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Artigo

Superando Malthus: o decrescimento sustentável, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] Mesmo reconhecendo os limites finitos do Planeta, Malthus era a favor do crescimento da economia, desde que os salários dos trabalhadores ficassem ao nível da subsistência e o crescimento demográfico fosse contido pelos “cheques positivos” (fome, epidemias e guerras). Porém, ao contrário do que dizia o pastor e economista inglês, cresce mundialmente a concepção de que o maior problema econômico da atualidade não é o tamanho da população em si, mas sim o exagerado crescimento do consumo, em especial, do consumo conspícuo, superfluo e desnecessário para viabilizar uma vida decente na Terra.

Durante os dois últimos séculos, embora o “problema populacional” tenha sido objeto de muito debate com posturas pró e anti malthusianas, a ciência econômica fomentou a idéia de que o crescimento econômico é sempre bem vindo, especialmente quando incorporava o conjunto da população na “sociedade de massas”.

Contudo, novas correntes de pensamento tem questionado o significado do crescimento e do desenvolvimento econômico. O economista e filósofo francês Serge Latouche questiona a conceção de “desenvolvimento sustentável” e defende a idéia de “decrescimeno sustentável”. Em suas palavras: “O projeto de uma sociedade de decrescimento não é uma alternativa, e sim a libertação de uma ditadura econômica para reinventar um futuro sustentável. Uma sociedade não pode sobreviver se não respeitar os limites dos recursos naturais. Eu proponho um ciclo virtuoso do decrescimento: reavaliar, reconceitualizar, reestruturar, redistribuir, relocalizar, reutilizar e reciclar. Os dois primeiros termos são importantes para colocar em questão os valores comuns em nosso imaginário. Reconceitualizar é mudar nossa maneira de pensar. É uma verdadeira revolução cultural”.

Na mesma linha o médico e escritor Rafael Reinehr escreveu: “A sociedade moderna ainda vive impregnada pela ilusão de que o consumo de massa deve ser o principal motor da economia e esta ilusão é alimentada pelo fato de que nas nações assim ditas desenvolvidas os bens que antes eram reservados a uma elite econômica são agora disponíveis em grande escala e, promete-se, o luxo de hoje será acessível a todos amanhã”.

O ponto central da perspectiva do “decrescimento sustentável” não é controlar prioritariamente o crescimento populacional, mas sim reduzir o nível de consumo conspícuo e superfluo, especialmente o sobre-consumo das classes ricas e privilegiadas da sociedade. O objetivo é reduzir a pegada ecológica ao ponto de que o impacto das atividades antropogênicas passe a ser igual ou inferior aos recursos renováveis do Planeta Terra.

Voltando às palavras de Reinehr: “A principal mensagem que um foco no descrescimento deve passar é a de que consumindo menos estaremos não só reduzindo danos à Natureza mas também, por conseqüência, necessitaremos trabalhar menos, fazendo com que todos possam também trabalhar menos e viver melhor. Com isso, teremos mais tempo livre para gastar com coisas que só podem nos fazer bem, como ler, escutar música, criar, brincar, passear, cuidar e educar nossos filhos, interagir com nossos amigos e familiares e até mesmo contemplar a vida e o mundo”.

Esta perspectiva do “decrescimento sustentável” é um avanço em relação às posições malthusianas, pois o foco não é o tamanho da população, mas sim a qualidade de vida, a maior igualdade social, o bem-estar de todos e a felicidade do ser humano em harmonia com a Natureza. Sem dúvida, é preciso fazer decrescer a concentração de CO2 e o consumo excessivo que faz a pegada ecológica ultrapassar os limites do Planeta.

Porém, a despeito de toda a visão altruísta e de uma sociedade justa, ecologicamente sustentável e com igualdade de oportunidades para todos, a idéia do “decrescimento” não parece ser totalmente respaldada nos Tratados Internacionais (como nas Conferências da ONU de Direitos Humanos de 1993, em Viena, e de População e Desenvolvimento, do Cairo, ocorrida em 1994) que definem o desenvolvimento sustentável como um direito dos povos.

Uma forma de conciliar as duas perspectivas (decrescimento e desenvolvimento sustentável), ao meu ver, é por meio da defesa do decrescimento das atividades poluidoras e que utilizam recursos naturais não-renováveis e do crescimento das atividades verdes, limpas e renováveis. O certo é que a humanidade precisa reduzir o consumo de bens e serviços materiais que ultrapassam a capacidade de recuperação do Planeta e que comprometem o bem-estar e a sobrevivência das futuras gerações. Neste sentido, a Sociedade do Conhecimento, na medida que se baseia na produção de bens e serviços intangíveis e imateriais, pode ser uma solução possível para a equação entre população, desenvolvimento e meio ambiente.

Referências:
Serge Latouche: Como salvar o planeta e a humanidade? Descrescimento ou desenvolvimento sustentável?

Rafael Reinehr: Decrescimento Sustentável – Uma Nova Forma de Pensar e Evoluir

José Eustáquio Diniz Alves, Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE é colaborador e articulista do EcoDebate. E-mail: jed_alves{at}yahoo.com.br

EcoDebate, 24/02/2010

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