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Artigo

Panorama Ambiental, artigo de Roberto Naime

[EcoDebate] Uma proposta de discussão muito ampla como a sugerida pelo título, em geral assusta um pouco. Mas no caso, não assusta nem um pouco. Não é preciso falar da poluição nos solos, na água, no ar, no desmatamento, na falta de tratamento de esgotos e efluentes, na ausência de gestão de resíduos, nas carências dos monitoramentos atmosféricos. Ou no efeito estufa, no protocolo de Kyoto, nas conferências das partes interessadas. Não precisa nada disso.

A ex-ministra Marina Silva proferiu declarações bombásticas, asseverando no seu retorno ao Acre: “O PT do Acre não é o PT do Brasil. E o PT do Brasil não incorporou a questão ambiental em suas fileiras. O PT precisa compreender que, se ele não for capaz de se alinhar às utopias do século XXI, vai ficar fazendo o discurso do século XIX. O PT do Acre pode dar essa contribuição. Nós precisamos nos atualizar e nos ressignificar sob pena de ficarmos na contramão da história e não sermos mais capazes de tocar no coração e nas mentes daqueles que projetam as esperanças e as utopias para o futuro”.

Ora, não precisa ser nenhum gênio para fazer um silogismo absolutamente simples. Na verdade não é o PT do Acre ou o PT do Brasil o problema. O problema são todos os partidos políticos, e a esmagadora maioria das empresas que não incorporaram a exegese da questão ambiental. Exegese é uma expressão própria aos operadores do direito, mas em linguagem de leigo, quer dizer mais ou menos algo como incorporar o espírito da lei, a intenção do legislador e não apenas a letra morta da redação legislativa.

Um dos melhores exemplos de deturpação ecológica ou depravação ambiental que o noticiário hoje apresenta é o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi. Mas sou obrigado a defender a coerência e a ausência de hipocrisia de sua excelência, ele é um dos únicos que faz e diz o que pensa. A grande maioria dos outros políticos e empresas até pode fazer um discurso alinhado com as utopias do século XXI, mas tem práticas cotidianas que ou não justificam o discurso ou pecam pela hipocrisia.

Quem já viajou a Europa observa um zeloso discurso de conservação ambiental, muito elogiável. Mas a custa de que? A custa da exportação das indústrias poluentes para o terceiro mundo ou o sudeste asiático em especial. É um discurso hipócrita do tipo “nós não poluímos”, mas as expensas da exportação das atividades poluidoras necessárias para outros locais.

Nos Estados Unidos é pior, o regime de licenciamento ambiental nem consegue ser plenamente implementado porque fere princípios da livre-iniciativa, que precede a preservação ambiental. No sentido filosófico pode até ser elogiável, mas considerando a realidade ambiental é deplorável.
Nós não sabemos, na comunidade científica, quanto do aquecimento global ocorre por patrocínio das atividades poluidoras do homem, e quanto ocorre por fenômenos geológicos históricos. Mas é possível afirmar sem nenhuma chance de erro que ambos os fatores ocorrem, ainda que não possamos dimensionar os percentuais de influência de cada um.

E a humanidade, tanto através de sua política quanto de suas empresas, tem feito um discurso ambiental muitas vezes elogioso sob a dimensão da necessidade de sustentabilidade. Mas quanto deste discurso é real e quanto é mera exploração mercadológica de um tema em evidência, nós também não sabemos dimensionar.
O certo é que existem inúmeras hipocrisias, começando no primeiro mundo e terminando honrosamente no terceiro mundo, em uma quantidade e profundidade que também não sabemos dimensionar.

Marina Silva, não é o PT que não incorporou a variável ambiental em seu discurso. São quase todos os partidos de quase todos os países e a grande maioria das empresas de todos os cantos do mundo. E não adianta apenas incorporar o discurso das utopias ambientais e agregar ao marketing verde. É preciso incorporar a exegese do discurso, como se interpreta a intenção e a vontade dos legisladores.

Este é o panorama ambiental. Para falar dele e ser claro não precisamos falar de poluição de solos e águas, falar de desmatamentos ou agressões a fauna, não precisamos falar de tratamentos de esgotos ou efluentes industriais, não é preciso diagnosticar as carências das políticas de gestão de resíduos e nem lamentar as falhas dos monitoramentos atmosféricos. E muito menos falar das causas do aquecimento global.

Talvez se tenha de falar em filosofia, epistemologia, exegese. Ou somente de bom senso. Talvez seja necessário esperar mais tragédias para que o instinto de sobrevivência ou o bom senso supere o instinto de morte ou tanatos.

Roberto Naime, colunista do Portal EcoDebate, é Professor no Programa de pós-graduação em Qualidade Ambiental, Universidade FEEVALE, Novo Hamburgo – RS.

EcoDebate, 11/11/2010


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