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Israel se considera no direito de atuar contra quem quer que seja,artigo de Miguel Ángel Bastenier

[El País] Nem derrapagem sobre o terreno, nem histórias. Mas ainda lamentando a gravíssima perda de vidas humanas no ataque israelense à flotilha turca que se dirigia a Gaza, a questão de fundo não muda. Mesmo que o assalto tivesse se realizado como um minueto de Versalhes e a passagem não tivesse sofrido mais inconveniência que a de ter viajado em vão, a operação constituiria uma nova transgressão do direito internacional: a auto-atribuição pelo Estado sionista do direito de atuar contra quem quer que seja, em qualquer lugar, com quaisquer consequências, por terra, mar e ar. Israel atua, como dizia Edward Said, na mais absoluta impunidade. O governo de Benjamim Netanyahu nunca decepciona o antissemitismo universal.

As consequências políticas do atropelo em alto-mar são muito negativas para um país cuja imagem se deteriora a olhos vistos; mas nenhuma delas, embora não fossem as oficialmente desejadas em cada momento, contradiz a política do Estado em longo prazo.


A atuação de um exército, cujo lema é a pureza das armas, torpedeia as conversas de aproximação – próximas, mas não cara a cara – entre palestinos e israelenses com intermediação americana. Pode-se dizer que suas probabilidades de êxito se expressavam em partículas de prótons, mas as partes participavam da charada esperando que fosse o outro quem cortasse o baralho. E por isso não desagradaria a Netanyahu que os palestinos paralisassem os contatos.

Despencam as relações de Israel com a Turquia, pois três dos seis navios eram turcos e a expedição tinha o apoio de fato do governo de Ancara. As relações entre os dois países nunca mais serão o que foram, porque chove no molhado. A mudança fundamental ocorre pela reorientação da política externa do antigo aliado de Israel para o mundo árabe, em particular com Síria e Iraque, e a mediação para evitar que o Irã sofra novas sanções internacionais.

A agressão israelense, na qual morreram vários passageiros turcos, é por isso combustível para um incêndio declarado. A Turquia havia cimentado uma estreita aliança com Israel a partir de seu mútuo renascimento no século 20, a primeira como república sucessora do Império Otomano e a segunda como Estado sionista, em meio a um mar árabe hostil, quando não inimigo de ambos os países. Mas também neste caso o sentimento político israelense pode aprovar que a Turquia tenha pagado por sua traição.

A União Europeia, fora condenações verbais taxativas, alguma vez poderia mostrar praticamente seu desgosto pelo ataque a um comboio no qual viajavam parlamentares e personalidades europeias. O objetivo da flotilha era sem dúvida propagandístico e pró-palestinos, mas de uma total inocência humanitária, para proveito de 1,5 milhão de habitantes da Faixa de Gaza. Se é verdade, como afirma Israel, que graças ao corredor terrestre pelo qual permite a passagem de um fio de suprimentos Gaza não passa sede nem fome – só de justiça -, que inconveniente poderia haver que lhe dessem uma mão do exterior?

Naturalmente, essa é uma pergunta retórica porque o Estado sionista o que quer é castigar o Hamas pelo que diz que faria a Israel, embora dificilmente pelo que faz, que é nada. Mas a selvageria serve para reiterar à Europa que seu papel é e será insignificante em tudo o que seja negociado no Oriente Médio.

E também é teoricamente fatal para as relações com os EUA porque, além de abortar a viagem que o primeiro-ministro israelense deveria realizar nesta terça-feira à Casa Branca, marca um novo adiamento nos planos para desencadear a paz que o presidente Obama mantém tenazmente. Mas a intransigência marítima de Israel equivalia a dizer a Washington que não lhe impressionava a severidade de suas recriminações; e que não perdesse tempo pedindo o que não seria concedido.

O grande jornalista israelense Gideon Levy escreveu em 18 de março no jornal “Haaretz” o que poderia ser uma explicação “ad hoc”, muito mundana, que são as que valem, de por que o que prejudica Israel não necessariamente contradiz os desígnios últimos de seu governo. “Israel não busca seriamente a paz porque a vida do cidadão é bastante boa mesmo sem ela; e a ocupação não põe em risco seu futuro.”

Enquanto o custo de manter a ocupação dos territórios palestinos não for maior que o benefício que, supostamente, se extraia de retê-los, não há qualquer motivo para pensar que a paz esteja à vista.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Artigo [Impunidad] no El País, no UOL Notícias.

EcoDebate, 04/06/2010

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