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Homens jovens: destinados a matar e morrer? artigo de Glaucio Ary Dillon Soares

[Correio Braziliense] Trabalho instigante foi apresentado ao I Seminário Nacional sobre Homicídios por Roberta Guimarães, interessada sobretudo em explicar as taxas de homicídios de homens jovens. Por que homens jovens? Porque são os que apresentam a taxa mais alta de vitimização por homicídios. Nacionalmente, os homens têm taxa dez vezes maior do que a das mulheres, e os jovens têm taxas muito mais altas do que os demais grupos de idade. Concentrar nos homens jovens tem duas racionalidades: a significação numérica e a matriz de determinantes, que difere das demais (sem que isso implique que as demais são iguais entre si).

Todos buscamos explicações para as diferenças de gênero. Há muitos países com diferenças bem menores e alguns com diferenças maiores. Como explicar essas variações? Só com análises comparativas. Internamente, temos que perguntar o que há na cultura brasileira que protege a mulher dessa violência (mas não de outras)? Variáveis que não parecem diretamente relacionadas com o tráfico e o homicídio podem (devem?) aparecer. Análise interna da cultura da droga e do tráfico é necessária. Alguns antropólogos fizeram observações nessa área que ainda espera por trabalho sistemático. Certamente as mulheres consomem drogas e participam do tráfico. A percentagem de mulheres presas por tráfico, sobre o total das presas, é muito alta. Porém, dentro das facções do tráfico há uma clara divisão de funções por sexo. Desconhecemos esse encontro entre características da cultura brasileira, inclusive nossa forma de machismo, e a composição funcional das organizações.

Roberta trabalha com regiões metropolitanas, evitando as distorções características das análises locais e municipais. As distorções derivam de que muitos vivem em um município mas morrem (e matam) em outro. Necessitamos de um novo olhar para o espaço brasileiro e suas subdivisões, assim como para a organização espacial da coleta de dados. Funcionamos a partir de uma identidade que há tempos não existe entre o lugar de residência e o de trabalho, de estudo, de diversão, de tratamento médico etc. O tempo das pessoas, antes passado integralmente em um só espaço (como um bairro ou município), hoje se divide por diversos espaços. Mas a coleta de informações, baseada na identidade entre local de residência e local das demais atividades, não acompanhou essas mudanças. Para contornar as distorções provocadas por essa inadequação, Roberta analisou as regiões metropolitanas, salientando a sua importância numérica: metade dos homicídios ocorridos entre 1980 e 2006 no país aconteceram em apenas 10 regiões metropolitanas. No Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo, diz Roberta, foram assassinadas 315 mil pessoas, 35% do total nacional.

As regiões metropolitanas mais violentas mudaram. São Paulo, em 10 anos, saiu do rol das mais violentas e entrou na lista das menos violentas. Belo Horizonte percorreu o caminho oposto. O Rio de Janeiro e Recife há muito tempo estão entre as mais violentas (não obstante, há indícios de controle recente nas três). Embora, a longo prazo, a violência homicida tenha aumentado nas regiões metropolitanas brasileiras, a grande exceção de São Paulo demonstra que esse não é um caminho obrigatório. Afinal de contas, desde 1999 até hoje, a redução em São Paulo foi de cerca de 70%. No período analisado por Roberta, Belo Horizonte teve o maior crescimento, 83%, seguida por Salvador (77%) e Curitiba (73%). Em anos mais recentes, Maceió explodiu.

Como explicar essas tendências? A autora começa assinalando que a taxa de desemprego entre homens jovens foi sempre maior do que nos demais grupos da população economicamente ativa. A observação de que os jovens também estão sobrerrepresentados entre os assassinados levou a autora a averiguar a relação entre desemprego e homicídios. Não obstante, para melhor analisar esses efeitos, é preciso descontar outros. As regiões diferem entre si no que concerne às taxas de homicídios: duas pessoas semelhantes têm riscos diferentes de morrer (ou de matar) dependendo da região em que estiverem; além disso, as taxas mudaram — pessoas semelhantes em momentos diferentes têm riscos diferentes de morrer (ou de matar). Como economista, Roberta Guimarães não poderia ignorar variáveis explicativas clássicas como pobreza, desigualdade e renda. A criminologia e a mídia não nos deixam esquecer a favelização como um fator de risco. Elas foram incluídas.

A autora conclui que o desemprego aumenta o risco de homicídio. Esse aumento não é igual em todas as regiões nem em todos os períodos. Com os controles mencionados, “uma variação de 10% nas taxas de desemprego dos jovens provoca uma variação da taxa de homicídio desse grupo em 6%”. É importante realçar a necessidade de manter os grupos analíticos separados. O efeito é diferente nos outros grupos etários e diferente entre as mulheres.

A complexidade do fenômeno fica aparente nos resultados: individualmente a pobreza e a renda não foram estatisticamente significativas, mas como um conjunto o foram. O trabalho de Roberta Guimarães, uma das excelentes apresentações feitas ao I Seminário Nacional sobre Homicídios, indica a utilidade da pesquisa empírico-científica. Contradiz muitas afirmações baseadas em achismos que, infelizmente, orientam políticas públicas no país.

Glaucio Ary Dillon Soares, Sociólogo, é pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

* Artigo originalmente publicado pelo Correio Braziliense.

EcoDebate, 14/11/2009

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