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Pesquisas eleitorais: Os falsários, artigo de Demétrio Magnoli

[O Estado de S.Paulo] Carlos Augusto Montenegro, o presidente do Ibope, profetizou há muitos meses uma vitória folgada de José Serra no primeiro turno. A campanha não havia começado e o Ibope não tinha pesquisas relevantes. O Oráculo falou para bajular aquele que, presumia sua sabedoria política, seria o próximo presidente. Mais tarde, durante a campanha, de posse de inúmeras pesquisas, o Oráculo asseverou com a mesma convicção que Dilma Rousseff venceria no primeiro turno. A bajulação aos poderosos de turno obedece a uma lógica inflexível. Na mesma entrevista, ele sugeriu que a oposição atentava contra a democracia ao repercutir os escândalos no governo. Cada um fala o que quer, nos limites da lei, mas o Oráculo de araque não se limita a isso: ele vende um produto falsificado.

Pesquisas de opinião declaram uma margem de erro e um intervalo de confiança. A margem de erro expressa a variação admissível em relação aos resultados divulgados. O intervalo de confiança expressa a confiabilidade da pesquisa – ou seja, a probabilidade de que ela fique dentro da margem de erro. Na noite de 3 de outubro, o Ibope divulgou as pesquisas de boca de urna para a eleição nacional e para 16 Estados, registradas com margem de erro de 2% e intervalo de confiança de 99%. Das 17 pesquisas, 12 ficaram fora da margem de erro. O intervalo de confiança real é inferior a 30%. Um cenário similar, catastrófico, emerge das pesquisas para o Senado. Há tanta diferença assim entre isso e vender automóveis com defeitos nos freios?

O Ibope não está só. Datafolha, Sensus e Vox Populi não fizeram pesquisas de boca de urna, mas suas pesquisas imediatamente anteriores também não resistem ao cotejo com as apurações. Todos os grandes institutos brasileiros cometem um mesmo erro metodológico, bem conhecido pelos especialistas. Eles usam o sistema de amostragem por cotas, que tenta produzir uma miniatura do universo pesquisado. A amostra é montada com base em variáveis como sexo, idade, escolaridade e renda. Isso significa que a escolha dos indivíduos da amostra não é aleatória, oscilando ao sabor de variáveis arbitrárias e contrariando os princípios teóricos da amostragem estatística.

O Gallup aprendeu a lição depois de errar na previsão de triunfo de Thomas Dewey nas eleições americanas de 1948. Venceu Harry Truman e o instituto mudou sua metodologia, adotando um plano de amostragem probabilística, que gera amostras aleatórias. Quase meio século depois, os institutos britânicos finalmente renunciaram à amostragem por cotas. O copo entornou em 1992, quando as pesquisas baseadas na metodologia furada previram a vitória trabalhista, mas triunfou o conservador John Major. Na sequência, uma equipe de especialistas identificou o problema e apresentou a solução. Os institutos brasileiros conhecem toda essa história. Não mudam porque a metodologia atual é mais prática e barata. Vendem gato por lebre.

A amostragem por cotas não permite calcular a margem de erro. Os institutos “resolvem” a dificuldade chutando uma margem de erro, que exibem como fruto de cálculo rigoroso. Como as eleições brasileiras costumam ter nítidos favoritos, eles iludem deliberadamente a opinião pública, cantando acertos onde existem, sobretudo, equívocos. Não é um fenômeno novo. Jorge de Souza, no seu Pesquisa Eleitoral: Críticas e Técnicas (Editora do Senado, 1990), já registrava que 16 das 23 pesquisas Ibope referentes às eleições estaduais de 1986 se situaram fora da margem de erro – o mesmo desastroso intervalo de confiança, em torno de 30%, verificado neste 3 de outubro.

Nem todos os institutos são iguais. O Datafolha conserva notável isenção partidária, embora também utilize o indefensável sistema de amostragem por cotas. O Oráculo do Ibope anda ao redor dos poderosos, sem discriminar partidos ou candidatos, farejando oportunidades em todos os lados. Marcos Coimbra, seu congênere do Vox Populi, pratica uma subserviência mais intensa, porém serve apenas a um senhor. Durante toda a campanha, o Militante assinou panfletos políticos governistas fantasiados como análises técnicas de tendências eleitorais. Dia após dia, sem descanso, sugeriu a inevitabilidade do triunfo da candidata palaciana no primeiro turno. Sua pesquisa da véspera do primeiro turno, publicada com fanfarra por uma legião de blogueiros chapa-branca, cravou 53,4% dos votos válidos para Dilma Rousseff. Errou em 6,5 pontos porcentuais, quase três vezes a margem de erro proclamada, de 2,2%.

Pesquisas, obviamente, não decidem eleições. Mas elas têm um impacto que não é desprezível. Sob a influência dos humores cambiantes do eleitorado, supostamente captados com precisão decimal pelas pesquisas, consolidam-se ou se dissolvem alianças estaduais, aumentam ou diminuem as doações de campanha, emergem ou desaparecem argumentos utilizados na propaganda eleitoral, modifica-se a percepção pública sobre os candidatos. Os institutos comercializam um produto rotulado como informação. Se fosse leite, intoxicaria os consumidores. Sendo o que é, envenena a democracia.

Beto Richa, o governador eleito em primeiro turno no Paraná, obteve da Justiça Eleitoral a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais que não o favoreciam. A censura é intolerável, principalmente quando solicitada por alguém que se comprazia em dar publicidade a pesquisas anteriores, nas quais figurava à frente. Ele poderia ter usado o horário eleitoral para expor a incúria metodológica dos institutos e o lamentável papel desempenhado por alguns de seus responsáveis, como o Oráculo e o Militante. A opinião pública, ludibriada a cada eleição, encontra-se no limiar da saturação. Mais um pouco, aplaudirá o gesto oportunista de Richa e clamará pela censura. Que tal os institutos agirem antes disso, mesmo se tão depois do Gallup?

Ah, por sinal, qual é mesmo a taxa de aprovação do governo Lula?

SOCIÓLOGO, É DOUTOR EM GEOGRAFIA HUMANA PELA USP. E-MAIL: DEMETRIO.MAGNOLI{at}TERRA.COM.BR

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 15/10/2010

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4 thoughts on “Pesquisas eleitorais: Os falsários, artigo de Demétrio Magnoli

  • É uma análise superficial, e é estranho o Douto Sofista Demétrio falar de tendenciosos, pois nem cego deixa perceber o tamanho do bico tucano de Demétrio. O mesmo pensamento fraco de argumento defendido por ele no seu escarro literário sobre a não-existência do racismo já nos deixa claro o seu pensamento elitista. Não vejo nada de ciência em seus estudos. Ele usa o cientificismo para justificar sua ideologia, pois ele tenda endossar seus fracos argumentos dizendo ser ciência social. Como filósofo preciso alertar que ciência social já é algo muito utópico, ainda mais nas impressões sem fundamentos retratadas pelo pseudo-intelectual.
    Claro que existem erros nas pesquisar, e sempre são a favor de quem está em primeiro lugar nos levantamentos, isso se deve ao grau elevado de “nulos” e “brancos” entre os eleitores menos escolarizados – estes se atrapalham muito devido aos diversos cargos eletivos que tem que votar, bem como ao fato de serem votos que tendem à situação. Isso ocorreu na mesma proporção na eleição de F.H.C em 1998 pois as pesquisas apontavam 55% dos votos e ele chegou com pouco mais de 50% no pleito.
    Quanto ao voto em Senadores, isso em nada tem haver com metodologia, é algo muito mais objetivo e simples: os eleitores têm que escolher 2 Senadores e a grande maioria define o 2º voto na urna de votação, o que modifica muito o percentual dos candidatos.
    Não sou defensor de institutos de pesquisa, mas vejo que é muito hipócrita esse falso intelectual brasileiro – o sofista moderno – apontar o dedo e esquecer que ninguém é burro o suficientemente para acreditar na neutralidade de seu nariz de tucano.
    Adoraria debater com esse falsário.
    Att,
    Marcio Pheper
    Professor, ator e comunicar
    Filósofo – PUCPR
    Especialista em Sociedade, Tecnologia e Educação – UTFPR

  • Concordo com Demétrio e não tenho a arrogância de me considerar superior declarando-o “pseudo-cientista” como o “Professor, ator e comunicar Filósofo, etc.especialista” o Doutor Maricio Pheper acima. Humildade nunca é demais, principalmente para nos uspianos.
    Entrega de terras a megadesmatadores nacionais e internacionais, inclusive 100.000 ha ao empresário chines Lu Weigang em terras indígenas (da União) em 2004 sob o beneplácito do governo Lula até hoje, os recordes absolutos de desmatamento no país, a entrega do monopólio do GNL (gás natural liquefeito) da Petrobrás aos americanos (através da joint venture Gemini) por parte de Dilma e Lula…
    Tudo isso é a mistura de capitalismo selvagem sem lei com roupagem “de esquerda”. Ainda dá tempo para mudarmos isso tudo no 2.o turno votando em Serra. É tempo de dar um basta na transposição do São Francisco, no desastre de Belo Monstro e na maior corrupção já perpetrada na história deste nosso sofrido país.

  • Silvio Ramos Jr.

    Endosso o Demétrio em todos os sentidos. Mais uma vez ele acerta na mosca. A mosca sobre essa merda chamada lullo-petismo.
    Sr. Pheper(?), claro que gostaria de debater com o Demétrio: a gente ia saber quem ele é, ilustre desconhecido. O senhor é burro o suficiente sim, sr. Pheper, para não entender…

Fechado para comentários.