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Emissões por veículos seguem na contramão, artigo de Washington Novaes

poluição veicular

[O Estado de S.Paulo] Editorial deste jornal (8/9, A3) apontou para a chaga exposta: é “tolerância com o envenenamento” a resolução aprovada no início do mês pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente que determinou uma redução de 33% na emissão de poluentes por veículos movidos a diesel, a partir de 2013, e a partir de 2014 para os movidos a gasolina e álcool. Tolerância porque uma resolução do mesmo conselho já fixara 2009 como o ano para a entrada em vigor dessas reduções. E quando ela entrar, daqui a três e quatro anos, ainda aceitará níveis de emissões mais altos que os máximos permitidos hoje na Europa. Com toda essa tolerância, o nível de emissões no setor de transportes cresceu 56% em 13 anos. “Demos dez passos para trás e um para a frente”, sentenciou o professor Paulo Saldiva, do Laboratório de Controle da Poluição da USP, porque os efeitos serão muito graves na área da saúde humana.

Mas há ainda outros ângulos relevantes a observar nessa questão: 1) Estão sendo ignoradas as fortes pressões para que o Brasil reduza suas emissões de poluentes, já que é um dos cinco maiores emissores do mundo; 2) está sendo deixada de lado a situação insustentável das maiores cidades brasileiras nessa questão e na geração de custos de saúde; 3) despreza-se a possibilidade de políticas públicas estimularem a redução de emissões: ao contrário, elas as estimulam, com isenções de impostos e não-exigência de controle para veículos mais antigos; 4) deixa-se também inteiramente de lado uma indagação: que se pretende fazer com as maiores cidades brasileiras, absolutamente carentes de macropolíticas, como tantas vezes já se comentou neste espaço?

Na área do clima, basta relembrar a mais recente advertência do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon. “Temos poucos anos para evitar uma catástrofe global”, disse ele, após testemunhar no local o rapidíssimo derretimento do gelo no Ártico e ante a notícia de que a Patagônia também está perdendo o seu.

A incongruência fica muito patente quando se observa a inação na área das emissões, quando a frota brasileira de veículos desde 1990 cresceu 38% e chegou a 27,8 milhões, enquanto a população no mesmo período aumentou 12,7% (Estado, 19/8). Hoje, 26% da frota tem até três anos (e já poderia estar adaptada às reduções, assim como 11% que têm de quatro a cinco anos). E os veículos mais poluentes e sem controle, com mais de dez anos, são 35%. Ainda mais preocupante: a frota de motocicletas cresceu 243% entre 2000 e 2008 e chegou a 8,55 milhões – também sem controle.

Não estranha, assim, que 60% dos paulistas, em 94 municípios, vivam (Estado, 18/8) em áreas saturadas por poluição veicular, onde é especialmente preocupante o nível de ozônio. Um ambiente como esse – gerado pela poluição veicular e industrial, além de queimadas de canaviais – favorece o câncer, o envelhecimento precoce dos pulmões, doenças respiratórios, enfisemas, diz o professor Saldiva. E as mortes anuais em seis regiões metropolitanas já chegam a 11 mil. Na Região Metropolitana de São Paulo, afirma a Cetesb (Estado, 6/3), só 41 dias nos 366 de um ano tiveram boa qualidade do ar, dos quais 17 em sábados e domingos. Um terço das medições acusou “índices alarmantes” de monóxido de carbono, partículas e ozônio. Quem se pode espantar, nesse quadro, com o fato de que 20 pessoas morrem a cada dia na região, vitimadas por tais problemas? Eram 8 por dia em 2000, passaram a 12 em 2006, quando a população chegou a 17 milhões; a frota de veículos, a 8 milhões; as indústrias com alto potencial poluidor, a 2 mil. E os custos na área da saúde, por essa causa, subiram para R$1 bilhão por ano.

Nada é por acaso: o padrão de poeira fina tolerado nos EUA é de 15 microgramas por metro cúbico de ar, o registrado em São Paulo chega a 48 microgramas. E, mesmo com índice muito inferior, universidades norte-americanas mostram a relação direta entre poluição do ar e mortes por doenças cardiovasculares, arritmias, pressão alta, enfarte agudo. O índice de mortes chega a triplicar com aumento de 10 microgramas na concentração. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 1,4% das mortes é consequência da poluição do ar, assim como quase 1% das horas de trabalho perdidas. Redução de 10% nas partículas aumenta a expectativa de vida em 7,3 meses.

A questão é tão grave que a Sociedade Brasileira de Cardiologia, no final de agosto, enfatizou a necessidade de reduzir a poluição nas cidades, lembrando que num congestionamento de trânsito a ingestão de poluentes equivale à de oito cigarros e aumenta a possibilidade de enfartes; 20% das mortes em processos cardíacos foram aceleradas pela má qualidade do ar.

Pode-se passar às outras questões. Que se espera que aconteça nas cidades, quando a indústria automobilística pretende aumentar em 5 milhões de veículos por ano a sua produção, para “chegar à competitividade”, como se noticiou? Que se pode antever quando o governo libera de impostos a produção, sem exigir contrapartida nas emissões veiculares? E quando nada se faz quanto a emissões de veículos muito antigos e muito mais poluentes?

O que se vê é apenas um imenso oba-oba em torno das reservas do pré-sal, sem lembrar advertências como as do professor Célio Berman, da USP, de que o petróleo contido nessa área pode significar a emissão de 33 bilhões a 62 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, enquanto as emissões totais no mundo hoje são de 36 bilhões de toneladas/ano e se batalha para reduzi-las em até 80% até 2050. Em outras palavras, para que a temperatura planetária não suba além de 2 graus, nos próximos 40 anos será preciso emitir no mundo todo não mais de 652 bilhões de toneladas de carbono, quase três vezes menos por ano do que se emitiu nos últimos anos.

É preciso retrabalhar a questão das emissões brasileiras nessa área, com todos os setores envolvidos. Avaliar o quadro mundial. E tomar atitudes compatíveis.

Washington Novaes é jornalista. E-mail: wlrnovaes{at}uol.com.br

Artigo originalmente publicado no O Estado de S.Paulo.

EcoDebate, 21/09/2009

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