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Proposta de ‘cap and trade” nos EUA: O perfeito, o bom, o planeta, artigo de Paul Krugman

De certa maneira, era fácil assumir posições durante os anos Bush: os Bush e seus aliados no Congresso estavam tão decididos a levar o país na direção errada que uma pessoa de consciência limpa podia se opor a todas as iniciativas do governo.

[ The New York Times] Hoje, porém, uma coalizão um tanto instável de progressistas e centristas governa Washington, e tomar uma posição se tornou muito mais difícil. A política tende a mover as coisas em uma direção desejável, mas ficar aquém do que você esperava. E a questão passa a ser quantos compromissos, quanta diluição a pessoa está disposta a aceitar.

Haverá muito exame de consciência mais tarde este ano para os defensores da reforma do serviço de saúde. (Para mim a questão definitiva é se a legislação inclui um plano público.) Mas neste momento é a comunidade ambientalista que tem de decidir o quanto está disposta a ceder.

Se teremos uma ação real sobre a mudança climática em um momento próximo, será através de uma versão da legislação proposta pelos deputados democratas Henry Waxman, da Califórnia, e Edward Markey, de Massachusetts. Sua lei limitaria os gases do efeito estufa ao exigir que os poluidores recebessem ou comprassem licenças de emissão, com o número de licenças disponíveis – o limite, ou o “cap” do sistema de “cap and trade” – gradualmente diminuindo ao longo do tempo.

É desnecessário dizer que os suspeitos habituais da direita denunciaram a Waxman-Markey: o aquecimento global não é real, os limites de emissões vão destruir a economia, blablablá. Mas a lei também enfrenta a oposição de alguns ambientalistas, que rejeitam os compromissos que os patrocinadores fizeram para obter apoio político.

Então a lei Waxman-Markey – cujo texto foi divulgado na semana passada – é boa o suficiente?

Bem, Al Gore elogiou o projeto e pretende organizar uma campanha popular em seu favor. Várias organizações ambientalistas, que vão da Liga de Eleitores Conservacionistas ao Fundo de Defesa Ambiental, também deram um forte apoio.

Mas o Greenpeace declarou que “não pode apoiar esta lei em seu estado atual”. E algumas figuras influentes ligadas ao meio ambiente – notadamente James Hansen, o cientista da Nasa que foi o primeiro a chamar a atenção do público para o aquecimento global – se opõem a toda a ideia do “cap and trade” [o comércio de créditos de emissões], defendendo em vez disso um imposto de carbono.

Eu estou com Gore. A legislação que está na mesa hoje não é a lei que queremos idealmente, mas é a que podemos conseguir – e é imensamente melhor que nenhuma lei.

Uma objeção – a alegação de que os impostos de carbono são melhores que os créditos está, na minha opinião, simplesmente errada. Em princípio, os impostos sobre emissões e as licenças de emissões negociáveis são igualmente eficazes para limitar a poluição. Na prática, o “cap and trade” tem algumas vantagens importantes, especialmente para se alcançar uma cooperação internacional efetiva.

Não querendo ser muito detalhista, imagine como seria difícil verificar se a China está realmente implementando sua promessa de taxar as emissões de carbono, ou está deixando que os donos de fábricas com as conexões certas escapem dessa obrigação. Em comparação, seria razoavelmente fácil determinar se a China está mantendo suas emissões totais abaixo dos níveis acordados.

A objeção mais séria à lei Waxman-Markey é que ela define um sistema sob o qual muitos poluidores não teriam de pagar pelo direito de emitir gases do efeito estufa – eles conseguiriam suas licenças de graça. Particularmente, nos primeiros anos de operação do programa, mais de um terço das licenças de emissão seria distribuída sem custo para a indústria energética.

Hoje essas distribuições não minariam a eficácia da política. Mesmo quando os poluidores conseguem licenças grátis eles ainda têm um incentivo para reduzir suas emissões, de modo que possam vender seus créditos para outros. Isso não é apenas teoria: as licenças de emissões de dióxido de enxofre são alocadas para as companhias de eletricidade sem custo, mas o sistema de venda de créditos para o SO2 teve grande sucesso no controle da chuva ácida.

Mas distribuir licenças de emissão, na verdade, transfere a riqueza dos contribuintes para a indústria. Por isso se você desejava um programa limpo, sem grandes recompensas políticas, a Waxman-Markey é uma decepção.

Mas a lei ainda representa uma grande ação para conter a mudança climática. Como indicou o Centro para o Progresso Americano em 2020, a legislação teria o mesmo efeito sobre o aquecimento global quanto tirar 500 milhões de carros das ruas. E segundo todos os relatos este projeto tem uma chance verdadeira de se tornar lei em um futuro próximo.

Por isso os adversários da legislação proposta têm de se perguntar se estão fazendo do perfeito o inimigo do bom. Eu acho que estão.

Depois de todos os anos de negação, depois de todos os anos de inação, finalmente temos a oportunidade de fazer algo importante sobre a mudança climática. A lei Waxman-Markey é imperfeita, é decepcionante em certos aspectos, mas é a ação que podemos tomar hoje. E o planeta não vai esperar.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Paul Krugman: Professor de Princeton e colunista do New York Times desde 1999, Krugman venceu o prêmio Nobel de economia em 2008

Artigo do New York Times, no UOL Notícias.

[EcoDebate, 22/05/2009]

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