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Projeto para equipar imóveis do ‘Minha Casa, Minha Vida’ com energia solar fracassa

A prometida expansão da energia solar vai ficar de herança para o próximo governo. Apesar de figurar entre as prioridades de políticas públicas e fazer parte do plano de eficiência energética, o projeto de aquecimento solar não vingou. O exemplo mais evidente é o programa “Minha Casa, Minha Vida”.

Em abril de 2009, quando o governo lançou o programa habitacional para a construção de 1 milhão de casas populares, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) previu que pelo menos metade das unidades erguidas seriam equipadas com um sistema de energia para aquecimento de água, o que dispensaria o uso de chuveiros elétricos.

Os benefícios da investida ambiental chegaram a ser calculados. Com 500 mil casas plugadas na energia solar até o fim deste ano, o país deixaria de emitir 830 mil toneladas de CO2. As economias com investimentos em geração, transmissão e distribuição de energia chegariam a R$ 1,6 bilhão. Reportagem de André Borges, no Valor Econômico.

[Leia na íntegra]A realidade é que o programa não avançou nas demandas projetadas, diz José Ronaldo Kulb, presidente do departamento de aquecimento solar da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava). “A Caixa contratou neste ano apenas um piloto de 40 mil unidades, que está em fase de implementação para análise”, disse.

No início do mês, o Minha Casa, Minha Vida atingiu a marca de 637 mil residências com contratos já assinados para construção. No entanto, de acordo com a Caixa – que financia a compra dos equipamentos para as construtoras -, só 25,4 mil casas tiveram aquecedores solares instalados.

Por meio da assessoria de comunicação, a Caixa informou que essa primeira remessa de instalação refere-se à taxa de 10% das casas destinadas a famílias com renda de até três salários mínimos, o que corresponde a 40 mil instalações. “A avaliação é de que a meta de 40 mil sistemas de aquecimento solar de água será atingida”, informou.

O desinteresse pelo projeto energético, segundo o Ministério do Meio Ambiente, ocorreu porque faltou estímulo para a adoção do sistema. “O que aconteceu é que a entrada no projeto era voluntária. Como as empresas não eram obrigadas a construir casas com aquecedor, acabaram deixando a iniciativa de lado”, diz Ana Dolabella, diretora de licenciamento e avaliação ambiental do MMA.

Outro problema enfrentado foi a falta de disponibilidade de mão de obra técnica. “As empresas e o mercado de trabalho não estavam preparados para atender a demanda e também faltou conhecimento sobre os equipamentos certificados”, comenta Ana.

Os fornecedores do setor, que a princípio viram na iniciativa uma possibilidade de os negócios finalmente decolarem, estão frustrados com o fracasso do projeto. Segundo dados da Abrava, a indústria de aquecimento solar conta com cerca de 200 empresas no país e está capacitada para atender a demanda.

“Hoje a maioria dessas empresas está com uma capacidade ociosa de mais de 30%, trabalhando em apenas um turno. Portanto a indústria não é gargalo para o crescimento do setor”, diz José Ronaldo Kulb, da Abrava.

Na prática, o uso de sistemas de aquecimento solar ainda é privilégio dos mais ricos, como apontam pesquisas do setor. Nos últimos cinco anos, a indústria de aquecimento solar cresceu a taxas anuais de 15%, mas quase metade do que hoje está instalado é usado para aquecer piscinas.

“O governo não assumiu as energias renováveis da forma como esperávamos”, comenta Ruberval Baldini, presidente da Associação Brasileira de Energias Renováveis e Meio Ambiente (Abeama). “A energia solar não faz parte do plano de energias alternativas, ao contrário do que vemos em países como Alemanha e Espanha.”

Para tentar resolver a situação e destravar de vez o setor, o governo decidiu mudar as regras do Minha Casa, Minha Vida a partir das metas estipuladas para o Programa de Aceleração do Crescimento.

Entre 2011 e 2014, está prevista a construção de mais 2 milhões de moradias no país. Todas elas, segundo o programa, serão obrigatoriamente construídas com o sistema de aquecimento por energia solar. O Ministério das Cidades, que lidera o projeto, ainda está finalizando estudo sobre o que será feito.

A ideia é se concentrar nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, que são os maiores consumidores de energia elétrica para aquecimento de água. Dessa vez, no entanto, o governo decidiu trocar o sistema de aquecimento anterior por um que utiliza um chuveiro híbrido, de energia solar e elétrica.

O custo do equipamento, diz Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), é estimado em R$ 1,7 mil. Ou seja, até 2014 seriam necessários R$ 3,4 bilhões para equipar as 2 milhões casas do PAC habitacional. Parte desse investimento já está garantido.

Com o uso de R$ 442 milhões do Programa de Eficiência Energética – que coleta no mínimo 0,5% da receita operacional líquida das distribuidoras de energia – a meta é instalar o chuveiro híbrido em 260 mil residências já construídas na primeira fase do Minha Casa Minha Vida.

“Tudo vai ser feito sem ônus para o consumidor. A parcela da casa vai aumentar, mas o recurso sairá do orçamento da União”, diz Tolmasquim. “Além disso, a tendência é que o preço do chuveiro caia muito devido ao volume que será instalado.”

O PAC 2 prevê uma linha de crédito de R$ 680 milhões da Caixa para financiar a adoção do chuveiro híbrido e mais R$ 1,1 bilhão do governo federal. Com a indústria do chuveiro híbrido, a EPE estima que serão gerados 85 mil empregos diretos e indiretos no setor. Para o consumidor de baixa renda, estima-se uma economia de 40% na conta de luz, algo em torno de R$ 16 por mês.

Para Ruberval Baldini, da Abeama, o chuveiro híbrido não é suficiente. “Os países que fizeram a energia solar acontecer fizeram isso com decisão política”.

Ceará recebe primeira fábrica de placas

A cidade de Horizonte, a 40 km de Fortaleza, no Ceará, vai abrigar a primeira fábrica de produção de placas fotovoltaicas do país. Após um ano de negociações e espera pelo licenciamento ambiental, foi concedida a licença prévia pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente (Semace) para início das obras da Energia Solar Brasileira (Esbra).

A empresa, cujo custo total estimado é de aproximadamente R$ 70 milhões, tem como sócios os investidores Nelson Estevan Seidl, brasileiro que vive nos Estados Unidos, e José Almeida Júnior, baseado no Ceará. A fase inicial do projeto prevê investimentos de R$ 13 milhões, segundo Aécio Gonçalves, diretor da Pentagonal Consultoria e Investimentos, empresa que assessora o projeto. Parte do investimento será feito por meio de financiamento com o Banco do Nordeste.

A contrapartida do governo e da prefeitura de Horizonte, segundo a Agência de Desenvolvimento do Estado do Ceará para Energias Renováveis (Adece), foi a doação do terreno, além de incentivos fiscais e qualificação da mão de obra. Inicialmente, a Esbra vai apenas montar os painéis solares, importando boa parte dos componentes.

A segunda etapa consiste na fabricação de boa parte dos componentes. A ideia é que a companhia detenha a tecnologia necessária para fazer a extração do silício para a fabricação das células dos painéis. A fábrica deve funcionar em 2011.

A fabricação local de painéis fotovoltaicos pode facilitar a vida de quem tenha planos para montar usinas solares no país. A MPX Energia, empreendimento do empresário Eike Batista, buscou tecnologia importada para iniciar as operações daquela que será a primeira usina de geração comercial de energia solar do país.

Os 4,4 mil painéis fotovoltaicos comprados pela MPX são fabricados pela chinesa Yingli. Ao contrário do que acontece no setor de energia solar térmica, com cerca de 200 fabricantes no país, a indústria de equipamentos fotovoltaicos, usados para geração de energia elétrica, é incipiente. Fora do país, a MPX analisou a tecnologia de oito fornecedores. “Além da qualidade, os chineses foram imbatíveis no preço”, comenta Lucio Coelho, gerente de implantação de empreendimentos da MPX.

Nesta semana, a MPX iniciou as obras de terraplenagem na área de 12 mil metros quadrados onde será montada a MPX Tauá, também no Ceará. O projeto de R$ 10 milhões terá capacidade inicial de geração de 1 megawatt (MW), suficiente para suprir de energia 1,5 mil casas. A usina já conseguiu licença ambiental da Semace e autorização da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para gerar 5 MW. A distribuição de energia está prevista para março de 2011.

Há uma expectativa de que o governo cearense faça uma chamada pública ainda neste ano para compra de energia solar, afirma Coelho. Sem apoio público, a conta das usinas solares ainda não fecha. Apesar de ser uma das fontes alternativas mais limpas, sua produção ainda custa caro. Enquanto o megawatt/hora de uma hidrelétrica custa cerca de R$ 100, a solar é negociada por cerca de R$ 600.

Cidadão não pode vender excedente

Um dia, no futuro, qualquer cidadão brasileiro que tiver um sistema de energia solar em sua casa poderá vender o excedente do que gerar para a distribuidora de energia de sua cidade. E será bem pago por isso. Em países como Espanha e Alemanha, essa ideia já é uma realidade. Em muitas cidades da Europa, milhares de pessoas são, simultaneamente, consumidores e geradores de energia.

No Brasil, comenta Ruberval Baldini, presidente da Associação Brasileira de Energias Renováveis e Meio Ambiente (Abeama), a legislação permite que o cidadão gere a própria energia, mas não que a venda para outros. “É mais um exemplo da falta de um marco regulatório para o setor”, diz Baldini.

Para Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), já passou da hora de o assunto ser colocado em pauta no Brasil. “Temos de acompanhar o que está acontecendo em outros países. Já passou da hora de o Brasil discutir o tema da energia solar com mais atenção”, argumentou.

O mercado de aquecimento solar no Brasil acumula hoje uma área superior a 5 milhões de metros quadrados de coletores instalados, segundo o Departamento Nacional de Aquecimento Solar (Dasol). Cada metro quadrado de coletor instalado, utilizado durante um ano, equivale a 215 quilos de lenha, 66 litros de diesel ou 55 quilos de gás.

Em média, o retorno do investimento feito em um sistema solar leva até 24 meses, mas este prazo tende a diminuir com a queda de preço dos equipamentos. A economia na conta de energia elétrica pode chegar a até 50%, segundo cálculos do setor. No Brasil, o uso da energia solar ainda é muito restrito a residências e pequenos empreendimentos turísticos.

EcoDebate, 29/09/2010

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