porque não tínhamos a informação, não sabíamos de muitas coisas que estavam sendo planejadas para a região. Assim, não tínhamos como justificar o porquê de sermos contra a construção das barragens. Nós queremos ser contra e colocar as consequências e não fazer uma luta vazia. Se estivermos nos articulando mundialmente, será possível, sim, impedir que esse grande desastre ambiental aconteça em toda Pan-amazônia.

IHU On-Line – O governo participou, de alguma forma, do Fórum Pan-Amazônico?

Padre Arno Longo – Não vi presença institucional do governo no Fórum. Pode ser que alguém tenha participado. Mas, então, se apresentou como pessoa física sem se colocar como representante de algum setor do governo.

IHU On-Line – Foi discutido o potencial da Amazônia para as fontes renováveis e energia?

Padre Arno Longo – Devemos aproveitar o potencial natural, como as fontes de energia eólica e solar. Além disso, discutimos a possibilidade de substituir as turbinas que já estão sucateadas em barragens mais antigas para que se comece a pensar na possibilidade de usar o que já está aí e não construir mais hidrelétricas. A questão da parte de transmissão da rede elétrica também foi discutida. Chegamos à conclusão que, se mudarmos essa tecnologia, poderemos produzir ainda mais energia do que essas hidrelétricas que ainda serão construídas poderão oferecer.

IHU On-Line – O que é o Fórum dos Movimentos Sociais da BR 163?

Padre Arno Longo – Esse fórum é uma forma de agregar as 74 entidades que contemplam sindicatos de trabalhadores rurais e associações de agricultores familiares para tentar, no meio de toda essa estrutura do agronegócio, destacar a necessidade de trabalhar a agricultura familiar na região no lugar de incentivar o aumento das fazendas, da pecuária, da extração de madeira.

IHU On-Line – Que cidades estão envolvidas com a BR 163 e quais os principais problemas que essa região vive?

Padre Arno Longo – A região abrange 17 municípios que, em extensão, equivalem ao estado de Santa Catarina. Esse território tem a necessidade de políticas públicas que trabalhem a abertura de estradas, a expansão de energia elétrica e a documentação das terras. Até agora o Incra não se mobilizou em relação a essas questões e o povo está de fora das políticas públicas cidadãs, porque não são reconhecidos como donos das terras onde trabalham.

(Ecodebate, 10/12/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]


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