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Especial: Impasse entre países ricos e pobres ainda é entrave para novo acordo climático em Copenhague

poluição

  • Impasse entre países ricos e pobres ainda é entrave para novo acordo climático
  • Tecnologia e financiamento são principais obstáculos na negociação do clima
  • ONGs cobram medidas efetivas de governos para reduzir emissão de gases
  • Cientistas esperam avanços, mas não acreditam em decisão rápida sobre clima

Impasse entre países ricos e pobres ainda é entrave para novo acordo climático

A quatro meses da reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, marcada para dezembro em Copenhague (Dinamarca), o clima entres os países ricos e os emergentes é de desconfiança, com poucas decisões consolidadas para metas e compromissos em um novo acordo climático pós-2012, quando vence a primeira etapa do Protocolo de Quioto, e sem encaminhamentos claros sobre ações de financiamento e transferência de tecnologia.

Na avaliação da secretária de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Suzana Kahn, há um “ceticismo mútuo” entre os negociadores de países ricos e de nações em desenvolvimento. “Por um lado, os países desenvolvidos argumentam que só o esforço deles não vai ser suficiente, de outro lado, os países em desenvolvimento se perguntam ‘se eles não conseguem reduzir nem o que prometeram em Quioto, o que garante que vão se comprometer agora?’. É uma questão do tipo ‘ovo e galinha’: se uns não derem o primeiro passo, os outros também não darão”, compara.

Até dezembro, estão marcadas pelo menos mais três reuniões preparatórias para Copenhague. Até lá, os negociadores terão que costurar acordos diplomáticos para garantir o consenso na redação e aprovação do texto que sairá do encontro de dezembro. Os esforços prévios têm avançado menos que o esperado, segundo a secretária de Assuntos Climáticos da Embaixada da Dinamarca no Brasil, Tine Lund. “Os mandatos dos negociadores são restritos. Precisamos do nível político para conseguir maior engajamento”, avalia.

A próxima etapa preparatória começa segunda-feira (10) em Bonn (Alemanha). Em setembro, os negociadores vão a Bangkok (Tailândia) e na primeira semana de novembro farão mais uma tentativa de acordo em Barcelona (Espanha).

A definição de novas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa para os países desenvolvidos e de compromissos mais claros para países em desenvolvimento como Brasil, China e Índia – que já são grandes emissores – está no centro dos impasses. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o mundo precisa reduzir as emissões em 80% até 2050. É preciso agora definir quanto disso caberá aos países ricos e quanto caberá aos emergentes.

“Não existe nenhuma previsão no regime de clima para que o Brasil ou outro país em desenvolvimento assuma metas quantitativas. Isso desrespeitaria o princípio das responsabilidades comuns porém diferenciadas”, enfatiza o conselheiro da Divisão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Ministério das Relações Exteriores, André Odenbreit.

O Brasil e outros países em desenvolvimento condicionam a definição de compromissos – mesmo os voluntários – a garantias de financiamento vindas do grupo de países ricos. Segundo Odenbreit, se o novo acordo climático não esclarecer como será feita essa transferência, os países emergentes não aceitarão discutir ações mais ambiciosas, em nome do desenvolvimento econômico. “Na ausência de aporte financeiro e tecnológico, o regime fracassará ou o preço de ação dos países em desenvolvimento será a continuidade da pobreza”, avalia.

Segundo Suzana Kahn, o Brasil deve apresentar na reunião de Copenhague os primeiros resultados do Plano Nacional de Mudança do Clima. Lançado em dezembro de 2008, o texto só prevê metas voluntárias de redução de desmatamento e não exige redução clara de emissões de outros setores, como indústria e transportes.

“As expectativas das pessoas às vezes são muito grandes, em um ano você não tem condição de fazer grandes revoluções. Muitos dos projetos que estão lá são para coisas de mais longo prazo. De qualquer forma, em relação à redução do desmatamento, temos dados impressionantes”, adianta. O governo brasileiro espera para 2009 a menor taxa de desmatamento da Amazônia dos últimos 20 anos.

Tecnologia e financiamento são principais obstáculos na negociação do clima

Além de desenhar o futuro regime de metas e compromissos de redução de emissões de gases de efeito estufa, durante a reunião de cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre mudanças climáticas, em dezembro, em Copenhague (Dinamarca), os países terão que definir outros pontos do regime climático global, como o financiamento e a transferência de tecnologia de países ricos para que os emergentes possam realizar ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Os dois itens são os mais atrasados até agora, a apenas quatro meses do encontro.

Os países em desenvolvimento condicionam a adoção de compromissos de redução à garantia de apoio financeiro-tecnológico por parte dos ricos, que, em contrapartida, só aceitam transferir o aporte se os emergentes se mostrarem comprometidos com reduções mais ambiciosas. A estimativa é de que os países industrializados precisariam repassar entre US$ 100 bilhões e US$ 160 bilhões por ano às nações em desenvolvimento.

De acordo com o coordenador da campanha de clima do Greenpeace Brasil, João Talocchi, não é uma quantia “impossível”, desde que as mudanças climáticas sejam tratadas como uma prioridade global. “São números viáveis, possíveis de se alcançar, basta ver os trilhões que foram desembolsados para salvar os bancos da crise”, compara.

Um dos negociadores brasileiros, o conselheiro da Divisão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Ministério das Relações Exteriores, André Odenbreit, acredita que a discussão prévia de acordos para financiamento e tecnologia é fundamental para evitar um fracasso no resultado de Copenhague. “O alcance de ações de países em desenvolvimento depende do nível de apoio internacional. Não é uma doação, uma bondade. É uma obrigação, faz parte do regime global do clima”, aponta.

Segundo Odenbreit, o G-77 (bloco de países emergentes) apresentou ao grupo de 192 países da convenção da ONU uma proposta de repasses de 0,5% a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) de países ricos para financiar ações de mitigação e adaptação. “Ainda não recebemos respostas à altura do desafio. Transferência de recursos e de tecnologia são os temas com menor definição até agora”, relata.

Mais adiantada que a questão financeiro-tecnológica está a discussão sobre a entrada de um mecanismo de conservação florestal no acordo que vai complementar o Protocolo de Quioto. A manutenção da floresta em pé para evitar emissões de gases de efeito estufa deve ser incluída no acordo, por meio do mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação, o Redd.

O que ainda não está definido é como países com grandes florestas tropicais, como Brasil e Indonésia, poderão ser recompensados se conseguirem evitar a devastação. Alguns negociadores defendem a criação de um fundo com contribuições internacionais voluntárias, outros a geração de créditos de carbono com o desmatamento evitado, e há ainda a possibilidade de uma solução híbrida entre fundos e mercado.

ONGs cobram medidas efetivas de governos para reduzir emissão de gases

Enquanto os países ricos e os em desenvolvimento evitam definir posturas firmes na negociação de um novo acordo climático, organizações não governamentais (ONGs) cobram ações mais efetivas e compromissos mais claros dos negociadores para garantir um plano ambicioso de redução de emissões de gases de efeito estufa a partir de 2012, quando vence o primeiro período de compromisso do Protocolo de Quioto.

Apesar de avanços, a discussão tem travado uma desconfiança mútua: os países ricos não querem ter metas maiores se os em desenvolvimento não aceitarem compromissos e os países pobres se negam a reduzir drasticamente suas emissões se não houver transferência de recursos e tecnologia. O impasse tem que ser resolvido até dezembro, quando 192 países vão se reunir em Copenhague (Dinamarca) para definir um novo regime internacional de emissões.

“O mundo tem que conseguir chegar a um acordo em dezembro. Um tratado em Copenhague é vital para que a gente consiga evitar que as mudanças climáticas cheguem a níveis catastróficos”, afirma o coordenador da campanha de clima do Greenpeace Brasil, João Talocchi.

Na mais recente reunião preparatória, em junho, em Bonn (Alemanha), um grupo de ONGs de todo o mundo entregou aos negociadores uma proposta para o novo acordo, com objetivos bem definidos. O grupo sugere o corte de 80% das emissões globais de gases de efeito estufa (em relação a níveis de 1990), o estabelecimento de metas obrigatórias de redução para os chamados novos países industrializados, como Cingapura e Arábia Saudita, e a criação de um novo organismo internacional para gerenciar os esforços de redução de emissões.

“Até agora, a disposição dos países desenvolvidos não se mostra coerente com a gravidade do problema”, diz Talocchi, que defende a adoção de compromissos para curto e médio prazo e não apenas para 2050, como querem alguns países.

Apesar do papel fundamental dos ricos – que têm o dinheiro e a tecnologia – países como Brasil, China, Índia e México – que já são grandes emissores – também podem assumir compromissos mais ambiciosos, na avaliação do coordenador do programa de energia e mudança climática do WWF Brasil, Carlos Rittl. “O Brasil, por exemplo, tem muitas oportunidades de liderar. Mas ainda estamos fazendo muito pouco.”

Para Rittl, há incoerências na política de desenvolvimento brasileira que poderão dificultar a legitimidade do país em cobrar posições mais firmes dos países ricos.

“O Brasil tem mostrado avanços, mas há muita incoerência, uma situação que beira a esquizofrenia. O Plano Decenal de Energia e o PAC [Programa de Aceleração do Crescimento] não condizem com as metas do Plano Nacional de Mudança do Clima [que prevê metas de redução do desmatamento da Amazônia, por exemplo]”.

Além de intervir com os negociadores, a estratégia das ONGs ambientais mundo afora até a reunião de Copenhague vai ser a de convencer a sociedade sobre a gravidade das mudanças climáticas para o futuro do planeta. “A população precisa ir às ruas, exigir uma postura de liderança, um papel proativo de seus negociadores. As mudanças climáticas são o maior desafio que a humanidade já enfrentou junta”, argumenta Talocchi.

Cientistas esperam avanços, mas não acreditam em decisão rápida sobre clima

Autor de um dos capítulos do Protocolo de Quioto, justamente o que trata da redução de emissões de gases de efeito estufa para os países industrializados, o físico Luiz Gylvan Meira Filho, ex-vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), acredita que o novo acordo climático global terá que ser bem mais ambicioso que o protocolo e que o processo de negociação desse mecanismo irá muito além da próxima reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, marcada para dezembro em Copenhague (Dinamarca).

O Protocolo de Quioto determina a redução em 5% das emissões dos países desenvolvidos entre 2008 e 2012, em relação aos níveis de 1990. Segundo Meira, o acordo é “pífio” do ponto de vista do volume da redução e o regime climático que o complementará tem necessariamente que ser mais rígido. “É uma questão de números. Quioto disse ‘vamos reduzir 5%’, o que é preciso fazer agora é reduzir 60%”, compara.

“É preciso fazer algo muito mais ambicioso, é verdade que em um prazo mais longo, mas quantitativamente muito diferente. Isso vai levar algum tempo, não vai ficar decidido em Copenhague”, acrescentou Meira, atualmente ligado ao Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP).

A avaliação de que a reunião de Copenhague será o primeiro e não o passo definitivo para a costura do novo acordo climático global também é compartilhada pelo físico e professor da USP Paulo Artaxo. “Não existe uma solução fácil. Sabemos o caminho, que é reduzir as emissões. Isso está sendo negociado lentamente, porque a complexidade do tema é muito grande”, afirmou.

A quatro meses do encontro de Copenhague, ainda faltam posições mais precisas dos países sobre o que pretendem fazer para evitar o aquecimento perigoso do planeta, avalia Artaxo. Ele criticou a falta de clareza dos líderes das maiores economias mundiais, que durante encontro em junho concordaram que um aumento de temperatura em 2 graus centígrados (2°C) é o máximo tolerável, mas não sinalizaram o que farão para alcançar esse objetivo.

“É muito fácil dizer isso sem dizer como fazer e, principalmente, quem vai pagar por isso. Essa discussão restante vai acontecer na COP-15 [Conferência das Partes sobre o Clima, a reunião em Copenhague] e nos próximos 50 anos”, avalia.

Mais que concordar com o limite de aquecimento do planeta em 2° C, os países têm que definir um teto para a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, segundo o climatologista e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Carlos Nobre. “Esse número hoje é de 450 partes por milhão (ppm) [40% maior que antes da Revolução Industrial]. Os países ricos provavelmente vão defender um número maior, mas a ciência não aprova isso”, disse o pesquisador, que é membro do IPCC.

Nobre diz estar “moderadamente otimista” em relação ao resultados da reunião de Copenhague, porque, segundo ele, o desafio é muito grande. “Acredito que de lá não sairão definições líquidas, certas, prontas. Vai demorar mais um pouco, mais umas duas COPs”, avalia.

A perspectiva de mudança da posição norte-americana em relação às mudanças climáticas – sob o comando de Barack Obama – é um bom sinal, segundo o pesquisador. Os Estados Unidos, único país rico a não ratificar o Protocolo de Quioto, deverão ter um peso definitivo para o sucesso de um novo acordo. “O Obama mostrou liderança. Mostrou uma postura completamente diferente de um ano atrás [gestão George W. Bush]. Mas esse é um processo em etapas”, pondera.

Reportagens de Luana Lourenço, da Agência Brasil, publicadas pelo EcoDebate, 11/08/2009

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