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Artigo

A sabedoria do ‘Seu João’, artigo de Américo Canhoto

Américo Canhoto
Américo Canhoto, em foto de arquivo

[EcoDebate] Sou atraído pelo simples – tenho alguns amigos especiais; dentre eles um paciente que chamo carinhosamente de Pai João; um senhor aí dos seus quase oitenta anos – com jeitão e sabedoria de Preto Velho; ás vezes quando olho prá ele, a impressão que tenho é de estar vendo duas pessoas superpostas; só que a miragem tem cabelos mais brancos.

Da ultima vez que o vi, aprendi mais um pouco.

O que me conta Seu João? – Tudo véio qui nem eu seu moço! E a família? – Tô aprendendo a lidá cum eles!Tô quasi virando água!

Seu João é uma daquelas pessoas que conforme o tempo passa consegue transmitir sabedoria a olhos vistos. No começo eu tinha certa dificuldade para entender seu linguajar; mas, com o tempo fui me habituando e até a achar interessante e poética sua forma de ver e de colocar as coisas do dia a dia – em muitos aspectos ele me ajudou a mudar minha forma de ser e de ver o trem do mundo.

Sua vida para quem a assiste de fora tem a impressão de ter sido muito sofrida. Segundo minha forma de sentir as coisas; se nós achamos que temos problemas de todos os tipos e de relacionamento humano; em comparação aos dele; nós nos enganamos; os nossos são de criança e os dele foram de gente grande.

Somos parte importante dos problemas uns dos outros: De certa forma nossos relacionamentos ainda são mais ou menos complicados tal e qual nossa ecologia íntima; claro que os simpáticos, harmônicos e amorosos de bem querença são ainda raros.

Segundo seu João nós parecemos bodes marrudos dando cabeçada prá ver quem é mais forte. Os motivos são muitos, mas a base é a falta de qualidade pessoal da maior parte de nós; ele diz que somos seres muito interesseiros, “fominhas”.

O que predomina na formação da personalidade ainda são os chamados defeitos de caráter; que a rigor não existem, são apenas nossas características que se entrechocam entre elas e com as dos outros – a maior parte do tempo nossos desejos entram em confronto gerando o mal querer.

Como exemplo: o orgulho, na sua essência, é o amor que sentimos por nós mesmos; ligeiramente aumentado já gera desarmonia com outras pessoas.

Como equilibrar orgulho e humildade?

A tentativa de se tornar humilde à força, logo se torna covardia.

È preciso ser uma pessoa forte e determinada para forjá-la nas lidas e nas conquistas do dia a dia; como fez o seu João. Como ele; o realmente humilde nem sabe que é – desse modo, nem precisa se preocupar em demonstrar essa qualidade – segundo sua forma atual de ver a vida, ele apenas amansou seu desejos; no trabalho da lavoura aprendeu a dar tempo ao tempo e a esperar a hora de plantar e de colher. Diz ele que depois de certa idade a gente perde a pressa e não come mais nada verde nem crú. Dando risada ele diz que quando se vai ficando velho, a gente quer que o relógio ande para trás ou quer que o tempo passe devagar; prá vida demorar um pouquinho mais; daí a gente para prá matutar.

No seu jeito simples, manso e gostoso de falar e de ver a vida como ela é; ele tem suas tiradas que o divertem e a nós também; por exemplo: o rótulo que dá para algumas pessoas que conviveram com ele; é muito engraçado.

Durante a vida ele conviveu com algumas pessoas do tipo:

* Pedra no caminho
As que impedem a realização de nossos desejos; atrapalham nossos planos ou estorvam nossas ambições; são tidas e sentidas como pedras no nosso caminho; e pelas quais desenvolvemos aversão, medo, antipatia.

Quem de nós nunca foi ou nunca teve pessoas pedra – no caminho pela frente? Elas são problema? Não – pois, pedras podem ser contornadas; atiradas para longe (nem sempre é interessante; pois pode gerar kharma); escaladas (quando passamos a compreendê-las e a aceitá-las como elas são; e passo a passo, vamos encontrando pontos de apoio comuns – nesse caso a satisfação é sempre maior); algumas podem ser galgadas num pulo só. Se as encararmos como obstáculos elas podem nos paralisar; criando um processo de antipatia ou aversão bem mais prolongado.

Segundo Seu João; foi com essas que aprendeu a querer virar água. Segundo ele, ela não perde tempo nem energia tentando afastar os obstáculos; apenas contorna e segue; flui. Essa dica dele foi boa; venho tentando colocar em prática essa forma de viver; e os resultados são bons; dão paz de espírito; e certa calma.

O que ele não me explicou na sua teoria é como algumas dessas pedras do caminho estão volta e meia á nossa frente, de novo. Talvez eu ainda seja uma água elástica, plastificada; finjo que fluí; mas, continuo no mesmo lugar? – provavelmente.

Ou nossas pessoas problema são ilusões? – Ou apenas nosso espelho a se refletir no armário da vida?

Há outro tipo – segundo ele esse é a criatura mais desengonçada:

* Mala sem alça
Quando não temos soberania emocional com relação a alguns e pensamos ser, ou nos sentimos obrigados a carregá-los pela vida afora, dizemos que são as nossas malas.

Algumas até sem alça; ou até daquelas que abrem e deitam tudo ao chão. Nesses casos, a viagem tão esperada no trem da vida; pode perder a graça; e a aversão e a antipatia por termos que carregar a bagagem, podem ser conseqüência da situação, e não um processo primário de interação.

Segundo ele no trem da vida quando a gente combina de carregar uma mala até determinada estação; tem que cumprir com a obrigação prá não voltar prá trás. Se a gente se enfezar e atirar pela janela é pior – vai ter que esperar outro trem (kharma).

Na teoria dele as malas não são pesadas; os carregadores é que são frouxos; quanto mais você pensa que a mala pesa; mais pesada ela fica.

Pior é quando você imagina ser o carregador, mas, é a mala.

Diz ele que no trem da vida prefere viajar quietinho no bagageiro e espiar a vida pelas frestas do vagão (momentos felizes); já que talvez ele mesmo seja uma mala difícil dos outros carregarem.

Perguntei se vale a pena colocar rodinhas na mala; prá ficar mais fácil de levar – disse ele: se você conseguir; mas, o terreno da vida costuma ser acidentado; se em alguns períodos só puxar; na hora de voltar a carregar pode parecer impossível conseguir.

As que deixam lembranças mais sofridas:

* Pedra no sapato
Para passear pela vida nem sempre escolhemos o calçado correto – ás vezes nós somos atraídos pela beleza, pelo preço baixo; moda; ansiedade, pressa – e nos damos muito mal.

Pessoas pedras no sapato são matreiras (embalo); entram na nossa vida, assim como não quer nada e até podem causar grandes sofrimentos; pois, só nos damos conta depois do estrago feito.

Esse estilo de relacionamento além de estorvar e retardar projetos ainda causa; machucados e feridas difíceis de cicatrizar se você não jogar a pedra e até o sapato fora.

Também indica uma relação que pode tornar-se antipática ou com sensação de aversão. Pedras no sapato podem ser mais facilmente descartadas no começo; embora deixem lembranças mais ou menos doloridas durante algum tempo.

Segundo Seu João essas foram as piores que surgiram em sua vida – ele manca até hoje.

* Espinho no dedo
Relacionamentos tipo espetar o dedo pelo descuido e pressa, são fáceis de curar. Esse tipo é mais ou menos ocasional.

Costuma aparecer de relações aparentemente neutras e que pode tornar-se complicadas, isso vai depender do tipo espinho, se pode ser totalmente arrancado ou se será expelido somente após inflamar ou através de uma cirurgia (isolada)…

* Predador
São os sócios da nossa infelicidade. A relação com o predador é sempre seguida de avisos subconscientes que podem ser ou não observados. E se a barreira da antipatia e da aversão é transposta a vítima está em sérios apuros. Surgem da associação de interesses que parecem ser comuns – mas, apenas para a vítima; pois, o predador sabe desde o começo muito bem o que quer.

Segundo Seu João ele foi boi de piranha muitas vezes até aprender – sobreviveu; mas, não aprendeu. Mas, o tempo passa e aprendemos ou aprendemos; hoje ele é boi arisco.

* Olho gordo
A antipatia ao tipo que seca até pimenteira é instintivo e automático, alguns se denunciam pelo próprio padrão vibratório e outros conseguem enganar as pessoas apenas durante algumas vezes.

A receita do Seu João prá olho gordo é infalível: viver na moita; pois, quem procura acha; mas, não descarta um banho de sal grosso e um galinho de arruda no bolso.

* Nó cego
Os atrapalhados na vida conseguem gerar antipatia e aversão ao longo da interação. Identificar um nó cego assim de pronto não é muito fácil; mas, trapalhada, após trapalhada é fácil identificá-los; mas, é preciso um mundão de paciência para desatar os nós – arrebentar tudo é o impulso; mas, pode gerar muito kharma.

Segundo a receita do Seu João é fácil escapar antes de começar – quando alguém começa a te tentar enrolar – caí fora!

* Caboclo mamador
Segundo Seu João: a meior manera de espantar os chupa cabras; os cabroco mamador é se afastar deles.

Os que costumam sugar a energia dos outros se identificam segundo o padrão vibratório. No entanto há pessoas que são sugadas com regularidade e não se tocam, nem percebem; ou percebem apenas que ficam sem energia quando a pessoa sai de perto.

Seu João não descarta algumas mandingas prá afastar esses bicho: fazer o sinal da cruz nas costas deles – deixar a vassouras de pé atrás da porta quando eles vêm na sua casa – jogar um punhado de sal grosso na porta de entrada quando eles forem embora – rezar um credo; e outras rezas brabas que minha finada mãe me ensinou.

Mas, Seu João e se essas pessoas forem da família? Aí seu moço; só com muito amor no coração e fé; depois que aprendi isso, só faço o bem quando posso e nosso senhor Jesus Cristo me ajuda sempre. Já fui e já fiz de tudo na estrada da vida até já fui arrogante e vingativo; mas, nunca fiz o mal pros outro de cabeça pensada; também, não era flor que se cheire; era do tipo: bateu levou; eu não levava desaforo prá casa – hoje; não sei o que é desaforo.

É verdade que o senhor sabe a cura de muitas doenças? Não seu moço; apenas faço algumas coisas que minha mãe Joana ensinou: benzimento de criança contra mau olhado; reza prá buxo virado; banhos e mezinhas com ervas, e outras coisinhas.

Por que eu não me curo? Tal e qual você seu moço; que vive preocupado em ajudar e cuidar dos outros; e não se cuida nem se cura.

Acho que o senhor é um xamâ! Sou não; seu moço; já ouvi falá que isso é coisa de índio, de pajé – eu sou apenas um preto meio véio que gosta da vida; das pessoas; das crianças, da natureza e dos bichos – nem escravo eu fui – sou até aposentado do INSS! – Minha mágica é continuar vivo! (rsssss)

Fui convidado prá visitar sua casa (sua tapera) – vou tomar um cafezinho dos bom; ver suas plantas de mezinhas e sua bicharada (faço idéia de quantos sejam – pois, quem gosta de bicho: bom sujeito é).

Depois conto mais – eu espero aprender umas receitas das boas com Seu João que me ensinou a tentar virar água e a plantar na minha cachola uma horta de abobrinhas (essa é muito boa; depois eu conto).

Inté.

Fiquem com Deus e nosso Senhor Jesus Cristo no coração.

Américo Canhoto: Clínico Geral, médico de famílias há 30 anos. Pesquisador de saúde holística. Uso a Homeopatia e os florais de Bach. Escritor de assuntos temáticos: saúde – educação – espiritualidade. Palestrante e condutor de workshops. Coordenador do grupo ecumênico “Mãos estendidas” de SBC. Projeto voltado para o atendimento de pessoas vítimas do estresse crônico portadoras de ansiedade e medo que conduz a: depressão, angústia crônica e pânico.

* Colaboração de Américo Canhoto para o EcoDebate, 17/05/2010

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