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As incertezas da descarbonização, artigo de José Eli da Veiga

[Valor Econômico] Há três razões para que não se repita no México o desastre de Copenhague. Primeiro, porque em breve serão conhecidas as potencialidades e limitações da reforma energética que terá sido aprovada pelo Congresso dos EUA. Segundo, porque isso permitirá que o governo Obama se empenhe em formular com a Europa e com o Japão uma oferta conjunta que leve as maiores nações emergentes a desacelerar a disparada de suas emissões. E terceiro, porque sobre essa nova base ficará mais simples neutralizar resistências que provavelmente ainda persistirão.

Todavia, por melhor que possa vir a ser o resultado da conferência do México, ele deixará os ambientalistas tão ou mais frustrados do que ficaram com o de Copenhague. Basicamente porque a Convenção do Clima (UNFCCC) e o Protocolo de Kyoto não geraram um regime global voltado para o efetivo controle das mudanças provocadas pelas emissões de gases de efeito estufa. Se tal regime existisse, além de ser estritamente orientado pelas evidências científicas fornecidas pelo painel criado pela ONU para esse fim (IPCC), ele também teria que estar enquadrado institucionalmente por seu programa ambiental: o Pnuma (UNEP).

Em vez disso, desde que a questão climática começou a ser considerada pela comunidade internacional, a arena das negociações foi a Assembleia Geral da ONU. Depois, a Convenção que saiu da Conferência do Rio, em 1992, subordinou o aquecimento global ao contexto muito mais amplo e complexo daquilo que começava a ser chamado de “desenvolvimento sustentável”. Ou seja, longe do âmbito predominantemente ambiental em que havia sido organizada a gestão internacional do problema da camada de ozônio, conforme o regime criado pela Convenção de Viena e pelo Protocolo de Montreal. Uma orientação que foi perversamente radicalizada quando o Protocolo de Kyoto glorificou a dicotomia entre países “desenvolvidos” e “em desenvolvimento”, em vez de preferir, por exemplo, a tripla abordagem do PNUD, com países de alto, médio e baixo desenvolvimento.

Por isso, nada poderia ser mais ilusório do que supor que em dezembro de 2010 poderia surgir no México algum documento orientado por altruística consciência ambiental decorrente das evidências científicas consolidadas pelo IPCC. Se houver acordo, ele será essencialmente determinado pelas possibilidades de conciliação dos interesses econômicos nacionais das grandes potências tradicionais e emergentes. Interesses que resultam de diversas combinações entre suas perspectivas de segurança energética e de novos negócios baseados em soluções de baixo carbono. Isto é, em inovações voltadas à redução das nocivas incertezas causadas pelo uso de energias fósseis e à sua paulatina substituição por energias renováveis.

Tudo seria muito mais simples, portanto, se já fossem conhecidas as tecnologias que poderão promover a transição ao baixo carbono. Mas, por enquanto, esse é um túnel que continua bem escuro. O que parece certo é que as energias renováveis terão significativas reduções de custo, mas não o suficiente para que alguma se torne competitiva antes de 2020. O que leva a crer que as duas principais tendências da segunda década do século sejam: o segundo renascimento da energia nuclear e a CCS (sigla em inglês para captura e armazenamento do carbono emitido na extração e nos usos de energias fósseis).

É claro que os governos têm quatro bons motivos para subsidiar a geração e utilização das fontes renováveis de mais futuro: biomassas, eólicas, geotérmicas, marinhas e solares. Antes de tudo a constatação de que elas dependerão desse tipo de apoio enquanto impostos ou mercados regulados de permissões (“cap-and-trade”) não tornarem as emissões de carbono suficientemente gravosas. O segundo é o argumento mais tradicional, que concerne todas as inovações ainda imaturas, mas com potencial de se tornarem competitivas com aumento de escala. O terceiro está na necessidade de diversificação das fontes primárias por razões de segurança energética. Finalmente, em razão da própria natureza finita da oferta barata de energias fósseis, estimadas hoje em 40 anos para o petróleo, 60 para o gás e 130 para o carvão.

O problema é que esses quatro argumentos não terão muita força no curto prazo da próxima década. Por isso, as principais incógnitas que precederão a conferência do México estarão em grande parte vinculadas às possibilidades de acesso da China e da Índia às inovações tecnológicas nos âmbitos da energia nuclear e de CCS, principalmente para o imenso uso de carvão. O que será bem mais complicado do que garantir a outros grandes emissores – como Brasil e Indonésia – algum tipo de ajuda para que minimizem seus desmatamentos e queimadas até 2020.

Por mais diferenças que existam entre China e Índia, há idêntica recusa de arcar com os altíssimos custos dessas iniciativas. Se os países mais desenvolvidos não encontrarem maneiras de viabilizar os investimentos exigidos nesses dois gigantes pelo nuclear e pela CCS, eles terão argumentos de sobra para preferirem o risco de conflitos provocados pela provável proliferação de novas barreiras comerciais. Será possível demonstrar à OMC que boa parte das reduções das emissões de carbono dos países mais ricos foi obtida via consumo de produtos importados de países emergentes. A China é o país que mais tem enfatizado a necessidade de um balanço das emissões embutidas no comércio internacional, pois 70% das suas podem ser atribuídas a exportações, principalmente para os EUA e para o Japão.

Diante de tantas dificuldades, alguns dos melhores analistas começam a considerar mais provável a hipótese de a falência da Convenção do Clima seguida de uso unilateral de alguma geoengenharia. Por exemplo, a injeção de partículas na estratosfera (10 a 50 km de altitude) para aumentar a refletividade do planeta (“albedo”). Podem estar exagerando, mas as incertezas envolvidas nesse tipo de ameaça talvez ajudem o G-20 a finalmente assumir seu papel de principal instância de governança global.

José Eli da Veiga, professor titular da Faculdade de Economia (FEA) e orientador do Programa de Pós-Graduação do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da Universidade de São Paulo, escreve mensalmente às terças.

Artigo originalmente publicado no Valor Econômico.

EcoDebate, 22/01/2010

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