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COP 15: Conheça as propostas bilionárias para financiar o combate e a adaptação às mudanças do clima

Quem vai pagar a conta do aquecimento? A cúpula do clima de Copenhague, em dezembro, vai tratar de dinheiro. Terá de definir como financiar a adaptação dos países em desenvolvimento às mudanças climáticas. Serão, provavelmente, centenas de bilhões de dólares em investimentos. Há, por enquanto, três propostas mais prováveis sobre a mesa e nenhum consenso.

A conferência de Copenhague, chamada de COP-15 e organizada pela ONU, reunirá quase 200 países e será o principal evento sobre mudanças climáticas do ano. Um de seus principais temas é como financiar a transição das economias em desenvolvimento para o baixo carbono. Reportagem de Daniela Chiaretti, no Valor Econômico.

Para isso, é preciso fornecer tecnologias mais limpas, que emitem menos gases-estufa, para os países menos desenvolvidos – ou seja, encontrar formas de reduzir as emissões. Isso, conhecido no jargão diplomático por “mitigação”, custa dinheiro.
A outra ponta diz respeito às estratégias de adaptação aos eventos climáticos que já estão ocorrendo. Os países-ilha, por exemplo, já convivem com constantes inundações de seus territórios e formam uma aliança que pressiona o debate.

Os africanos, que têm sido igualmente impactados por secas e inundações talvez atribuíveis ao aquecimento, também aguardam com apreensão a definição de quanto as nações ricas destinarão para que se preparem melhor para esses fenômenos. O chamado fundo de adaptação é outro nó.

A arquitetura de quem paga essa conta, de onde vem o dinheiro, para onde vai e quem o gerencia é um dos maiores impasses das negociações internacionais pelo acordo climático.

Os países em desenvolvimento, reunidos no bloco do G-77 mais a China, por exemplo, defendem o princípio da responsabilidade histórica. Por esta concepção, as nações ricas, as maiores culpadas pelo problema, teriam que financiar o resto do mundo a enfrentar o que vem por aí. Pela proposta do G-77, os ricos deveriam destinar 0,5% a 1% de seu PIB para um fundo, estimado em US$ 200 bilhões a US$ 400 bilhões ao ano.

A governança é outro ponto de resistência. O G-77 quer que o fundo seja subordinado à CoP e não quer nem ouvir falar na gestão feita por organismos tradicionais, como o Banco Mundial.

A proposta feita pelo México agrada os ricos, tem a simpatia dos Estados Unidos e desagrada o mundo em desenvolvimento. Fácil entender o por quê. No Fundo Verde mexicano, todos contribuiriam à exceção apenas dos LDC, a sigla em inglês para as nações mais pobres do mundo. Países como o Brasil poderiam retirar uma parcela maior do que contribuíram. A estimativa deste fundo, atualmente, é de ter pelo menos US$ 10 bilhões ao ano, valor considerado muito baixo pelo bloco do G-77.

A sugestão da Noruega corre por outro trilho. Aqui, a fonte de recursos viria dos leilões das licenças para emitir que os países ricos comercializam. Um percentual desses leilões formaria o fundo climático norueguês.

O G-77 gosta da ideia porque o dinheiro viria do mundo industrializado, que já têm metas de redução dos gases-estufa pelo Protocolo de Kyoto. A estimativa, naturalmente, depende do percentual e do valor da tonelada de carbono. Se for 10% das licenças e a US$ 45 a tonelada de carbono, daria algo próximo a US$ 60 bilhões por ano, calcula Mark Luttes, coordenador de política para a campanha climática do WWF.

Em junho, em Bonn, durante uma reunião preparatória para Copenhague, um grupo de ambientalistas ligados a várias ONGs lançou sua versão do acordo. A fonte principal de recursos, neste caso, seria um leilão de licenças, como na proposta norueguesa.

Mas aqui há uma combinação de outros sistemas, como um percentual do MDL, os mecanismos de desenvolvimento limpo pelo qual os países ricos investem em projetos de tecnologia limpa nos países em desenvolvimento.

Por fim, os governos também deveriam contribuir. As ONGs estimam que os recursos chegariam a US$ 160 bilhões por ano. “Realisticamente falando, talvez o caminho seja um esquema que combine elementos de cada uma destas propostas”, arrisca um negociador.

Há algumas cifras começando a surgir. Em junho, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, falou que o mundo precisaria de US$ 100 bilhões por ano até 2020 para ajudar os países em desenvolvimento a reduzirem suas emissões, combater o desmatamento e se adaptar às mudanças climáticas.

Há uma semana, a União Europeia prometeu até 15 bilhões euros (US$ 22 bilhões) por ano para ajudar os países em desenvolvimento a enfrentar o problema. Pelas contas dos europeus, o total de custos anuais até 2020 pelos países em desenvolvimento, para reduzirem as suas emissões e também se ajustarem aos fenômenos naturais, seria de 100 bilhões euros.

“Se não houver dinheiro por parte dos países desenvolvidos, não haverá acordo em Copenhague”, disse o comissário da UE para Ambiente, Stavros Dimas. “Quanto antes agirmos, mais barato ficará.” O problema é que o valor foi considerado muito baixo pelos outros. “Foi um insulto, um passo para trás”, avalia o inglês Duncan Green, chefe de pesquisas da Oxfam Grã-Bretanha. Nas contas da ONG, o mundo precisa de US$ 50 bilhões ao ano apenas para se adaptar ao impacto do aquecimento global.

O Banco Mundial, em relatório divulgado ontem, estimou em US$ 400 bilhões por ano, para as próximas duas décadas, os gastos nos países mais pobres com mitigação dos gases-estufa. E em US$ 75 milhões os custos para que eles se adaptem às secas, inundações e ondas de calor.

“Isto é quase cinco vezes mais do que circula hoje no mundo em cooperação internacional”, diz Green. A Oxfam, uma ONG com forte atuação social, alerta que os gastos dos países ricos na rubrica mudança climática têm que ser adicional às verbas de cooperação. “Os países pobres continuarão precisando de ajuda em saúde e educação”, diz ele.

Se prevalecer o princípio da responsabilidade histórica, como quer o G-77, a conta da mudança climática dos países ricos deveria se distribuir mais ou menos assim: 40% ficaria com os EUA, 30% com a Europa e 10% com o Japão. O que está na mesa até agora, a menos de 90 dias da cúpula de Copenhague, indica a distância das estimativas com a vontade desses países de desembolsar o dinheiro.

Nos próximos dias, nos EUA, uma intensa agenda de encontros entre chefes de Estado e ministros do Meio Ambiente, das Relações Exteriores e da Fazenda, irá acontecer em Nova York, Washington e Pittsburgh e poderia, segundo alguns observadores, avançar na questão financeira do acordo climático.

Em Pittsburgh, em evento presidido por Barack Obama, estarão presentes os líderes das 20 maiores economias no mundo. Discutirão a crise, mas também terão foco no financiamento de ações relacionadas a mudanças do clima. Será a primeira vez que ministros das Finanças terão este tema na pauta.

“É uma ocasião importante para que os ministros da Fazenda de países em desenvolvimento aproveitarem e levem suas propostas diretamente aos seus pares dos países desenvolvidos”, avalia Luttes, da WWF, lembrando que os ministros das finanças não costumam circular nos fóruns climáticos.

China e Índia, no entanto, não parecem animadas a discutir dinheiro no G-20. O Brasil também prefere acertar este tema no âmbito das Nações Unidas. Reuniões paralelas produzem ciúme em quem está de fora – a Argentina se sente excluída de um clube onde estão México e Brasil, o Paquistão fica sensibilizado com a presença da Índia e por aí vai.

Há certo ceticismo entre diplomatas brasileiros quanto ao sucesso do encontro do G-20. Obama está às voltas com a reforma na Saúde e a tramitação da lei sobre clima, a Waxman-Markey no Senado, promete turbulência.

Estados Unidos passam por movimentação inédita

Nunca antes na História dos Estados Unidos ocorreram tantos eventos com foco em mudança climática como os que se iniciam hoje e prosseguem pelas próximas duas semanas. Se depender do calendário, passos importantes podem ser feitos para que se consiga um acordo climático em Copenhague, em dezembro.

Chefes de Estado, políticos, empresários, ambientalistas e jornalistas irão movimentar Washington, Nova York e Pittsburgh. A crise econômica mundial está no centro dos debates, mas o aquecimento global corre em paralelo a todos eles. Só se espera que, ao final do mês, não tenha sido muito barulho por nada.

Hoje, dia 17, o tour de force começa em Washington, com os ministros de Meio Ambiente dos 16 países que mais emitem gases-estufa no fórum das maiores economias do mundo, MEF, na sigla em inglês. Será o primeiro encontro desde o G-8, na Itália, em julho, onde os chefes de Estado acertaram que é preciso fazer todos os esforços para que a temperatura do planeta não ultrapasse os 2°C no fim do século – e agora talvez sinalizem com os meios para que isto aconteça.

“Esperamos que seja superada a falta de confiança que existe nas negociações”, diz Kim Carstensen, líder da iniciativa global de clima da WWF. “Os países em desenvolvimento não enxergam compromissos fortes de cortes de emissão dos ricos e nem a ambição necessária para que se consiga ter um acordo forte e justo em Copenhague.”

Na segunda-feira, dia 21, em Nova York, é a vez da reunião da aliança das pequenas ilhas, AOSIS na sigla em inglês, um grupo conhecido por fazer pressão nas negociações. É com a urgência de quem vê o mar avançar pelo seu território que eles cobram soluções para enfrentar a mudança climática.

A Cúpula do Clima começa em Nova York, no dia 22, com mais de 100 chefes de Estado reunidos junto a Obama. A Conferência, organizada por Ban-Ki-Moon deve terminar com uma declaração do secretário-geral da ONU que guie os negociadores nos eventos antes de Copenhague.

Um dia depois acontece em Nova York a Assembleia Geral das Nações Unidas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abrirá o evento e deve dizer que o Brasil levará uma meta de redução a Copenhague, mas não se espera que seja mais explícito que isso. Na quarta há um evento paralelo sobre ações de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd), que interessa ao Brasil.

“É a chance de se discutirem oportunidades para Redd que são pouco exploradas, como os leilões de licenças de emissões”, diz Carlos Rittl, coordenador do programa de mudança climática e energia da WWF-Brasil. “Estes leilões podem gerar bilhões de dólares anuais para apoiar a redução do desmatamento”, avalia.

Em 24 e 25 de setembro acontece o G-20, em Pittsburgh. O mês termina com uma das últimas rodadas de negociação do acordo climático antes de Copenhague. É a reunião preparatória de Bancoc, na Tailândia. O texto de negociação, que é a base do acordo, tinha 200 páginas em agosto e agora tem 180. O desafio é cortá-lo pela metade para que possa sair dali o acordo climático.

Negociação vai definir que países poderão crescer, diz pesquisador

A remissão cinematográfica não evoca uma imagem agradável. “Imagine um mundo de ‘Guerra nas Estrelas’ no centro e um enorme muro que o separa da realidade árida de ‘Mad Max'”, diz o inglês Duncan Green, chefe de pesquisas da Oxfam, a ONG de perfil social que trabalha pelo fim da pobreza e desigualdade social no mundo. Isto, segundo ele, é o que poderia acontecer no futuro se não se chegar a um acordo climático justo e satisfatório em breve.

Dentro do tal muro vivem as populações de um grupo de países ricos e muito tecnológicos, capazes de se proteger da destruição provocada pela mudança climática e de controlar o acesso ao carbono dos gases-estufa. Do lado de lá desta espécie de “cortina de carbono”, diz Green, “estariam países e comunidades pobres, vivendo em uma Nova Idade Média, sujeitos a condições climáticas cada vez mais instáveis e devastadoras, incapazes de ter acesso ao carbono necessário para se unir ao grupo dos ricos.”

Esta descrição apocalíptica do futuro ele faz em seu livro “Da Pobreza ao Poder – Como Cidadãos Ativos e Estados Efetivos Podem Mudar o Mundo” (Cortez Editora e Oxfam Internacional, 649 páginas), que já foi lançado em 15 países e chega agora ao Brasil.

Há outra maneira de ver o desafio enorme que o mundo tem pela frente para enfrentar a mudança do clima. Para que a temperatura do planeta não aqueça mais que 2°C no fim do século e, assim, possam ser evitadas grandes catástrofes, todas as pessoas, de todos os países, poderiam emitir apenas 1 ou 2 toneladas de carbono em 2050. Hoje os europeus emitem, em média, 10 toneladas per capita, os chineses, 5 toneladas, e os americanos, 23 toneladas.

“Isto significa um choque econômico e tecnológico enorme”, diz ele. Resolver esta equação, que impõe limites ao crescimento, no seu entender passa pela vertente tecnológica e pela resposta a quem terá direito ao crescimento. “Mas a ciência não tem uma bala mágica, não terá todas as respostas”, adverte.

Ele diz, por exemplo, que se fosse possível que o mundo inteiro tivesse acesso, hoje, às técnicas mais avançadas e limpas e todos pudessem ser tão eficientes em suas emissões de carbono como a Alemanha, o Japão, o Reino Unido e a Suíça, as emissões globais de carbono cairiam cerca de 43%. Isso daria dez anos a mais de prazo para que as emissões globais sejam reduzidas em 80% em relação aos níveis registrados em 1990, em 2050. Nada muito animador mesmo na hipótese de ficção.

“O debate em torno do aquecimento global e do tratado climático coloca a seguinte questão ao mundo: quem tem direito a crescer?”, questiona Duncan. “Este é um tema de difícil resposta política.”

Ele lembra que Botsuana foi o país da África que mais cresceu nos últimos 40 anos – sem costa para comércio e com boa parte de seu território tomado pelo deserto. “Esta é uma resposta difícil de ser aceita pelas ONGs, mas trata-se de um Estado eficaz”, sublinha.

O mesmo aconteceu com a Coreia do Sul nos últimos 50 anos. Green vê na combinação do Estado eficiente com cidadãos mais conscientes um possível caminho para o futuro no mundo aquecido.

EcoDebate, 18/09/2009

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