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Experto ou Esperto? artigo de José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] Na semana passada, faleceu a pintora e pianista Maria Amélia Buarque de Holanda (1910-2010). Ela foi uma mulher que viveu à frente do seu tempo e que muito contribuiu para a cultura nacional e para tornar o Brasil um lugar melhor para se viver. Modestamente, este artigo é dedicado à Memélia, como ela era carinhosamente chamada.

Na lingua portuguesa a letra x (xis) faz uma grande diferença nas palavras ESPERTO e EXPERTO. Segundo o dicionário Aurélio ESPERTO pode ser o sujeito “Inteligente, fino, arguto” ou o sujeito “espertalhão” no sentido de “finório, velhaco, astuto, malicioso”. Já o termo EXPERTO é mais bem definido e quer dizer “Indivíduo que adquiriu grande conhecimento ou habilidade graças à experiência, à prática” ou “Indivíduo que tem experiência; experimentado, experiente; perito”.

Na década de 1930, Noel Rosa compôs a música “Sair do Estácio é que é o xis do problema”. Desta forma, Noel, que tão bem retratou a cultura carioca e nacional, pode dar o mote para o entendimento das questões fundamentais do país com a pergunta: “Qual é o xis do problema”? Vamos então aproveitar o mote e sugerir como uma letra pode mudar o significado de uma palavra e de uma atitude perante a vida e o país. Ser Esperto ou Experto pode ser “o x do problema”, pois trata-se de dois tipos de comportamento que os indivíduos podem adotar diante dos problemas corriqueiros do dia a dia ou dos problemas mais gerais da Nação.

Também na década de 1930, Sérgio Buarque de Holanda, no livro Raízes do Brasil fez uma distinção – existente na formação do Brasil – entre o papel do “aventureiro” e do “trabalhador”, o primeiro podendo ter o significado de “Esperto” e, o segundo, o significado de “Experto”. Estes dois tipos têm por trás dois princípios e duas éticas. O primeiro tipo tem como ideal “colher o fruto sem plantar a árvore”. Vejamos o que o autor fala no capítulo 2, Trabalho & Aventura:

Este tipo humano ignora as fronteiras. No mundo tudo se apresenta a ele em generosa amplitude e, onde quer que se erija um obstáculo a seus propósitos ambiciosos, sabe transformar esse obstáculo em trampolim. Vive dos espaços ilimitados, dos projetos vastos, dos horizontes distantes.

O trabalhador, ao contrário, é aquele que enxerga primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar. O esforço lento, pouco compensador e persistente, que, no entanto, mede todas as possibilidades de esperdício e sabe tirar o máximo proveito do insignificante, tem sentido bem nítido para ele. Seu campo visual é naturalmente restrito. A parte maior do que o todo.

Existe uma ética do trabalho, como existe uma ética da aventura. Assim, o indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e destetáveis as qualidades próprias do aventureiro – audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem – tudo, enfim, quanto se relacione com a concepção espaçosa do mundo, característica desse tipo” (Holanda, 1995, p. 44).

É claro que estes dois extremos não existem em estado puro. O autor utilizou estes tipos ideais para ordenar o raciocínio e o conhecimento da dinâmica social, no sentido de se compreender melhor a evolução das sociedades, sendo que, na colonização da América Latina predominou o indivíduo do primeito tipo, cabendo ao “trabalhador” um papel mais limitado. A escravidão (e o Brasil foi o país que mais “importou” escravos e foi o último a por fim à escravatura) agravou a aplicação dos princípios do esforço, da cooperação e do espírito do trabalho, ao identificar o labor e a lida diária como atividades próprias de uma “classe” e uma “raça” desprivilegiada.

Como mostrou Ianni (2002) os tipos e os mitos podem ser formas de conhecimento, pois carregam signos, conceitos ou metáforas com as quais se taquigrafam situações, acontecimentos e sublimações. Em todos os casos, há sempre alguma contribuição para o conhecimento da realidade e de seu imaginário, tanto para o seu desvendamento como para o seu encobrimento:

Há tipos e mitos com os quais se revela alguma forma de “carnavalização” da situação, acontecimento ou impasse. É óbvio que “Jeca Tatu”, “Macunaíma” e até o “homem cordial” podem ser vistos com signos de denúncia, ênfase distorcida, caricatura do que poderia ser o “brasileiro”, a “identidade do brasileiro”, o “símbolo” de uma população que se demora a adquirir a figura de “povo”, a figuração de “cidadão”. Podem ser sátiras com as quais os “novos tempos” rejeitam os “velhos tempos”, o “presente rejeitando o “passado”, o “moderno” caricaturizando o “arcaico”. São taquigrafias com as quais se parodiam, rejeitam ou carnavalizam os indivíduos e as coletividades que se teriam formado no longo da história. Mais ainda porque o homem cordial, Jeca Tatu e Macunaíma são emblemas de um mundo no qual o “trabalho” é castigo, sofrimento, danação e alienação, tudo isso naturalizado ou ideologizado pela cultura de castas formada ao longo da história da escravatura”.

Em a “Ópera do Malandro”, Chico Buarque mostrou que a malandragem (ou espertesa) se espalhou pela vida nacional: “Agora já não é normal/ o que dá de malandro regular profissional/ malandro com o aparato de malandro oficial/ malandro candidato a malandro federal/ malandro com retrato na coluna social/ malandro com contrato, com gravata e capital/ que nunca se dá mal“.

De fato, a esperteza é um primeiro passo para a corrupção, que é um fenômeno pelo qual um funcionário favorece terceiros em troco de recompensa particular. O corrupto é um esperto. O esperto é um egoísta. De maneira mais ampla, podemos dizer que o esperto é aquele que se servi de um propósito ou instituição. Ao contrário o experto é contra a corrupção. O experto é altruísta. O experto serve a um proposito e a uma instituição.

Em geral, a esperteza (“malícia, manha, astúcia, ardil, malandragem”) traz frutos mais rápidos e requer menos esforço e trabalho, enquanto a expertise (“competência ou qualidade de especialista”) exige determinação, ânimo e resistência no longo prazo.

Por exemplo, o aluno que cola do colega ou plagia um trabalho na Internet pode ser muito esperto, enganando o professor. O professor que não cria ou transmite conhecimentos e finge dar aulas, pode ser muito esperto ao enganar os alunos, abusando da sua autoridade. A inexistência de um ambiente acadêmico e científico, com o aluno fingindo que aprende e o professor fingindo que ensina é uma esperteza chamada de “Pacto da mediocridade”, ou seja, um acordo tácito entre as partes para fugir das exigências intrínsecas do processo educativo. Ao fim e ao cabo todos perdem: alunos, professores e a população do país que não vê retorno dos investimentos em educação e em ciência e teconologia.

São espertos: o reitor que faz política na reitoria ao invés de fazer política educacional de excelência; os ministros (ou secretários) do trabalho, da saúde, etc, que fazem política clientelista em seus ministérios (ou secretarias) ao invés de criar melhores condições de emprego e saúde; os sindicalistas (ou diretores de associações) que ao invés de defender o interesse geral, fazem política partidária e aparelham suas diretorias.

Os espertos vivem do “circulo vicioso” da autocomiseração e da autopiedade. Geralmente colocam toda a culpa dos seus próprios fracassos no “sistema” e em determinações externas, se desculpando pela falta de empenho individual. Do campo oposto, os expertos fortalecem o “círculo virtuoso” e trabalham em sinergia para o bem geral da coletividade. O expertos, em geral, não utilizam desculpas globais para encobrir suas dificuldades individuais.

Se trocarmos o s do Esperto pelo x do Experto poderemos dar um outro rumo ao país, deixando de lado o ardil e a astúcia dos aventureiros para dar valor à competência do especialista, que é o indivíduo que constrói o saber, através do estudo e do trabalho. Os expertos investem em habilidades ou conhecimentos especiais ou excepcionais em determinada prática, atividade, ramo do saber, ocupação ou profissão. Criar um ambiente institucional que favoreça os expertos em detrimento dos espertos não é nada fácil, mas, como nunca, é premente.

Uma simples troca de letra pode representar um grande salto para a inclusão social. Como dizia o escritor Lima Barreto, ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil. O s da saúva é o mesmo s do esperto. Para que o pais supere o atraso e a ignorância é preciso trocar o s da esperteza pelo x da expertise.

Referencias:

BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma, Brasiliense, São Paulo, 1959.

HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

HOLANDA, Chico Buarque. Homenagem ao malandro, da peça Ópera do Malandro, 1977-1978.

IANNI, Octávio. Tipos e mitos do pensamento brasileiro. Sociologias, n.7, Porto Alegre, UFRGS, Jan./June 2002.

José Eustáquio Diniz Alves, articulista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE. E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br

EcoDebate, 12/05/2010

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