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Artigo

Questão de empatia, artigo de Montserrat Martins

"É difícil manter a atenção dos alunos, na hora que começa o tiroteio" (Professora de escola pública da periferia)

[EcoDebate] O príncipe William, da Inglaterra, passou uma noite entre os moradores de rua para se “colocar na pele deles” uma vez na vida (em fins de dezembro passado) e concluiu que “nem consigo imaginar como seja viver assim todos os dias”. Na mesma época, um secretário de Estado afirmava, no Rio Grande do Sul, que a insatisfação dos professores e brigadianos com a proposta de aumento era “um sintoma patológico”. Juntando os dois fatos marcantes, ficamos imaginando como seria uma autoridade local passar um dia na condição de professor da periferia, ou de policial militar em vila (ou ainda de paciente buscando atendimento ou remédios em posto de saude). Será que o secretário que classificou as posturas daquelas categorias como “patológicas”, saberia lidar com os problemas que elas enfrentam todos os dias ?

É claro que rejeitar proposta de aumento parece desconcertante, para quem avalia a realidade por números. Mas a frustração dos profissionais que atendem diretamente à população mais sofrida não se resume ao numerário, tem a ver com a compreensão de suas condições de trabalho, de um modo mais amplo. A título de exemplo, um anúncio sindical dos professores da rede privada citava a questão do número de alunos por sala e a relação disso com as licenças-saúde dos professores por estresse. E o risco de vida dos policiais militares, por acaso, deixaria de ser problema só pelo adicional previsto para isso? Ou dizer que há coisas que não tem preço seria só um jargão comercial? Insatisfações não estão relacionadas só aos salários, tem a ver também com o modo como as pessoas são ouvidas ou não, reconhecidas por seus esforços, atendidas em suas necessidades básicas, acompanham a gestão dos recursos de sua área e participam das decisões que os afetam.

Não existem soluções mágicas, nem recursos ilimitados. Mas as pessoas sabem disso e a transparência administrativa poderia ser uma ferramenta de comunicação do Estado com os servidores. Não se trata de prometer milagres aos trabalhadores da educação, da segurança ou da saúde, mas de demonstrar consideração e interesse que incluem o direito à participação em decisões estratégicas que afetam suas atividades e seu futuro a nível pessoal (como na proposta de mudar percentuais de desconto sem garantia de novos reajustes futuros).

É importante que sejam ouvidas não só suas queixas, mas também as suas sugestões. Por acaso não haveria idéias realistas e plausíveis provenientes das “pessoas comuns”, quer dizer, que não detem cargos de “autoridades”? Conversar com o funcionalismo é saudável, quando feito com empatia, “se colocando na pele” dos outros. Não é preciso dormir na rua, como o príncipe William, pode ser algo mais simples, como quem ouve diferentes idéias na sua própria casa, algo que as pessoas comuns fazem todos os dias. Afinal, a sociedade como um todo é a “nossa casa”, o ambiente em que vivemos.

Montserrat Martins, Psiquiatra, é colaborador e articulista do EcoDebate.

EcoDebate, 08/01/2010

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2 thoughts on “Questão de empatia, artigo de Montserrat Martins

  • Ah, meu caro Montsserrat, em uma sociedade onde um profissional de comunicação expressa tanto desprezo por garis (“a mais baixa escala no trabalho”, segundo o energúmeno) o que esperar de autoridades que estão na mais alta escala do trabalho? A antipatia de classe fala mais forte que a empatia.
    Quando a menos-valia torna as pessoas invisíveis à sociedade reforça-se a simpatia pelos poderosos e todos querem tornar-se princípes e princesas, ou pelo menos secretários de Educação, ou doutores…
    Grato
    ABC (Abraço e Beijo do Cezimbra)

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