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Lobistas ingleses criticam o consumo de vegetais importados da África, artigo de Mark Ashurst

A exportação agrícola no Kenia é tão importante quanto o turismo
A exportação agrícola no Kenia é tão importante quanto o turismo

As vagens que você consome são verdes? No começo de novembro, o grupo lobista Consumer Focus divulgou um relatório censurando muitos dos supermercados britânicos por venderem poucos produtos locais. A verdade é que comprar dos pequenos agricultores da África é melhor para o planeta do que comprar das fazendas industriais da Europa, além de ser bem mais útil para as pessoas que correm maior risco com a mudança climática.

[Prospect] Em Nairóbi, quem visita o coração agrícola do Quênia se depara com uma paisagem verdejante. Aqui, nos morros ao leste do Monte Quênia, numa área conhecida como Mwea, fileiras ordenadas de vagem brotam em campos irrigados. Esses vegetais ocuparão apenas um pequeno espaço nas prateleiras dos supermercados europeus – mas, junto com a venda de frutas e flores, eles são essenciais para o futuro econômico da África. No começo de novembro, entretanto, o grupo lobista Consumer Focus divulgou um relatório censurando muitos dos supermercados britânicos por não venderem produtos locais suficientes.

A verdade é que comprar dos pequenos agricultores da África é melhor para o planeta do que comprar das fazendas industriais da Europa – além de ser bem mais útil para as pessoas que correm maior risco com a mudança climática. Hoje, dois terços da população da África dependem da agricultura para sua sobrevivência, que está num estado penoso. Por muitas razões, a produção agrícola per capita é menor do que nos anos 60, e a África não tem nenhuma perspectiva realista de atingir nem mesmo os padrões de vida mais básicos estipulados pelas metas do milênio da ONU.

E é por isso que os vegetais produzidos em Mwea são tão importantes. No Quênia, as exportações de produtos agrícolas pouco tradicionais para a Europa responderão por mais de $ 1 bilhão (R$ 2,87 bilhões) em 2009, transformando a horticultura num setor mais valioso do que os bancos, o turismo ou as telecomunicações para a economia local. A região do Chifre da África foi destruída pela pior seca em uma década, e o Quênia já está sofrendo os prováveis efeitos da mudança climática. Mas o solo fértil, clima temperado e os canais de irrigação feitos pelo homem em Mwea oferecem uma pequena vantagem.

O arcebispo de Canterbury, Rowan Williams, pediu em Londres, em outubro, que os britânicos parassem de comprar vegetais africanos e começassem a plantar os seus próprios. Mas Williams reavivou um argumento falho – recentemente trazido à tona e depois abandonado pela Associação do Solo -, de que a pegada de carbono dos alimentos transportados via aérea não é sustentável. As pesquisas científicas contam uma história diferente: no Quênia, mais de 60% das plantações são cultivadas por pequenos agricultores que usam métodos manuais, à moda antiga, com trabalho intensivo. Como qualquer pessoa que cuide da terra sabe, isso produz vegetais de melhor qualidade e menos emissões de carbono do que as fazendas industriais da Europa. De fato, até o governo do Reino Unido sabe o quanto a agricultura britânica atual polui: no começo de novembro, o governo pediu que os fazendeiros adotassem práticas mais sustentáveis, do contrário terão de enfrentar deduções em seus subsídios.

Cerca de apenas 14% das frutas e vegetais que consumimos hoje vêm da África, e este ano apenas um décimo da colheita de horticultura do Quênia será exportada – a maior parte por aviões de passageiros que levam os turistas das praias e parques da África de volta para casa. E a taxa de emissões combinadas de todos os bens importados via aérea responde por apenas 5% das emissões totais da aviação britânica, enquanto as viagens de passageiros produzem 90%. Vetar os vegetais importados, dessa forma, penalizaria os pequenos agricultores da África pela negligência dos turistas europeus.

Muitas economias rurais da África também são adaptáveis. Numa visita a Mwea no começo deste ano, observei um homem tirando os pés de vagens ainda pequenos de uma plantação, bem antes que elas estivessem prontas para serem colhidas. Esse fazendeiro de 64 anos havia simplesmente conseguido um negócio melhor, para replantar suas terras com batata-doce para um grande exportador comercial. Ao escolher culturas diferentes das tradicionais, como o milho, cerca de 1,5 milhão de pequenos agricultores do Quênia sextuplicaram sua renda. Quando os preços mudam, eles agem rapidamente.

Tanto o Consumer Focus quanto Williams deram (não intencionalmente, é claro) munição nova para os interesses velados das indústrias europeias, que usam a linguagem ambiental para destruir seus rivais africanos mais competitivos. E os supermercados britânicos, ansiosos por anunciar suas credenciais verdes, são tristemente suscetíveis a essas manobras. Em 2007, tanto o Tesco quanto o Mark & Spencer introduziram um sistema de rótulos de carbono para os produtos transportados via aérea. Seus rótulos adesivos que mostravam pequenos aviões pretos diziam pouca coisa, enquanto no ano passado um estudo norte-americano sobre os ciclos dos alimentos, desde a plantação até o prato, descobriu que os métodos de produção respondem por 83% da pegada de carbono total de um alimento, comparado a apenas 11% relativo ao transporte.

Mesmo assim o arcebispo está certo ao dizer que cuidar de um pedaço de terra é uma boa lição para aprender a amar o planeta. Seria ótimo se todas as famílias britânicas plantassem seus próprios vegetais, e melhor ainda se racionássemos nosso consumo de carne vermelha, que demanda muitos recursos naturais. Até lá, faz mais sentido, tanto ética quanto ambientalmente, comprar os vegetais africanos: e, se você se importa com o planeta, faz mais sentido cozinhá-los no microondas, e não no forno.

* Mark Ashurst é diretor do Africa Research Institute em Londres.

Tradução: Eloise De Vylder

Artigo [How green are your beans?] publicado na revista online Prospect, no UOL Notícias.

EcoDebate, 21/12/2009

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