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Notícia

Nem o leite materno escapa de contaminação pelas bifenilas policloradas (PCB)

Pesquisadora coletou 200 amostras em nove estados brasileiros; acúmulo de PCB é maior em São Paulo
Pesquisadora coletou 200 amostras em nove estados brasileiros; acúmulo de PCB é maior em São Paulo

Se já não bastassem a poluição do ar, dos solos, dos alimentos e da água, o leite materno revela-se também passível de contaminação pelas bifenilas policloradas (PCB), que são compostos organoclorados sintéticos. O leite materno é considerado o alimento mais completo do ponto de vista nutricional, já que sua composição é tida como essencial para o bom desenvolvimento físico e mental dos recém-nascidos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que todas as crianças sejam alimentadas exclusivamente com o leite materno até os quatro ou seis meses de idade.

Essa alimentação exclusiva em uma fase em que alguns órgãos ainda estão em desenvolvimento torna os recém-nascidos o segmento da população mais vulnerável aos PCB, explica a pesquisadora Cláudia Hoffmann Kowalski Schröder, que acaba de apresentar tese ao Departamento de Ciência de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) da Unicamp, orientada pela professora Helena Teixeira Godoy e co-orientada pelo professor Fabio Augusto do Instituto de Química (IQ) da Unicamp. Na sua pesquisa, Cláudia avalia a contaminação do leite materno brasileiro por PCB e propõe metodologia analítica para sua determinação.

O estudo objetivou um conhecimento mais amplo dessa problemática no Brasil. Para tanto, 200 amostras de leite foram coletadas em Bancos de Leite Humano (BLH) de nove estados brasileiros, e questionários contendo 35 perguntas sobre hábitos alimentares, condições socioeconômicas, locais de habitação, entre outras, foram aplicados às mães que concordaram em participar da pesquisa. Os resultados obtidos na análise das amostras e os dados extraídos dos questionários, devidamente correlacionados através de técnicas adequadas, levaram à constatação de que em cidades metropolitanas o acúmulo de PCB no leite materno é mais expressivo que em outras regiões, a exemplo de São Paulo, onde 58% das amostras se revelaram contaminadas. Outra conclusão é a de que o leite maduro, que passa a ser liberado entre a 2º e a 3º semanas de amamentação e possui maior porcentagem de gordura, é o mais contaminado.

O estudo mostrou ainda que o primeiro filho normalmente recebe dose maior de PCB dos que o sucedem, o que sugere um efeito cumulativo dessas substâncias no organismo ao longo dos anos. Os resultados mostram também que os maiores índices de contaminações verificaram-se no leite de mães que moram nas proximidades de indústrias ou rios poluídos, comprovando que esses compostos chegam facilmente ao meio ambiente e em seguida aos seres humanos.

Características

Os PCB têm uma estrutura básica constituída por dois anéis benzênicos interligados em que átomos de cloro podem substituir átomos de hidrogênio nas dez posições indicadas (veja figura nesta página). Teoricamente, dependendo do numero de átomos de cloro que substituem os átomos de hidrogênio e de suas posições relativas, 209 congêneres são possíveis, mas somente 130 deles foram sintetizados para uso comercial.

O sucesso tecnológico desses produtos deve-se à diversidade de usos conferidos pelas suas notáveis propriedades químicas e físicas: não-inflamáveis, pouco reativos, termicamente estáveis e alta resistência elétrica, características que os fizeram amplamente empregados como fluidos dielétricos em transformadores e capacitores, fluidos hidráulicos, retardadores de fogo e isolantes térmicos. Foram também usados na composição de graxas e óleos lubrificantes, tintas, papeis copiativos sem carbono, tintas de impressão e pesticidas.

Sua produção em escala comercial teve início em 1930 em empresas como a Monsanto, Bayer entre outras. Em 1966 esses compostos foram detectados pela primeira vez no meio ambiente e já na década de 70 sua produção e uso foram restritos e banidos na Europa e Estados Unidos. Até 1993, ano em que sua produção mundial foi interrompida, mais de 1,3 milhão de toneladas de PCB foram produzidas.

A pesquisadora Cláudia Hoffman Kowalski Schöder: desenvolvimento de metodologias analíticas para determinar a presença de PCB. (Foto: Antonio Scarpinetti)
A pesquisadora Cláudia Hoffman Kowalski Schöder: desenvolvimento de metodologias analíticas para determinar a presença de PCB. (Foto: Antonio Scarpinetti)

A comercialização do PCB no Brasil foi proibida pela Portaria 19 de 29 de janeiro de 1981, mas seu uso é tolerado em equipamentos em funcionamento até que sejam desativados ou substituídos. No estado de São Paulo a lei nº 12.288, de 22 de fevereiro de 2006, determina a eliminação de todos os equipamentos com PCB até o ano de 2020.

Os PCB chegaram ao meio ambiente pela deposição intencional ou acidental em solos, rios, lagos e aterros sanitários de óleos, detritos contaminados ou artefatos como antigos transformadores e capacitores. Ocorre também volatilização a partir dos locais de produção, uso e armazenamento e ainda durante o processo de incineração de lixo urbano que contenha artefatos ou detritos contaminados por PCB. Nos seres humanos, a contaminação pode ocorrer por inalação, contato com a pele e principalmente por ingestão de alimento contaminado.

Os PCB foram incluídos entre os dez poluentes com maior potencial de biotoxicidade e compõem a lista dos doze poluentes prioritários do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que tem como escopo a redução e a eliminação de poluentes orgânicos persistentes de elevada toxicidade. Encontram-se disseminados como poluentes do ar, da água, do solo e dos alimentos. São hidrofóbicos – e por isso não se unem às moléculas da água; lipofílicos – o que os levam a se unirem a partículas de gorduras; semivoláteis – o que facilita a sua disseminação no ar; e quimicamente inertes e altamente persistentes – o que lhes garante extenso poder de contaminação face ao tempo em que permanecem na natureza. Além disso, são bioacumulados ao longo da cadeia alimentar, sendo o homem e os animais superiores os seres vivos mais contaminados.

Devido à sua natureza lipofílica, no caso das mulheres, ocorre um maior acúmulo desses compostos nas glândulas mamárias, e consequentemente, nos recém-nascidos por elas amamentados. A concentração encontrada no leite materno é, em média, de quatro a dez vezes maior do que aquelas detectadas no sangue. Assim sendo, afirma Cláudia , “vale lembrar que mesmo antes do nascimento, o recém-nascido já é contaminado pela transferência dos PCB através da placenta”.

Estrutura das bifenilas policradas, numeradas as dez posições passíveis de substituição por cloro
Estrutura das bifenilas policradas, numeradas as dez posições passíveis de substituição por cloro

Em vista disso, as crianças estão expostas a esses contaminantes antes do nascimento e à contaminação contínua através do leite das mães. Como conseqüência podem apresentar calcificação anormal do crânio, pigmentação escura da pele e das membranas mucosas, hiperplasia gengival, baixo peso, anemia, crescimento reduzido e baixo QI. Além disso, as crianças com maiores níveis de PCB no organismo estarão mais propensas a problemas hepáticos, à imunossupressão, a neuropatias e ao aumento de risco de melanoma maligno, distúrbios respiratórios e do sistema nervoso central, alterações imunológicas e endócrinas. Muitos desses efeitos puderam ser constatados nas vítimas de dois acidentes ocorridos no Japão e Taiwan, onde cerca de 3900 pessoas foram contaminadas após o consumo de óleo de arroz contendo concentrações altíssimas de PCB.

Importância da pesquisa

Cláudia lembra que a partir de 1970 surgiram as primeiras legislações restringindo o uso desses produtos, mas até hoje muitos países não estabeleceram restrições. Atualmente, nos países que realizam rigoroso controle, os limites máximos (LMR) permitidos para a soma dos PCB no leite materno variam de 20 a 60 µg kg-1. No Brasil, não há legislação especifica para os níveis desses compostos no leite materno. Estudos feitos com outros alimentos levaram a maioria dos países a estabelecer como LMR para a soma de PCB a concentração de 200 a 300 µg kg-1, a exemplo de carnes e pescados. O Brasil também está se adequando a essas normas internacionais já que a exportação desses produtos pode ficar comprometida caso sejam detectados valores acima desses limites.

A pesquisadora justifica sua motivação para a pesquisa: “Os estudos que existiam no Brasil sobre esse tema eram localizadas e pontuais. Além disso, devido às características dos PCB, imaginávamos que mães que habitassem em regiões altamente industrializadas ou próximas à costa brasileira poderiam apresentar maiores contaminações por PCB. Por isso decidimos trabalhar com amostras de varias regiões do Brasil para poder compará-las, como São Paulo – bairros de Belenzinho e Santo Amaro -, Vitória (ES), Florianópolis (SC), Rio Branco (AC), Curitiba (PR), Natal (RN), Araxá (MG) e São Luiz (MA). Com efeito, na região de São Paulo, cerca de 58% das amostram analisadas estavam contaminadas, seguindo-se Vitória e Florianópolis. Já em Rio Branco, Araxá e São Luís nenhuma amostra apresentou contaminação”.

A pesquisa mostrou também que o colostro e o leite de transição liberados nas primeiras semanas de amamentação – que possuem mais proteínas e menos gorduras – apresentaram menor contaminação que o leite maduro – que contém cerca de 4% de gordura – o que corrobora estudos já realizados em outros países.

Outra constatação é a de que as mães que amamentam pela primeira vez apresentavam o leite mais contaminado do que as mais que amamentaram outras vezes, o que comprova o efeito cumulativo do PCB no organismo da mãe ao longo da sua vida. Verificou-se, ainda, que quanto maior o tempo entre as primeira e segunda gestações, maior o re-acúmulo de PCB no leite.

Ferramentas

Cláudia considera que um dos elementos fundamentais para a realização do trabalho foi o emprego da técnica de Micro-Extração em Fase Sólida (SPME) que utiliza pequena quantidade da amostra, o que foi fundamental porque muitas vezes as amostras que chegavam continham somente alguns mL de leite. Ela lembra que essa técnica, apesar de bastante difundida, não tinha ainda sido utilizada para a pesquisa desses compostos no leite materno no Brasil.

A pesquisadora explica as inovações que a nova metodologia exigiu: “Parti do zero para determinar as melhores condições de temperatura, tempo e efeito de solventes para a extração dos doze principais PCB presentes no leite. Para conseguir uma condição ótima, lancei mão de um tratamento quimiométrico conhecido como neuro-genético. Foram essas ferramentas que possibilitaram chegar a bons resultados para os doze compostos analisados. Além disso, essas ferramentas nos possibilitaram correlacionar os dados obtidos nas análises cromatográficas com os dados obtidos nos questionários e chegar às conclusões já mencionadas, o que seria impossível diante da multiplicidade e diversidade dos dados disponíveis”.

Em relação à situação encontrada nas varias regiões do Brasil, mesmo naquelas que apresentam maiores índices de PCB no leite materno, Claudia considera os índices ainda baixos, o que não inviabiliza a utilização do leite materno e não impõe sua substituição por qualquer outro tipo de alimento. Esclarece ainda que com a produção dos PCB foi interrompida em 1993 e alguns países o baniram definitivamente a partir de 1970, se tem ainda um efeito residual e daí a necessidade de se manterem controles rígidos.

Os estudos desenvolvidos por Cláudia a levaram a iniciar um projeto de dois anos no Ministério da Agricultura com o objetivo de desenvolver metodologias analíticas para determinar a presença de PCB e pesticidas em matrizes como gordura animal, leite, mel e pescados, para que o Brasil possa ter um controle maior sobre esses produtos e assim evitar problemas na exportação para países da Comunidade Européia e Estada Unidos. Ela espera ainda que o trabalho possa começar a despertar no Brasil a preocupação pelo estabelecimento de legislações mais rígidas de controle de vários produtos alimentícios, inclusive do alimento mais rico e necessário para nossos recém-nascidos: o leite materno.

Matéria de Carmo Gallo Netto, do Jornal da Unicamp, ANO XXIII – Nº 423

[EcoDebate, 25/03/2009]

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