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Aplicação no Brasil da vacina contra gripe com a composição recomendada para o hemisfério Norte poderia dobrar a eficiência da ação contra o vírus

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(foto: CDC)

Aplicação tardia – A cada ano, desde 1999, com base em previsões de quais cepas dos vírus influenza deverão circular na estação seguinte, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda uma vacina contra a gripe com uma composição específica para o hemisfério Sul e outra para o hemisfério Norte.

Mas, de acordo com um estudo realizado por pesquisadores brasileiros e norte-americanos, se a recomendação para o hemisfério Norte fosse adotada também no Brasil, a eficiência da vacina poderia ser duas vezes maior. E isso não apenas nas áreas mais próximas ao Equador, mas até mesmo para cidades localizadas mais ao sul, como São Paulo.

O trabalho, liderado pelo brasileiro Wladimir Alonso, pesquisador do Centro Internacional Fogarty, dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês) dos Estados Unidos, foi publicado em abril na revista PLoS One. O estudo foi feito com base em simulações do sucesso da vacinação sob diferentes cenários hipotéticos.

De acordo com Alonso, os dados utilizados para a projeção foram obtidos nos centros de vigilância sanitária da OMS localizados em Belém e em São Paulo.

“Os resultados nos surpreenderam, mas eles mostram que, provavelmente, para aumentar a eficiência da vacina contra gripe no Brasil teremos que alterar o timing da vacinação, aplicando-a aqui na época recomendada para o hemisfério Norte”, disse à Agência FAPESP.

A gripe, causada por diversos tipos do vírus influenza, espalha-se por diversas regiões do mundo de forma sazonal. A alta taxa de mutação dos vírus dificulta seu reconhecimento pelo sistema imune e, por isso, as composições das vacinas precisam ser atualizadas anualmente, a partir de previsões de quais cepas dos vírus deverão circular na estação seguinte.

“Quando se fabrica uma vacina, colocam-se três tipos de cepas diferentes – dois do influenza A e um do influenza B. Para isso, o que se faz é uma espécie de exercício de profecia: um painel de especialistas, representantes desses centros da OMS, estuda e emite recomendações periódicas indicando as cepas virais que poderão circular com mais força dentro de seis meses – esse é o tempo necessário para produzir a vacina”, explicou Alonso.

Como o vírus tende a se propagar com mais força no inverno e essa estação tem uma defasagem de seis meses entre os dois hemisférios, a OMS decidiu fazer duas recomendações diferentes para cada um deles.

“Inicialmente, estávamos interessados em aprofundar o conhecimento sobre a circulação do vírus na América do Sul. Publicamos dados que mostram que a gripe parece circular primeiro na região do Equador e, mais tarde, no sul. Queríamos aprofundar essa hipótese e entramos em contato com os diretores dos centros da OMS. Ao fazer as análises, plotamos as amostras de acordo com as datas de vacinação e verificamos quando foi coletada cada cepa viral”, explicou.

As análises feitas a partir das amostras enviadas pelos centros ao laboratório de Alonso mostraram que quando a vacina era aplicada, já havia uma circulação importante do vírus da gripe. Para os pesquisadores, isso indica que seria proveitoso começar a vacinação com antecedência no Brasil – possivelmente entre setembro e novembro, em vez da aplicação feita atualmente pouco antes do inverno, no fim de abril.

“Em seguida, comparamos diferentes cenários a fim de verificar o que ocorreria se a vacina fosse aplicada com antecedência. O problema é que essa não é uma possibilidade real, já que elas ficam prontas meses mais tarde. Por isso fizemos um exercício hipotético, aplicando, no Brasil, a composição do hemisfério Norte, ao mesmo tempo em que ela era aplicada por lá”, disse.

Comportamento diferenciado

Ao comparar as cepas encontradas no Brasil e o momento em que elas circulam, os pesquisadores perceberam que o acerto com a recomendação para o Hemisfério Norte seria maior do que o normalmente obtido com a vacina recomendada para o Brasil. “Tivemos praticamente o dobro de acertos”, afirmou.

O pesquisador explica que, por ter a maior parte do território localizado na região tropical, o Brasil não conta com estações tão bem definidas como as de alguns países ao norte, ou de outros concentrados em regiões mais meridionais, como o Chile e a Argentina. Essa característica pode alterar a circulação do vírus.

“Pelo que vimos até agora, inclusive a partir de outros estudos feitos em países como a Índia, a gripe não se comporta da mesma forma nos trópicos e nas regiões temperadas. O momento da propagação não é tão bem situado no inverno. Para caracterizar isso, utilizamos dados coletados em duas cidades localizadas nos dois extremos da região tropical – Belém, próxima ao Equador, e São Paulo, situada no trópico de Capricórnio”, disse Alonso.

Segundo o cientista, a partir dessa pesquisa duas linhas de estudos se tornam necessárias. “Precisamos saber o que está ocorrendo em outras regiões tropicais do mundo, como a África e, paralelamente, estudar o cenário em outras regiões sul-americanas mais afastadas do Equador”, disse.

Além de Alonso, participaram do estudo Wyller Alencar de Mello e Mirleide Cordeiro dos Santos, do Instituto Evandro Chagas (IEC), em Ananindeua (PA), Terezinha Maria de Paiva, Maria Akiko Ishida e Margarete Aparecida Benega, do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, e Cécile Viboud e Mark Miller, do Centro Internacional Fogarty, nos Estados Unidos.

O artigo “The dilemma of influenza vaccine recommendations when applied to the tropics: The Brazilian case examined under alternative scenarios“, de Wladimir Alonso e outros, publicado na PLos ONE, pode ser lido aqui.

Para maiores informações transcrevemos, abaixo, o abstract:

The Dilemma of Influenza Vaccine Recommendations when Applied to the Tropics: The Brazilian Case Examined Under Alternative Scenarios

Wyller Alencar de Mello1, Terezinha Maria de Paiva2, Maria Akiko Ishida2, Margarete Aparecida Benega2, Mirleide Cordeiro dos Santos1, Cécile Viboud3, Mark A. Miller3, Wladimir J. Alonso3*
1 Evandro Chagas Institute (IEC), WHO Global Influenza Surveillance Network (GISN), Secretary of Surveillance in Health, Brazilian Ministry of Health, Ananindeua, Para, Brazil, 2 Adolfo Lutz Institute (IAL), WHO Global Influenza Surveillance Network (GISN), Secretary of Health of São Paulo State, Brazilian Ministry of Health, São Paulo, São Paulo, Brazil, 3 Fogarty International Center, National Institutes of Health, Bethesda, Maryland, United States of America
Abstract Top

Since 1999 the World Health Organization issues annually an additional influenza vaccine composition recommendation. This initiative aimed to extend to the Southern Hemisphere (SH) the benefits—previously enjoyed only by the Northern Hemisphere (NH)—of a vaccine recommendation issued as close as possible to the moment just before the onset of the influenza epidemic season. A short time between the issue of the recommendation and vaccine delivery is needed to maximize the chances of correct matching between putative circulating strains and one of the three strains present in the vaccine composition. Here we compare the effectiveness of the SH influenza vaccination adopted in Brazil with hypothetical alternative scenarios defined by different timings of vaccine delivery and/or composition. Scores were based on the temporal overlap between vaccine-induced protection and circulating strains. Viral data were obtained between 1999 and 2007 from constant surveillance and strain characterization in two Brazilian cities: Belém, located at the Equatorial region, and São Paulo, at the limit between the tropical and subtropical regions. Our results show that, among currently feasible options, the best strategy for Brazil would be to adopt the NH composition and timing, as in such case protection would increase from 30% to 65% (p<.01) if past data can be used as a prediction of the future. The influenza season starts in Brazil (and in the equator virtually ends) well before the SH winter, making the current delivery of the SH vaccination in April too late to be effective. Since Brazil encompasses a large area of the Southern Hemisphere, our results point to the possibility of these conclusions being similarly valid for other tropical regions.

Citation: Mello WAd, Paiva TMd, Ishida MA, Benega MA, Santos MCd, et al. (2009) The Dilemma of Influenza Vaccine Recommendations when Applied to the Tropics: The Brazilian Case Examined Under Alternative Scenarios. PLoS ONE 4(4): e5095. doi:10.1371/journal.pone.0005095

Editor: Matthew Baylis, University of Liverpool, United Kingdom

Received: August 8, 2008; Accepted: March 6, 2009; Published: April 8, 2009

This is an open-access article distributed under the terms of the Creative Commons Public Domain declaration which stipulates that, once placed in the public domain, this work may be freely reproduced, distributed, transmitted, modified, built upon, or otherwise used by anyone for any lawful purpose.

Funding: The research was performed with funds from the 1) National Institutes of Health, Fogarty International Center, United States of America (WA, MM, CV); 2) Secretariat of Health of the Estate of São Paulo, Brazil, and the Brazilian Ministry of Health for the researchers of the Adolfo Lutz Institute (TP, MI, MB); and 3) Ministry of Health of Brazil for the researchers of the Evandro Chagas Institute (WM, MS). The collection of data in Brazil (supporting the work of researchers from institutions 2 and 3) was also made possible by funds from the Center of Diseases Control (USA) and the World Health Organization. The funders mentioned in case 1 above had a role in the study design, analysis, and preparation of the manuscript, while funders of cases 2 and 3 had a role in data collection.

Competing interests: The authors have declared that no competing interests exist.

* E-mail: alonsow{at}mail.nih.gov

[* **]

Matéria de Fábio de Castro, da Agência FAPESP, com informações complementares do EcoDebate.

[EcoDebate, 12/05/2009]

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