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EUA inauguram instalação para tentar produzir energia de fusão nuclear

NIF (Instalação National de Ignição) tentará fazer fusão nuclear nos EUA, a um custo de US$ 3,5 bilhões (Foto: Jacqueline McBride/NYT)
NIF (Instalação National de Ignição) tentará fazer fusão nuclear nos EUA, a um custo de US$ 3,5 bilhões (Foto: Jacqueline McBride/NYT)

Técnica tentaria explorar forma pela qual estrelas produzem sua energia. Investimento americano na instalação foi de US$ 3,5 bilhões.

Em Livermore, num seco vale da Califórnia, na saída da cidade, uma catedral de luzes será consagrada nesta sexta-feira (29). Como as catedrais da antiguidade, esta é construída numa escala incomparável de tecnologia única, e personifica uma doutrina científica que, se confirmada, pode elevar a civilização a novos patamares. Matéria de William J. Broad, do New York Times.

“Trazendo Energia Estelar para a Terra” diz a gigantesca faixa, recentemente esticada ao longo de um edifício com o tamanho de um estádio de futebol.

O local, de 3,5 bilhões de dólares, é conhecido como Instalação Nacional de Ignição (National Ignition Facility, ou NIF). Durante mais de meio século, físicos sonharam em criar pequenas estrelas que inaugurariam uma era de ousada ciência e energia barata, e a NIF tem o objetivo de atiçar essa chama.

Em teoria, os 192 lasers da instalação – feitos com quase 60 milhas de espelhos, fibra ótica, cristais e amplificadores de luz – dispararão de forma conjunta para pulverizar um grão de combustível hidrogênio menor que uma cabeça de fósforo. Comprimidos e aquecidos a temperaturas maiores que aquelas de um núcleo de estrela, os átomos de hidrogênio se fundirão em hélio, liberando explosões de energia termonuclear.

O diretor do projeto, Ed Moses, disse que chegar à ponta da ignição (definida como a execução com sucesso da fusão) precisou de 7 mil trabalhadores e 3 mil subcontratados durante doze anos. Suas ações criaram um colosso de precisão com milhões de peças e 60.000 pontos de controle, 30 vezes mais que os encontrados num ônibus espacial.

“É a história da catedral”, disse Moses durante uma visita. “Juntamos os melhores físicos, engenheiros, o melhor da indústria e dos institutos acadêmicos. Não é sempre que você tem essa oportunidade e consegue realizá-la”.

Em fevereiro, a NIF disparou seus 192 raios de luz, em sua câmara-alvo, pela primeira vez, e hoje tem o laser mais poderoso do mundo – além do maior instrumento ótico já construído. Porém, aumentar suas energias ao ponto de ignição pode levar um ano ou mais de experimentos, além de, como os próprios funcionários reconhecem, ser desencorajador e até mesmo impossível.

Por essa razão, os céticos consideram a NIF uma enorme desilusão que vem desperdiçando preciosos recursos em tempos de dificuldade econômica. Os funcionários reconhecem que simplesmente operá-la custará US$140 milhões por ano. Alguns desconfiados a chamam de NAIF, sigla em Inglês para Instalação Nacional de Quase Ignição.

Até mesmo os defensores do projeto são cautelosos. “Eles fizeram progressos”, disse Roy Schwitters, físico da Universidade do Texas e líder de uma equipe federal que recentemente avaliou as possibilidades da NIF. “A ignição pode ser eventualmente possível. Mas ainda há muito a aprender”.

Moses, mesmo sem oferecer nenhuma garantia, argumentou que qualquer esforço grandioso envolve riscos e que a aposta valia a pena, graças a suas potenciais recompensas.

Ele disse que a NIF, caso seja bem sucedida, ajudaria a manter confiáveis as armas nucleares do país sem testes subterrâneos. Além disso, revelaria a vida oculta das estrelas e prepararia o caminho para tipos radicalmente novos de usinas de energia.

“Se a energia de fusão funcionar”, disse, “você terá, para todos os objetivos e propósitos, suprimento ilimitado de energia livre de carbono que não é geopoliticamente sensível. O que mais poderíamos querer? É um alterador do jogo”.

A NIF está para disparar seus lasers há trinta anos.

Como a consagração de uma catedral, o evento da sexta-feira no Laboratório Nacional Lawrence Livermore está programado para ser uma celebração da esperança. Funcionários dizem que aproximadamente 3.500 pessoas comparecerão. Os grandes nomes incluem Arnold Schwarzenegger, o secretário de energia Steven Chu (cujas agências financiam a NIF) e Charles Townes, um ganhador do Prêmio Nobel e pioneiro em lasers.

Em preparação na última quinta-feira, os trabalhadores lavaram janelas e plantaram flores no exuberante campus. O dia estava favoravelmente ensolarado.

Moses, também administrador de programas científicos para estudantes do colegial em seu tempo livre, interrompeu seus próprios preparativos para mostrar o complexo da NIF a um visitante.

No saguão, ele ergueu um dispositivo menor que um selo postal. É aqui que tudo começa, disse ele. Deste tipo de pequeno laser, surgem raios que ficam mais largos e brilhantes durante sua longa jornada através do labirinto de espelhos, lentes e amplificadores da NIF.

A palavra laser é um acrônimo em Inglês para amplificação da luz por emissão estimulada de radiação. Cada partícula de luz, ou fóton, é amplificado, segundo Moses, para “cerca de dez à 25ª potência” de fótons. Ou “10 milhões, milhões, milhões, milhões”.

Uma estrutura próxima exibia uma grossa placa de vidro rosa com o tamanho de uma grande placa de trânsito – o exemplo de um amplificador. A NIF possui 3.200 no total. Moses disse que o grande passo ocorria quando tubos de flash gigantes – como o de uma câmera fotográfica, com seis pés de comprimento e num total de 7.680 – brilham em uníssono para estimular o vidro rosa. Fótons laser então passam através destes, o que gera cascatas de descendentes, tornando o facho muito mais forte com essa amplificação acontecendo repetidamente.

Fótons se movendo no ritmo um do outro são capazes de tornarem a luz laser brilhante, concentrada e, em alguns casos, potente.

Moses pegou o modelo de uma cápsula de combustível hidrogênio. Ela tinha dois milímetros de largura, ou menos de um décimo de polegada.

“Isso se aquece”, disse. “A cápsula explode para dentro a um milhão de milhas por hora, se movendo dessa forma por cerca de cinco bilionésimos de segundo. Ela fica com o diâmetro de seu cabelo. Ela fica pequena, tão rápido, que você atinge temperaturas onde se torna viável o início da fusão – aproximadamente 100 milhões de graus centígrados, ou 180 milhões Fahrenheit”.

Redes para cabelo, capacetes e óculos de segurança foram colocados antes de entrarmos na NIF. Passos repetidos em almofadas pegajosas removeram a sujeira dos sapatos. A poeira é o veneno da NIF, explicou Moses. Ele pode arruinar a ótica e os experimentos. Ele contou que a câmara-alvo, com 33 pés de largura, foi limpa a algo próximo do vácuo, quase como o espaço – um vazio onde a luz pode se mover praticamente sem impedimentos.

Moses disse que a equipe disparou o laser somente à noite, e realizou manutenção e atualizações de equipamentos durante o dia. “Esta é uma instalação que funciona 24 horas por dia”, completou.

Na noite anterior, o laser havia sido disparado numa tentativa de aprimorar a coordenação e o tempo. Os 192 raios precisam atingir o alvo o mais simultaneamente possível.

Os fachos individuais, disse ele, precisam chegar “num intervalo de alguns trilionésimos de segundo” um do outro para que o combustível queime. Eles devem ser apontados ao alvo com uma precisão de “metade do diâmetro de seu cabelo”.

A sala de controle, modelada segundo o controle de missões da NASA, em Houston, estava zunindo de atividade, embora alguns terminais estivessem desocupados. Telefones tocavam. Radiotransmissores estalavam. A contagem regressiva para disparar os lasers, segundo Moses, levava três horas e meia, com o processo “principalmente nas mãos de computadores”.

O plano de operações para a NIF, ele acrescentou, é conduzir de 700 a 1.000 disparos de laser por ano, com cerca de 200 dos experimentos focados em ignição. Não há perigo de uma rajada desgovernada, explica. A fusão trabalha por calor e pressão, e não através de reações em cadeia. Além disso, o combustível é minúsculo, e o flash laser é extraordinariamente curto. Durante um ano de operações, disse Moses, “as instalações estão ligadas por apenas três milésimos de segundo”. Mesmo assim, elas gerarão uma cascata crescente de dados e percepções.

Na próxima parte da visita, após mais almofadas pegajosas, estava o sagrado entre os sagrados, a sala em volta da câmara-alvo. Parecia uma sala de motores de uma aeronave de ficção científica. As linhas dos fachos – agora tubos de metal prateado preenchidos com cristais gigantes que alteravam a luz concentrada para frequências mais altas – convergiam na parede azul da câmara. Sua superfície era pontilhada de janelas prateadas, onde complexos sensores poderiam ser colocados para avaliar as pequenas rajadas.

“Quando está funcionando”, disse Moses, “há um monte de objetos no centro da câmara”.

Apesar do cartaz gigante lá fora e de sua confiante previsão, cientistas independentes afirmam que ainda não se sabe se os sensores da NIF irão detectar os raios de uma pequena estrela.

“Eu pessoalmente acho que será por pouco”, disse William Happer, um físico da Universidade Princeton que comandou pesquisas federais de energia para o primeiro presidente George Bush. “Trata-se de um sistema muito complicado. Você é dependente de muitos fatores para que isso funcione direito”.

Happer disse que um grande problema para a NIF seria atingir as simetrias exigidas em escalas de minutos. “Há muito espaço para surpresas desagradáveis”.

Os céticos afirmam que os problemas do passado podem ser um prólogo. Quando foi proposta em 1994, a máquina gigante deveria custar US$1,2 bilhão e seria terminada em 2002. Porém, os custos aumentaram e a data de término continuou sendo adiada de tal forma que o congresso ameaçou puxar o fio da tomada. Hoje, os críticos veem o atraso e o preço, de US$3,5 bilhões, como sinais de erro de cálculo.

Moses, colocado como responsável da NIF há uma década durante uma tentativa de endireitar o projeto, disse que daqui a uma década, quando a NIF tiver aberto novas fronteiras, ninguém se recordará dos passos equivocados. Ele comparou o projeto a façanhas como a viagem à Lua, a construção da bomba atômica e a invenção do avião.

“Tropeços não são incomuns quando você assume projetos de alto risco”, explicou.

Moses acrescentou que a regra do tropeço também se aplicava a catedrais.

Criado em Eastchester, perto da cidade de Nova York, ele apontou que a Cathedral Church of Saint John the Divine, no Upper West Side de Manhattan, ainda estava em construção após mais de uma década. Isso vale a pena, a despeito dos atrasos?

“É claro que sim”, disse. Assumir grandes projetos que desafiam a imaginação “é o que somos enquanto espécie”.

NIF

* Matéria [In Hot Pursuit of Fusion (or Folly)]do New York Times, no Portal G1.

[EcoDebate, 01/06/2009]

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