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Carvão vegetal: a salvação da lavoura, artigo de Osvaldo Ferreira Valente

[EcoDebate] Por muitos anos, mesmo nas lidas profissionais, usei a expressão “salvação da lavoura” para nomear procedimentos adequados à solução de problemas complexos. No título acima, entretanto, a minha intenção foi aplicar a expressão com duplo sentido, ou seja, dizer que o carvão vegetal é uma ótima solução tecnológica para ampliar a nossa produção de ferro e aço e, ao mesmo tempo, dar impulso às pequenas propriedades que se localizam em regiões montanhosas, podendo ser a salvação da lavoura na Zona da Mata mineira, por exemplo.

É evidente que são as extensas plantações contínuas de eucaliptos, adotadas pelas empresas consumidoras e que precisam caminhar para a autossuficiência, as principais alimentadoras dos críticos. Mas por que não adotar a produção por pequenos produtores, evitando as áreas contínuas, diversificando a atividade, facilitando a inclusão econômica e incentivando o associativismo? Por que não fomentar, também, um parque siderúrgico constituído de pequenas empresas produtoras de gusa, integradas a uma grande aciaria?

O presidente Lula está certo em brigar por maior agregação de valor ao nosso minério, mesmo errando no método, com a tentativa de “intervenção” na Vale, mas não vejo nenhum estímulo à descentralização, com políticas industriais acopladas a políticas de desenvolvimento rural. Talvez porque os comandantes das políticas de desenvolvimento dos governos sejam todos oriundos dos ou ligados aos grandes conglomerados.

Em algumas regiões de Minas gerais, como na Zona da Mata, já mencionada, está havendo um preocupante aumento de reflorestamento com eucalipto em pequenas propriedades. Preocupante porque não há nenhuma atitude do poder público em orientar esse movimento e trabalhar na indução de mercados consumidores. Vejo, ao contrário, o olho grande na cobrança de impostos e taxas e na manutenção de burocracias injustificadas e até imperdoáveis, criadas para facilitar a arrecadação. Mas o importante seria ver: instituições públicas trabalhando em prol da aproximação desses reflorestadores com as indústrias consumidoras de madeira e carvão vegetal; programas de capacitação tecnológica e de gestão de pequenos negócios; sistema de extensão que pudesse transferir tecnologias para os produtores, de forma contínua e permanente. A região tem ferrovias (com muitos ramais abandonados), tem minério de ferro, tem potencial para produzir carvão e é dominada por pequenas propriedades (menores do que 100 hectares). Mas onde estão os programas de desenvolvimento industriais/rurais?

O que nos chega, entretanto, são notícias de governos empenhados nos incentivos às instalações de novos gigantes que irão importar o coque ou o carvão mineral, sua matéria prima. Dirão os entendidos que é tudo por causa da escala de produção e que os guseiros de Sete Lagoas, Divinópolis e arredores acabarão sendo engolidos pela globalização. E os pequenos produtores rurais, nesta lógica, farão melhor se destinarem suas propriedades às causas ambientais e virarem empregados dos grandes conglomerados.

Acho que só me resta a alternativa de continuar sonhando com programas induzidos (não impostos) de colaboração entre indústrias e produtores rurais, por meio da disponibilização de recursos tecnológicos e financeiros. Tais programas poderiam se tornar a salvação da lavoura para os dois segmentos. Os governos, quando querem, são capazes de fazer ocorrerem coisas muito mais difíceis.

Osvaldo Ferreira Valente é engenheiro florestal, especialista em hidrologia e manejo de pequenas bacias hidrográficas e professor titular, aposentado, da Universidade Federal de Viçosa (UFV); colaborador e articulista do EcoDebate

Artigo publicado originalmente no jornal Estado de Minas, em 27/10/2009, com o título “Carvão e Lavoura”

EcoDebate, 05/11/2009

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