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‘Os próximos 10 anos decidirão o futuro da nossa civilização’ Entrevista com Daniel Pauly

Daniel Pauly é um dois 50 cientistas mais influentes do mundo. Esse biólogo especialista em mares alerta sobre os sérios perigos da pesca tal como é praticada agora e denuncia a permissividade dos governos.

A reportagem é de Malén Aznárez, publicada no jornal El País, 05-07-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Daniel Pauly é fruto da libertação de Paris na II Guerra Mundial e da libertação de um casal: ele, soldado negro norte-americano, ela, uma parisiense, que decidiram sair dos convencionalismos de todo o tipo e, no meio do entusiasmo reinante das celebrações históricas, dedicar-se ao amor. Pauly nasceu em 1946. Até aqui, nada que não tenhamos visto em alguns filmes sobre aquela guerra. Os problemas vieram dois anos depois, quando norte-americano abandonou a mãe e filho e voltou ao seu país. Os negros eram proibidos, então, de se casar com brancas nos Estados Unidos.

Pauly foi entregue por sua mãe, então sozinha e sem recursos, a uma família suíça que acabara de perder um filho e que prometeu criá-lo em uma situação que ela supunha muito mais vantajosa para o menino. E aqui começou o que todas as biografias do biólogo e conhecido especialista mundial em pesca e oceanografia, destacam como “uma infância dickensiana”.

Pauly, de 63 anos, casado e com dois filhos, que passou por Madri para exercer o cargo de presidente do júri do Prêmio Fundação BBVA Fronteiras do Conhecimento em Ecologia e Biologia da Conservação, prêmios com vocação de Nobel espanhol – em seus oito jurados havia vários prêmios Nobel – pareceu se esquecer, durante um bom período, de que ele é um dos biólogos que mais sabe sobre o mundo da pesca, dos mares e da conservação oceanográfica, e um dos 50 cientistas mais influentes do mundo – segundo a revista Scientific American – para mergulhar lentamente naquele infância distante, que ele lembra como a de “um menino meio negro em uma cidade de brancos”. Não precisou buscar nenhuma madalena proustiana. Em um espanhol aceitável, Pauly relembrou algumas vivências que ainda parecem bastante vivas em sua vida.

Eis a entrevista.

O que aconteceu para que, em pleno século XXI, ainda se fale de sua “infância dickensiana”?

Aconteceu que uma família suíça que tinha perdido um filho de dois anos se encontrou com a minha mãe e comigo em Paris e pensaram que eu era o substituto do menino perdido. Eu estava doente, e eles convenceram a minha mãe para me levar para a Suíça, onde, diziam, eu me curaria. Ela permitiu, mas eu tinha que voltar para Paris dentro de um tempo, e a família suíça não permitiu. Era muito difícil para ela, que era pobre e estava muito isolada, conseguir o meu retorno e depois de alguns anos, e com outros filhos, acreditou que eu estava melhor na Suíça. Geralmente associamos a Suíça com ordem e tranquilidade, mas aquela era uma família muito difícil, desestruturada, com patologia social. A filha era prostituta, o filho esteve na prisão… Eu era como um pequeno observador. Eles sempre me diziam que a minha mãe havia me abandonado e que eu devia ser agradecido a eles, mas nunca fiz parte daquela família, me isolei lentamente dela e os observava de fora. Não queria fazer nada do que eles faziam, por exemplo, beber álcool ou fumar.

Mas o senhor ia ao colégio, levava uma vida de criança? Em alguma ocasião, disse que era um menino meio negra em uma cidade branca…

Eu ia ao colégio porque era público e grátis, mas eles não se envolviam na minha educação. Tive que trabalhar desde os 12 anos, fazer todo o trabalho doméstico e também trabalhar em uma confeitaria que mantinha a família. A única coisa diferente é que eu tinha uma madrinha suíça que se casou com um espanhol da Catalunha, e eles me deram um exemplo de vida normal. Levaram-me, em dois verões, com nove e dez anos, para Tarragona. As crianças de famílias com problemas normalmente não têm ideia de outras famílias diferentes, mas eu tinha clareza de que não pertencia àquela família ou àquilo que outras famílias podiam ser. Enquanto à cor, não é que eu me sentisse discriminado por racismo, não. Era só a sensação de ser diferente, de ser sempre observado como em um palco. Isso era muito forte no campo, porque, naquele tempo, na Europa, não havia muitos negros… Eu vi racismo pela primeira vez nos Estados Unidos, nos anos 60. Por isso, aos 16 anos, na primeira oportunidade, eu fui para a Alemanha.

Ali conseguiu fazer o bacharelado e depois ir à universidade. Parece que desde muito cedo o senhor soube abrir caminho na vida.

Fui buscando formas para abrir caminho e, graças a um pastor protestante, abri uma porta. Dediquei um ano de voluntariado à Igreja, trabalhando com doentes mentais em um asilo e em um hospital. Pagavam-me com um pequeno salário que dava para eu viver, e tomei a decisão de continuar estudando. Pela manhã, eu trabalhava e, de tarde, estudava. Isso foi interrompido pelas Forças Armadas da França, que me chamaram ao serviço militar, porque eu sempre tive a nacionalidade francesa. Graças a eles, achei o endereço da minha mãe. Finalmente, não quiseram me admitir no Exército, mas passei um ano vivendo na França e pude me reunir com a minha família. Minha mãe, meus irmãos e irmãs esperavam a minha volta. Era muito estranho, mas eu me reintegrei à minha família e, desde então, parece que vivi toda a vida com eles. Dois anos depois, tinha o bacharelado alemão e, com 23 anos, pude ir à universidade, mas antes fui aos Estados Unidos, em 1969, para encontrar meu pai.

E o encontrou?

Sim, porque minha mãe sabia onde ele estava. Vivia na Califórnia. Morreu em 1986, mas houve um período em que pudemos nos conhecer, o que foi bom depois de tudo. Era um homem inteligente, cultivado, mas preso a seus próprios demônios, porque no sul dos Estados Unidos ser negro, então, era uma tragédia inevitável. A única coisa que podiam fazer era trabalhar em um nível muito baixo ou se colocar nas Forças Armadas. Ele travava uma luta permanente e gradualmente se converteu em um amargado. Obama, em seu discurso sobre as raças, explicou bem essa situação: que houve muitos negros que não se deram conta de que as coisas haviam melhorado. Meu pai tinha um bom amigo, do mesmo Estado do sul, Arkansas, mas com uma trajetória muito diferente, que entendeu o que acontecia, que desenvolveu muito bem, e o resultado é que teve três filhas bem situadas. Uma delas é a minha esposa.

O senhor tem fama de iconoclasta. Diga uma coisa: essa infância tão dura marcou-lhe de alguma maneira ou lhe tornou mais forte?

Penso que, muitas vezes, esse tipo de experiência destrói uma pessoa. E foi um acidente que eu não me envolvesse com aquela família suíça, por isso acredito que eu pude seguir adiante. Mas não sei se realmente me marcou. Posso dizer, sim, que a minha atitude sobre a conservação do meio ambiente é intelectual, não emocional. É puramente intelectual. Sou iconoclasta porque as coisas têm que mudar. E, para dar espaço às novas ideias, as coisas velhas têm que ser destruídas. É preciso ser iconoclasta.

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Talvez por isso Pauly é iconoclasta em suas propostas científicas e em sua especialidade por excelência: os recursos pesqueiros e a deterioração dos ecossistemas marinhos. Neste momento, 30% das capturas pesqueiras em todo o mundo são ilegais. Desde 1950, o consumo de peixe se quintuplicou no mundo, mas só 0,7% dos oceanos estão protegidos, diante de 10% das florestas. As frotas pesqueiras superam 40% de sua capacidade em relação aos recursos, e 88% das reservas pesqueiras sofrem sobrepesca.

Pauly denuncia a permissividade dos governos ao permitir certas práticas e assegura que, se não forem criadas novas áreas marinhas protegidas já, em breve não poderemos pescar mais do que águas-vivas. Sem contar as consequências que essa pressão exerce sobre os ecossistemas marinhos e, em boa lógica, sobre as mudanças climáticas.

O senhor é muito pessimista. Inclusive, há colegas seus que lhe chamam de extremista com relação ao declínio das reservas pesqueiras. O senhor assegura que nos encaminhamos ao desastre, mas fala sobre conservar os recursos pesqueiros, oferecer um meio sustentável aos pescadores e proteger o meio ambiente. Não é a quadratura do círculo?

É possível fazer isso. E eu não aceito que sou pessimista, menos ainda extremista. Não quero aceitar isso. Aqueles que dizem isso têm, muitas vezes, uma visão local da pesca e não veem a situação global. Eu digo que a pesca como a praticamos agora, a pesca industrial, é como uma guerra contra os peixes. E ganhar essa guerra significa que os peixes vão desaparecer. A sustentabilidade é não pescar tudo o que existe. Antes, não se podia pescar todos os peixes, porque eram muito profundos ou entre as rochas, mas agora, com os sistemas eletrônicos e os grandes barcos, podemos atacar qualquer peixe, não podem escapar. Essa capacidade tecnológica implica em uma necessidade de áreas proibidas que não é diferente ao que tínhamos antes, quando não podíamos chegar a todos os lugares. Não podemos utilizar toda a tecnologia que temos para pescar. É a mesma coisa que caçar coelhos com tanques, é uma bobagem. Trata-se de estabelecer um equilíbrio entre os caçadores e o que se caça. Uma pesca artesanal poderia exportar os recursos pesqueiros da plataforma continental sem a destruição e os custos enormes que a pesca industrial envolve.

Mas neste momento há alguma possibilidade de voltar à pesca artesanal?

A razão pela qual temos uma pesca industrial são as subvenções e o preço baixo do combustível. Há uma patologia, a da energia barata, que torna possível pescar como pescamos, mas não vai durar muito, e o aumento do preço dos combustíveis irá supor que será impossível pescar com esses barcos enormes. Não é a minha opinião, é uma reestruturação que já começou. Os políticos podem fazer duas coisas. Uma é lutar para manter a situação atual, o que irá significar mais subvenções para destruir mais empregos e recursos, que é o que acontece agora. Por exemplo, na Espanha, os pescadores tradicionais perdem seus empregos porque não podem competir com as grandes frotas. Não são os ecologistas que destroem os empregos na pesca, são as grandes empresas. E a outra coisa que pode ser feita é utilizar as quantias das subvenções para facilitar uma reconversão que é inevitável, como ocorreu com a mineração.

Há cientistas que dizem que está se exagerando, que há ciclos naturais na pesca, e que as espécies se recuperam. Vai acontecer a mesma coisa que aconteceram com as mudanças climáticas, que teve negacionistas até que foi impossível negá-las?

Há negacionistas que sempre chamam os biólogos, os ecologistas ou as ONGs de alarmistas, apesar de que as mudanças que vemos são cientificamente razoáveis, mas eles não fazem nenhuma concessão. Cerca de 0,7% das zonas protegidas atualmente são uma zona pequeníssima dos mares. Os espaços que tínhamos há 20 ou 30 anos livres de pesca eram muito maiores. Se nos negamos agora a adotar soluções fáceis, isso implica que depois serão muito mais duras. É a mesma coisa com a saúde. Se você pega uma doença, é mais fácil tratá-la no começo do que quando ela estiver avançada. Discutir com os negacionistas pesqueiros, como ocorreu com as mudanças climáticas, é completamente inútil. Dizer que a pesca não tem efeito sobre os ecossistemas e que está tudo bem é uma besteira. Mas é possível identificar os interesses econômicos que alguns cientistas têm. E, quando uma pessoa tem um interesse direto para manter uma situação, ela automaticamente fica desqualificada. Não é possível ser juiz e parte envolvida.

O fim das subvenções, que o senhor exige com urgência, e a criação de novas reservas marinhas seriam suficientes para frear a situação de deterioração das espécies marinhas?

Não, é um erro acreditar que esse tipo de intervenções são suficientes, mas são necessárias. Os métodos clássicos de gestão de reservas pesqueiras também têm que ser usadas fora das áreas reservadas. Não podemos dizer: vamos criar novas reservas e fazer todo tipo de desmandos no resto, no mar livre. Não tem sentido. É preciso zonear os oceanos e, em cada zona, ter uma gestão adequada. Agora, todos os técnicos compreendem que esse zoneamento é necessário. Parece-nos mais fácil entender essa situação na terra, talvez porque podemos ver o que acontece, sua enorme deterioração, mas nos mares não. Vou dizer algo que pode parecer exagerado… Se não atacarmos o problema do aquecimento global, vamos entrar em problemas para a nossa própria civilização. E os próximos dez anos irão decidir o que vai acontecer com a nossa civilização. Não são as pescas, é o clima. E temos que decidir desenvolver regras como parte do ajuste para a nossa sobrevivência sobre o planeta Terra.

Que papel a pesca tem na manutenção dos ecossistemas marinhos e no processo global das mudanças climáticas?

Acredito que a pesca contribui com os gases do efeito estufa em 1%. Não é muito, mas também é uma quantidade que deve ser reduzida, porque mais da metade dessas emissões são inúteis. Outros efeitos são a mudança dos ecossistemas ao provocar o crescimento das algas, algumas muito perigosas e daninhas, e também o favorecimento do crescimento de zonas onde não há oxigênio, zonas mortas que estão especialmente vinculadas às atividades pesqueiras. As pessoas podem pensar que isso se deve a substâncias fertilizantes que vêm da terra. É verdade, mas também é causado pela atividade pesqueira, que muda a vida do sistema ecológico e contribui aos efeitos do aquecimento climático. Na realidade, o aquecimento global representa uma oportunidade para reabilitar o planeta e parar a destruição. O que fizemos até hoje com as zonas pesqueiras é destruir os recursos e temos que aprender a coexistir com a natureza.

Falando de destruir, a Espanha tem uma das maiores frotas pesqueiras do mundo e é também um dos países que mais consome peixe. O senhor nos acusou de piratas. Somos?

Sim.

Estufamo-nos com a anchova do Cantábrico e praticamente com o atum do Mediterrâneo. Estamos destinador a comer peixe da aquicultura?

Não acredito que a aquicultura marinha possa desempenhar o papel que as pessoas esperam, porque ela precisa de quantidades cada vez maiores de farinhas e de azeite de pescado para as rações, e eles são fabricados com peixes pequenos de zonas onde não podem crescer, em vez de serem utilizados para a alimentação.

Na Espanha, comem-se, e muito, esses peixes, a anchova, a sardinha, a caval…

Exatamente. Eu penso que é possível adaptar as pescas para que produzam para os mercados locais, como na Espanha. Por exemplo, no Peru, pescam-se cinco milhões de toneladas de anchovinhas, quase todas para farinha de peixe, quando poderiam ser utilizadas para consumo humano. Por sorte, houve uma mudança de atitude, e agora a anchovinha também é utilizada para o consumo humano no Peru. Aprenderam a fazer bons pratos com esse peixe. Eu acho que, no futuro, o consumo não será só de aquicultura, mas também de peixes pequenos. Acredito que as sardinhas, as anchovas e similares são os peixes do futuro.

O que acontece com as modas culinárias como agora a do “sushi”, que leva a um consumo desaforado de espécies como o atum mediterrâneo, em grave perigo?

Ah, o sushi… Acredito que são modas perigosas em parte. O consumo de muito sushi é um problema. Por exemplo, o atum e outros peixes acumulam mercúrio e outros elementos que não são bons para o homem. Outra coisa é o mito de que os peixes são bons para a saúde por causa de seu ômega-3, e isso é uma moda. Nós fizemos um estudo com outros cientistas, em Toronto, que foi publicado no Medical Journal of Canadian Association, e parece que a evidência de consumir determinados peixes para uma boa saúde não é tão clara, mas é sim outra moda. Se uma pessoa tem uma alimentação equilibrada, esse aumento de ômega-3 não faz um efeito especial.

Quer dizer que devemos consumir menos peixe?

Uma pessoa com uma alimentação equilibrada não vai aumentar sua qualidade de vida pelo fato de comer mais peixe. E há muitíssimas pessoas que não consomem peixe em absoluto e não parece que tenham graves carências, é uma bobagem. Eu tenho 63 anos e lembro outras tolices: a vitamina D, as fibras. A cada cinco ou dez anos, há uma moda alimentar. Mas a mudança da nossa alimentação vai estar ditada pelas circunstâncias. O peixe não vai estar disponível, e isso mudará as coisas.

Por que se permite que os japoneses tenham essas práticas depredadoras, pescando baleias, inclusive na Antártida, e agora arrasando o atum?

O que está acontecendo agora no Japão é muito interessante. Há seis meses, estive ali, e há um pânico, porque pensam que não será possível manter seu enorme consumo de peixe. As pesqueiras locais estão destruídas, e o acesso dos japoneses a outros países está diminuindo. E não sabem o que fazer, estão em uma fase de busca de soluções.

O senhor diz que a política pesqueira da UE é uma farsa…

Eles dizem isso no Livro Verde que publicaram… Eu não quero falar de farsa. O que acontece é que a UE admite que há um problema e que o que se fez até agora em matéria de pesca não serviu. O que eu posso dizer é que estão considerando a supressão de subvenções, a criação de áreas protegidas e outras coisas.

É preciso impor mais períodos de pesca proibida?

As proibições são uma boa metodologia para os peixes pequenos, mas, se depois desses períodos as pescas são feitas sem medida, elas são inúteis. É preciso modificar a gestão integral. A solução não pode vir só de uma medida, mas de todas juntas. É preciso reduzir a pressão humana no ecossistema, a demanda que temos com os ecossistemas.

O senhor tem alguma esperança de conseguir isso com pressões econômicas tão fortes?

O desafio é claro, e acredito que agora há um risco que entendemos melhor, que há um perigo de destruição da nossa civilização, e isso reduzirá, espero, o impacto dos grupos econômicos. Acho que surgirão novas regras de funcionamento internacional, mesmo que, no conjunto da proteção ambiental, a pesca pode parecer um problema menor. É claro que temos um problema entre a ecologia e a injustiça social, e podemos ver isso agora, com as negociações sobre as mudanças climáticas, nas quais os países como a China não querem abandonar sua expansão, porque historicamente ela é legítima, mesmo que, em nível ecológico, é uma catástrofe.

Diga três medidas claras que é preciso tomar agora mesmo como primeiro passo para enfrentar o problema.

Além de acabar com as subvenções à pesca – especialmente as que contribuem para manter situações falsas, como as dos combustíveis – e criar áreas protegidas, é imprescindível o respeito aos cientistas e às medidas que eles aconselham. Há uma falta de comunicação entre a ciência e os que têm o poder de decidir. Em princípio, os cientistas devem estimar os recursos pesqueiros e como conservá-los, mas depois são os políticos, os governos que usam essa informação. E suas decisões são independentes da ciência, e só são consideradas as petições que vêm da indústria pesqueira, e não só nos países subdesenvolvidos, mas também nos desenvolvidos. Em 1993, tomei uma decisão: trabalhar para as ONGs, porque agora, em muitos casos, elas representam melhor os cidadãos do que os políticos, que só representam uma parte dos interesses. Mas essa representação cidadã era feita antes de uma forma emocional e não científica. Houve ONGs que trabalhavam não só sem ciência, mas também contra a ciência. O que eu descobri é que é preciso fazer uma ciência que ajude as ONGs sem se parte de seu programa. Eu trabalho para eles, mas de fora. Sou um líder de um projeto que se chama Sea Around Us e que estuda o impacto das pescas nos ecossistemas marinhos, e os resultados que são publicados são muito úteis para as ONGs.

O que o senhor pensa, agora que lhe consideram um dos 50 cientistas mais influentes do mundo, ao olhar aquele menino de infância dickensiana?

A parte da influência é um exagero… Do ponto de vista estatístico, minha trajetória foi muito estranha. Não se podia pensar que aquele menino pobre chegaria a ser um cientista, mas, na situação atual, posso dizer que cada cientista conhece muitos cientistas que são melhores do que ele, e eu também conheço muitos cientistas que são melhores do que eu.

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Um influente controverso

O mais citado. Daniel Pauly (Paris, 1943), doutor em biologia e oceanografia pela Universidade de Kiel (Alemanha) e professor do Centro de Pesca da Universidade British Columbia de Vancouver (Canadá), centro que dirigiu durante cinco anos, é considerado um influente biólogo em matéria pesqueira. O modelo Ecopath desenvolvido por ele é uma base de dados online, consultada por cientistas de todo o mundo e considerada pela National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) dos Estados Unidos como uma das conquistas mais destacadas dos últimos 200 anos. Autor de vários livros e centenas de artigos científicos, muitos deles publicados nas revistas Nature e Science, é considerado o autor mais prolífico e citado em seu campo.

Premiado e controverso. Com prêmios como o International Cosmo Prize, o Ted Danson Ocean e o Ramón Margalef de Ecología, Pauly, comprometido com a conservação da natureza – pertence à direção da ONG Oceana – e crítico de governos e instituições, é atacado muitas vezes pelo seu caráter iconoclasta e pelas suas opiniões pouco convencionais. Declara-se um fanático por Darwin: “Para ele, a ciência foi muito importante, mas o homem também. A evolução e a escravidão foram seus dois grandes compromissos. Isso lhe dá calor humano e lhe torna muito atrativo”.

(Ecodebate, 09/07/2009) publicado pelo IHU On-line, 08/07/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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