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Artigo

Em ‘defesa’ da corrupção, artigo de Maurício Gomide Martins

[EcoDebate] Estamos vendo, quase todos os dias, o grande espetáculo de corrupção no Brasil. Ele pipoca por todos os lados, sem distinção de Estado Município ou Instituição. A mídia se banqueteia nesse assunto, só o largando quando surge outro mais carnudo, mais escandaloso. Interessante! O escândalo maior abafa ou engole o menor. Não ignoramos os filhotes de corrupção esparramados por esse Brasil afora, verdadeiros cursos primários dos iniciantes na difícil carreira política. Mas o desfecho é sempre suave, tranqüilo e o mesmo: a impunidade. Afinal, não se punem “anjos”.

Mas o Brasil é muito grande. Há sistemas corruptíveis para todos os gostos. Há corrupção e seus ramais de desonestidade – desvios, comportamentos antiético, furtos – na esfera judiciária, legislativa, executiva. Apressamo-nos a consignar, por justiça, que nesses setores encontramos pessoas impolutas, dignas, sem qualquer mácula. Essas são as exceções da regra geral.


Na generalidade, todos praticam a difícil arte da política de interesses pecuniários. Tudo isso é dedutível para qualquer mente acostumada com os jogos da lógica. E o meio mais adotado é o dos desvãos da publicidade, que possui diversos afluentes: TV, rádio, eventos, festas, etc. Vemos governo federal superfaturando milhões de reais em propaganda inteiramente desnecessária e inútil, posto que detém ele exclusividade nas atividades focalizadas.

Estados e municípios gastando outros rios de dinheiro em publicações caríssimas só para dizer inconsistências e se louvarem. Municípios promovem festas, eventos e comemorações abrindo a porta do cofre e negam, por falta de dinheiro, serviços essenciais à população. Dão ao povo circo, puxando antes a parte do leão, eleito para isso mesmo. Não oferecem educação, saúde, segurança, que essas coisas atrapalham a verba de festas e publicidades.

Apenas como exemplos concretos, os jornais fornecem dados de publicidade constantes dos respectivos orçamentos para 2010. Só a cidade do Rio de Janeiro, consignou 60 milhões de reais; o Estado de São Paulo, 120 milhões; o Estado de Minas Gerais, 40 milhões; o governo federal – só para exaltar e acariciar vaidades do presidente falastrão – valores indeterminados.

Essa é uma boa graxa. Engana aos tolos e até alguns chefes de estado, que também têm suas próprias manhas. O primeiro ministro Sarkozy, por exemplo, veio ao Brasil, alisou vaidades oficiais, publicou na França farta matéria elogiosa ao nosso principal mandatário, tudo para promover a venda dos aviões Rafalle e submarinos antigos. Os governantes mundiais não cuidam do meio ambiente; tratam é de intermediar negócios, atados que estão ao arcabouço econômico que domina o mundo.

Entendemos que tudo funciona assim, e os políticos se entendem muito bem nesse ramo. Não podem é ser apanhados em flagrantes, serem gravados ao telefone e filmados. Isso seria, digamos, uma grave e imperdoável incompetência política que, apesar de não ser punível, afeta negativamente não só os personagens da trama, como toda a classe política

Na antiga Grécia, no Estado autônomo de Esparta, durante o treinamento militar era perfeitamente aceita e até estimulada a ação de furto, desde que o larápio não se deixasse apanhar. Se pego em flagrante, era castigado severamente. Não pelo furto em si, mas pela inabilidade da ação. No Brasil é quase a mesma coisa; o corrupto não pode é ser flagrado. Ocorrendo essa circunstância, o esquema da panelinha se desmorona. Mas no final todos permanecem ricos, felizes e vão gozar a vida com seus milhões.

De onde vem essa dinheirama? Ficamos pensando se os financiadores dessa podridão social são sempre de uma mesma atividade econômica! E as empresas de outras naturezas que entram em licitações em outras áreas em todos os Estados? Seriam inocentes, certinhas, impolutas? Não cremos. Afinal, o sistema, o modo político, o jeito de operar e o extrato eleitoral têm um mesmo e exclusivo objetivo: ganhar dinheiro, lucrar. Habita a cabeça dos respectivos dirigentes a grande e única verdade: o objetivo da vida é acumular riquezas materiais. Mais nada.

Observamos quão interessante é esse desfiar de novelo oco. Há pelo menos dois tipos de corrupção: o legal e o ilegal. Estamos acostumados a ver os ditos impolutos, numa postura hipócrita, reclamarem do caixa 2. Isso porque tal caixa indica o não pagamento de impostos. Quanto ao caixa 1, que naturalmente paga tais gravames, esse pode, por direito legal, corromper nossos dignos representantes. É uma aberração do sistema. Mas essas regras foram feitas por eles mesmos. Vimos na televisão um dito respeitável senador dizer que foi financiado com dois milhões de reais por empresas “boazinhas”, mas frisando que foram doados pelo caixa 1, devidamente declarados na prestação de contas à chamada justiça eleitoral.

Ora, o dinheiro doado – venha de onde vier – nunca é realmente doado. Ele é investido em interesses empresariais. E todo investimento é calculado em função de retornos lucrativos. E quem aceita tais doações fica sem o suporte moral, vende a consciência (quando a tem), vende a alma. Tudo passa a ser representado pelos interesses do cifrão. É esse cifrão que engraxa toda a máquina nacional para que ela continue funcionando e não apresente ranger de eixos.

Entendemos que todo país democrático que se preze tem que ter sua estrutura de corrupção. Essa prática democrática é generalizada, mundial. Faz parte do sistema econômico. Em recente classificação, um instituto internacional publicou a relação dos países onde é praticada tão valiosa e emocionante arte. E o Brasil não está mal colocado nessa classificação.

Aqui, por exemplo, ela se justifica plenamente, pois se não medrasse, quem iria realizar sonhos mirabolantes negados à plebe? A estrutura econômica se mantém pelo consumo e gastos, tais como iates luxuosos, aviões particulares, automóveis importados de luxo, festas deslumbrantes, uso de vestidos de ouro, grandes salários para chutador de bola, viagens constantes para o exterior, cultivo de vaidades caríssimas, assassínio de florestas imensas. Tais consumos e atividades desnaturam a parte boa da espécie humana com a ostentação perante os excluídos da sociedade e sustentam a base da estrutura econômica de uma nação.

Um país sem corrupção não teria índices crescentes de PIB nem arrecadação suficiente para encantar o povo com festas populares, espetáculos circenses apresentados sob a enganação de culturais. Sem dinheiro em excesso, quem iria sustentar o mundo dos supérfluos, o modismo em roupas, celulares, televisores, esportes empresariais, apetrechos diversos, futilidades, consumismos frívolos, viagens desnecessárias de turismo e outras atividades inteiramente contrárias à manutenção dos recursos ambientais?

Concluímos que a corrupção é a graxa da máquina de uma nação e fator necessário e essencial para o equilíbrio econômico de um país. Reconheçamos sua utilidade. Sem ela, toda a estrutura econômica de um país se desmoronaria por falta de estímulos à satisfação dos desejos materiais infinitos dos indivíduos.

Alguém perguntaria em que posição ficariam os alijados para o exercício da corrupção. Bem, estes teriam dois caminhos: adquirir o hábito de furtar (que é a mesma coisa, mas em escala muito menor), inserindo-se na classificação de criminoso punível, devidamente processado, julgado e condenado por um impoluto juiz togado, regiamente pago para isso. O outro rumo é manter-se honesto, consciência tranqüila, cultivando a liberdade mental de pensar – denunciando, reclamando, gritando –, o que não adianta nada, mas dá o orgulho de se sentir útil aos bons cidadãos.

Maurício Gomide Martins, 82 anos, ambientalista e articulista do EcoDebate, residente em Belo Horizonte(MG), depois de aposentado como auditor do Banco do Brasil, já escreveu três livros. Um de crônicas chamado “Crônicas Ezkizitaz”, onde perfila questões diversas sob uma óptica filosófica. O outro, intitulado “Nas Pegadas da Vida”, é um ensaio que constrói uma conjectura sobre a identidade da Vida. E o último, chamado “Agora ou Nunca Mais”, sob o gênero “romance de tese”, onde aborda a questão ambiental sob uma visão extremamente real e indica o único caminho a seguir para a salvação da humanidade.

EcoDebate, 23/06/2010

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4 thoughts on “Em ‘defesa’ da corrupção, artigo de Maurício Gomide Martins

  • Cinismo puro desse senhor que, provavelmente, foi “honesto” a vida inteira!!!

    A mensagem: se conformem porque as coisas já estao decididas, voces sao apenas observadores (e consumidores) passivos da história…

    Nota do EcoDebate: Uma leitura cuidadosa do texto e do contexto permitirá perceber a ironia e o questionamento feito pelo autor usando argumentos comuns do duplo discurso. É um texto sarcástico, com uma clara declaração final no último parágrafo:

    Alguém perguntaria em que posição ficariam os alijados para o exercício da corrupção. Bem, estes teriam dois caminhos: adquirir o hábito de furtar (que é a mesma coisa, mas em escala muito menor), inserindo-se na classificação de criminoso punível, devidamente processado, julgado e condenado por um impoluto juiz togado, regiamente pago para isso. O outro rumo é manter-se honesto, consciência tranqüila, cultivando a liberdade mental de pensar – denunciando, reclamando, gritando –, o que não adianta nada, mas dá o orgulho de se sentir útil aos bons cidadãos.

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