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O alcance ruralista, artigo de Marcelo Leite

“As objeções ao trabalho não partem só de ONGs ambientais, mas da própria Embrapa. Até na unidade localizada em Campinas há quem discorde da maneira como o trabalho foi conduzido”

[Folha de S.Paulo] No Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, caderno especial da Folha trouxe reportagem deste colunista sobre um estudo controverso, “Alcance Territorial da Legislação Ambiental e Indigenista”. Dados da Embrapa Monitoramento por Satélite afirmavam que só 29% do território nacional estariam disponíveis para a agropecuária.

A reportagem chegou a conclusão diversa da que animava o trabalho realizado sob coordenação do chefe da unidade da Embrapa, Evaristo Eduardo de Miranda, encampado pela senadora ruralista Kátia Abreu (DEM-TO) e pelo ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes (PMDB-PR). “Sobra terra para a agropecuária no Brasil”, avisava o título. E, mesmo que fossem só 29%, já daria para triplicar a safra nacional de grãos.

O texto dizia ainda que o estudo havia sido questionado, até por sua “honestidade”. Alguns ataques se dirigiam ao coordenador, e nem foram considerados. Outros contemplavam questões técnicas e de interpretação das normas ambientais, o que elevaria o percentual para 36% a 43%.

As objeções ao trabalho não partem só de ONGs ambientais, mas da própria Embrapa. Até na unidade localizada em Campinas há quem discorde da maneira como o trabalho foi conduzido, divulgado e utilizado pela bancada ruralista.

Um argumento é que o trabalho vem sofrendo seguidas modificações. Outro, que não passou pelo crivo de outros especialistas, como é praxe para estudos científicos. Depois de apresentado ao governo federal, ganhou destaque em audiência pública no Senado no dia 29 de abril e terminou publicado pela internet (http://www.alcance.cnpm.embrapa.br). Uma versão preliminar saíra em dezembro na revista “Agroanalysis”, da FGV.

Miranda pondera que a publicação na internet funciona como uma consulta pública. À medida que surgem sugestões, críticas e discussões, os ajustes são feitos, diz. “O site não é uma publicação análoga a uma revista [científica].” Ele faz um paralelo com os dados de desmatamento na Amazônia produzidos periodicamente pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Estes tampouco são submetidos a periódicos científicos antes de publicados pela internet e anunciados pelo Ministério do Meio Ambiente. O questionamento interno ao estudo da Embrapa subiu de patamar há duas semanas com a retirada dos nomes de dois coautores, Daniel de Castro Victoria e Fabio Enrique Torresan. Segundo a coluna apurou, o motivo seria discordância com modificações feitas sem consulta a todos os autores do levantamento.

Miranda confirma a exclusão, mas afirma que os resultados obtidos pelos dois pesquisadores não sofreram alteração. Diz que a iniciativa teria menos a ver com o conteúdo do estudo do que com a sucessão na chefia da unidade da Embrapa.

Do ponto de vista do público, pouco importa. Relevante é saber se o estudo realmente para de pé, e isso compete a especialistas dirimir. Mas é saudável que “ruralistas” e “ambientalistas” ao menos considerem a possibilidade de abandonar seus feudos maniqueístas para enfrentar-se na arena dos dados verificáveis.

Nesse sentido, é positivo que a Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados tenha anunciado a encomenda ao Inpe de um estudo para contrapor ao da Embrapa. Quem sabe assim o país responsável por 74% de toda a superfície de áreas protegidas criadas no mundo depois de 2003 conseguirá concluir se exagerou mesmo na dose.

Marcelo Leite é autor de “Folha Explica Darwin” (Publifolha, 2009) e do livro de ficção infanto-juvenil “Fogo Verde” (Editora Ática, 2009), sobre biocombustíveis e florestas.

* Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo.

Nota do EcoDebate: sobre este mesmo assunto sugerimos que leiam, também, a matéria “A equivocada controvérsia sobre o estudo ‘ alcance da legislação ambiental e territorial’”, de 25/06/2009.

[EcoDebate, 30/06/2009]

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