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Notícia

Um plano de manejo para a Laje de Santos

SOB A LAJE –

No Brasil, a criação de uma área protegida deve ser antecedida, por lei, de um plano de manejo. O documento técnico determina quais interferências humanas são suportáveis pela área. Mas isso raramente ocorre. A maioria das áreas de proteção ambiental é criada sem a ferramenta porque sua elaboração depende de estudos que permitem conhecer como os animais interagem entre si e com o ambiente e como funcionam os ecossistemas. Em consequência, a maioria das áreas protegidas criadas no país não tem plano de manejo porque faltam informações sobre elas.

Estudo desenvolvido pelo biólogo Osmar José Luiz Junior, que deu origem à dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Biologia (IB) da Unicamp e orientada pelo professor Ivan Sazima, tem como consequência prática fornecer elementos para um futuro plano de manejo do Parque Estadual Marinho Laje de Santos. Situado a 36 km do litoral da cidade de Santos, constitui, desde 1993, a única reserva marinha do estado de São Paulo onde são proibidas a pesca e a caça submarina, mas permitido o turismo.
Esta diminuta área do mar de cinco mil hectares engloba a superfície marinha, uma ilha de 500 metros de comprimento por 185 metros de largura e a Laje propriamente dita. Constituída de rochas graníticas cobertas por algas e várias espécies de invertebrados, mas sem vegetação, a Laje é formada por recifes na maioria submersos. Embora próxima ao município de São Paulo e frequentada nos fins de semana por dezenas de mergulhadores, muito pouco se sabe sobre sua biologia.

As espécies de peixes que habitam a Laje de Santos variam muito em seu comportamento; algumas espécies formam grandes cardumes como a pirajica (Fotos: Divulgação)Constituiu foco principal do pesquisador o levantamento das espécies de peixes na reserva, face à intimidade que tem com eles, embora lá existam outros seres vivos. Ele localizou no parque, ao longo dos mais de dez anos que o frequenta, 196 espécies de peixes, a maioria com ocorrência comum a todo o Atlântico Ocidental tropical ou nos dois lados do Oceano Atlântico. Número que ele considera relativamente grande em vista do diminuto tamanho da área e pelo fato dos recifes serem rochosos, pois os de corais, face à diversidade de formações e reentrâncias, possibilitam a ocorrência de maior variedade de espécies. Durante o trabalho, Osmar Luiz descobriu uma espécie de peixe não catalogada, de cerca de 20 cm de comprimento, a que deu o nome de Halichoeres sazimai, “em homenagem ao meu orientador, Ivan Sazima”.

Além de determinar a composição de peixes da comunidade do parque, o pesquisador estudou também a estrutura da comunidade dos peixes dessa reserva, quanto à composição e abundância das espécies, em relação a quatro variáveis ambientais. São elas: influência da profundidade – pois existem peixes que vivem preferencialmente na parte rasa e outras na funda; influência da complexidade do substrato – característica relacionada ao número de reentrâncias que existem nas pedras; influência do batimento de ondas – pois a ilha tem duas faces, uma voltada para o mar aberto e outra mais abrigada; e influência sazonal da água fria oriunda da ressurgência – fenômeno oceanográfico que transporta a água da superfície para o mar aberto, levando a água mais fria do fundo a formar camada logo abaixo da superfície. Esta modificação afeta os peixes de características mais tropicais que passam para as águas superiores, mais quentes, permanecendo na camada inferior as espécies que existem mais ao sul e que podem ser encontradas até o litoral argentino.

Osmar Luiz considera que, do ponto de vista prático, o estudo visa fornecer dados para um futuro plano de manejo da área. É através dele que se determinará, por exemplo, quantos mergulhadores poderão visitar o local por dia, como isso pode afetar a comunidade de peixes e de outros microorganismos que ainda não foram estudados. Sua viabilização exige estudos de ecologia que permitirão estabelecer normas para o turismo local e determinar em que medida poderá ser ou não liberada a pesca local.

Essa é a vertente prática do trabalho, pois o plano de manejo visa proteger a reserva de impactos humanos. O pesquisador explica que “para saber como ações humanas podem afetar negativamente o ambiente dos peixes é preciso conhecer, por exemplo, o fenômeno da ressurgência, para desvincular seus efeitos das modificações resultantes do impacto do turismo de mergulho”.

O budião-do-fundo é uma espécie que foi descrita na pesquisa; seu nome científico, Halichoeres sazimai, é uma homenagem ao professor Ivan Sazima, orientador da dissertação (Fotos: Divulgação)Do ponto de vista cientifico e teórico, o trabalho contribui para a ciência pura, que procura saber como diferentes espécies de peixes coexistem e como suas comunidades se organizam. O pesquisador lembra que, comparada com outras áreas, a reserva apresenta grande diversidade de espécies e que, além disso, como se trata de um local em que a pesca é proibida há muitos anos, encontram-se ali preservadas varias espécies ameaçadas de extinção porque alvo de pesca ou caça submarina. São os casos do mero e garoupas muito pescados em áreas não protegidas.

Ele observou ainda que as garoupas em lugares não protegidos têm no máximo 20 cm e são ariscas, enquanto na reserva elas chegam a 80 cm e não têm medo do mergulhador, que não sentem como predador. Por sua vez, o mero é o maior peixe local a atinge até 2,5 m. O trabalho teve financiamento do CNPq e apoio logístico da ONG Instituto Laje Viva.

Conclusões
O pesquisador conclui a dissertação afirmando que a comunidade de peixes recifais do Parque Estadual Marinho da Laje de Santos é dominada por poucas espécies de ampla distribuição e grande abundância em todo o Oceano Atlântico Ocidental, além de muito versáteis em relação à dieta e ao uso do habitat.

Entre os quatro fatores abióticos estudados – assim denominados os relacionados ao meio –, a profundidade é o que mais influi na determinação da estruturação da comunidade, observando-se um decréscimo contínuo da riqueza de espécies e da abundância de indivíduos com o aumento da profundidade, diferentemente do que ocorre nos recifes de corais, mas de padrão semelhante aos observados nos recifes rochosos temperados do Mediterrâneo e subtropicais do Pacifico Oriental.

A presença de maior parte de espécies de afinidades tropicais em local afetado sazonalmente por intrusões de águas frias oriundas de eventos de ressurgência em suas partes mais fundas, provavelmente, diz ele, explicam a tendência de “empobrecimento” da comunidade em relação à profundidade.
Depois de analisar os efeitos dos vários fatores físicos considerados no estudo ele sugere que há uma escala hierárquica de importância deles na estruturação da comunidade de peixes recifais na Laje de Santos.

Em agosto, Osmar Luiz iniciará doutorado em ecologia computacional na Macquarie University, em Sidney, na Austrália, para a qual foi selecionado concorrendo a uma das duas bolsas oferecidas apresentando projeto de pesquisa.

As raias-jamanta

 É grande a variedade de tamanho entre as espécies; algumas garoupas, graças ao fato de a Laje ser uma área protegida, conseguem crescer até a quase um metro e meio de comprimento, enquanto outras espécies menores, como o blênio, mal chegam a 5 centímetros(Fotos: Divulgação)Durante os anos em que freqüentou o parque marinho, Osmar Luiz sempre ouviu dos mergulhadores referências às raias-jamanta que lá aparecem em determinadas épocas do ano. Elas chegam a ter 5 m de largura e são consideradas as maiores do mundo. Por meio de um levantamento de fotografias datadas tiradas por mergulhadores no período de nove anos (1999-2007) – conseguiu, juntando 79 delas, descobrir que essas raias aparecem efetivamente no inverno, de maio a agosto, embora não se conheça sua rota de migração.

Isso o levou a publicar um trabalho e a fazer um projeto para determinar as rotas das raias, como forma de descobrir-lhes as origens. Com a ajuda da ONG Instituto Laje Viva, conseguiu da Petrobras apoio para projeto que prevê a utilização de transmissores via satélite, que custam cerca de 10 mil dólares cada um e que são os mesmos usados para acompanhar o deslocamento de baleias e tubarões. Acoplado ao corpo do animal, o transmissor permite determinar a rota. A Petrobras aprovou o projeto e ele aguarda julho, temporada das raias, para iniciar o trabalho.

Em artigo publicado na revista Mergulho Osmar Luiz faz referência à riqueza da Laje de Santos e destaca as míticas raias-jamanta. Diz entre outras coisas que: “Alguns pontos de mergulho parecem abençoados por Deus. A Laje de Santos certamente é um deles. Entre suas principais atrações encontram-se: visibilidade que varia regularmente entre 20 e 30 metros; grandes peixes como garoupas, caranhas e meros; baleias e golfinhos nadando nos arredores. E como se não bastasse, para deleite dos mergulhadores, é ponto de encontro de gigantescas raias-jamanta”.

É grande a variedade de tamanho entre as espécies; algumas garoupas, graças ao fato de a Laje ser uma área protegida, conseguem crescer até a quase um metro e meio de comprimento, enquanto outras espécies menores, como o blênio, mal chegam a 5 centímetros (Fotos: Divulgação)

“As raias-jamanta estão entre os maiores peixes do mundo, pesam mais de uma tonelada e chegam a medir até 6 metros da ponta de uma nadadeira a outra. São totalmente inofensivas e se alimentam quase que exclusivamente de zooplâncton – pequenos organismos que vivem dispersos na coluna d’água”.

“Por causa de sua grande capacidade de deslocamento mar afora, alguns poucos lugares no mundo são conhecidos por possibilitarem mergulhos certos com raias-jamanta. A ilha de Yap, na Micronésia; Kona no Hawaii; e o Mar de Cortez, no Pacifico Oriental, são os pontos de mergulho mais conhecidos onde podem ser observadas raias-jamanta. Isso torna muito especial essa frequente ocorrência na Laje de Santos, pois aqui pertinho de nossas casas, mesmo para quem está fora do estado de São Paulo, há a possibilidade de realizar um mergulho que, de outra forma, custaria alguns milhares de dólares”.

“Um aspecto muito interessante das jamantas é que a parte de baixo de seus corpos é manchada com pintas negras e cinzentas. Essas manchas apresentam padrões que não se repetem de indivíduo para indivíduo e são como impressões digitais de cada animal. Da mesma maneira como é feita com as caudas das baleias-jubarte em Abrolhos, estamos fotografando o ventre das jamantas da Laje de Santos para procurar saber, entre outras coisas, o tamanho populacional e se os animais que vêm à Laje em diferentes anos são os mesmos. Apesar do trabalho ter se iniciado há pouco tempo, já temos 62 indivíduos diferentes identificados. Conseguimos registro de retorno de uma mesma raia-jamanta fotografada no local em 1999 e em 2007”.

Matéria de Carmo Gallo Netto, do Jornal da Unicamp, publicada pelo EcoDebate, 27/06/2009

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