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Gases de Efeito Estufa: Emissão nos EUA precisa cair mais depressa do que propôs Obama, dizem especialistas

emissões CO2

No orçamento que enviou ao Congresso dos EUA, o presidente Barak Obama estabeleceu metas de redução de emissões de gases de efeito estufa — uma mudança de 180 graus em relação à política de seu antecessor, George W. Bush. As metas, estabelecidas no texto que acompanha o orçamento, são de redução de 14% das emissões de gás carbônico até 2020 e de 83% até 2050, em relação aos níveis de 2005. O orçamento também prevê recursos para a elaboração de um inventário de emissões de gases estufa e a realização de leilões de direitos para emissões, que vão penalizar quem não as diminuir e gerar, segundo o texto, US$ 650 bilhões em dez anos. Com esses recursos, o governo Obama pretende recompensar quem as reduzir e financiar o desenvolvimento de novas tecnologias. Matéria de Janaína Simões, do Inovação UNICAMP.

Durante workshop na sede da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Inovação conversou sobre as metas propostas por Obama com o climatologista Carlos Nobre e o físico José Goldemberg. Ambos consideraram as metas insuficientes para conter o aquecimento global no prazo que julgam necessário. Sobre a passagem do discurso ao Congresso, quando a decisão de reduzir emissões foi mencionada pelo presidente sem o estabelecimento de metas, Inovação ouviu Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp, e Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás e atual diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ).

Críticas à meta de curto prazo

Carlos Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e presidente do comitê gestor do programa de pesquisa sobre mudanças climáticas da Fapesp, diz que a meta de curto prazo, para 2020, já havia sido “uma decepção global” quando circulou entre interessados, extraoficialmente, logo depois da eleição de Obama: a meta estabelecida no orçamento toma como base os níveis de emissões de 2005 e não de 1990, como a adotada pela União Europeia. Dessa forma, o corte que os norte-americanos farão em suas emissões será, na verdade, muito menor, pois o país emitiu mais em 2005 do que em 1990. “A meta de 2020 significa, basicamente, que voltarão a emitir nos padrões das emissões de 1990. É insuficiente”, explica Nobre.

O cientista afirma ser necessário que as emissões globais comecem a diminuir até 2015, no máximo. Para isso acontecer, os EUA, campeões mundiais de emissões, devem acelerar o ritmo dos cortes. A meta apresentada no orçamento para 2020, de redução de 14% em relação a 2005, levaria o máximo das emissões para depois de 2020, “num futuro incerto que logicamente depende também das reduções de emissões dos países em desenvolvimento”, disse o pesquisador a Inovação. “Os EUA têm obrigação de reduzir em 20% as emissões em relação ao que foi emitido em 1990 até 2020, o que ainda será insuficiente. Não pode ser menos do que isso”, critica.

José Goldemberg também considera decepcionante a meta de 2020 estabelecida por Barak Obama. O físico, que ganhou em 2008 o prêmio Blue Planet, uma espécie de Nobel do meio ambiente, afirma que “o grupo de países que tem dado o melhor exemplo em relação à redução de emissões é o da União Européia”. Ele alega o mesmo problema apontado por Carlos Nobre, do Inpe: a proposta de Obama é inferior à meta europeia por tomar 2005 como ano-base, período em que os EUA emitiram mais carbono do que em 1990. “No entanto, eles podem alegar que estão chegando tarde e têm muito a fazer”, acrescenta. Para Goldemberg, a iniciativa de propor metas de redução é um sinal positivo. “Na medida em que os EUA cumprirem a primeira das metas, para 2020, vão passar um sinal muito importante para o mundo”, diz o professor emérito da Universidade de São Paulo (USP).

Meta de longo prazo

A meta de longo prazo, de redução de 83%, também foi classificada como insuficiente por Nobre pelo fato de tomar 2005 como base. “Para atingirmos metas que garantam que a temperatura não aumente mais do que dois graus, precisamos reduzir as emissões globais em 80% em relação ao que emitimos hoje”, diz.

A adoção de índices menores de redução por parte dos EUA, na visão do climatologista do Inpe, criaria um impasse em relação aos países em desenvolvimento, que teriam de compensar a menor redução dos norte-americanos fazendo políticas mais restritivas. “A posição dos EUA não dá aos países em desenvolvimento a oportunidade de adotar um ritmo diferenciado de redução de emissões. Para atingir a meta de 80% de redução das emissões globais em relação às de hoje, os países desenvolvidos têm de reduzir suas emissões acima de 90%, senão os países em desenvolvimento terão de fazê-lo na mesma proporção, o que não é razoável esperar dessas nações”, comenta Nobre.

“Portanto, por mais próxima que seja de uma meta desejável, diminuir o risco futuro, de fato, exige quase uma ‘descarbonização’ completa dos países desenvolvidos”, completa o pesquisador do Inpe. Descarbonizar, no jargão dos especialistas, significa não emitir carbono para a atmosfera e depende do desenvolvimento de tecnologias, como enterrar o gás ou promover seu sequestro biológico. Com a descarbonização, os países em desenvolvimento teriam margem para aumentar um pouco suas emissões — o que lhes daria a possibilidade de crescer economicamente e depois estabelecer metas mais restritivas de redução. “Não é factível que esses países façam isso [reduzam as emissões] ao mesmo tempo em que os países desenvolvidos, porque historicamente emitiram muito menos. Não se pode esperar que eles reduzam na mesma proporção, velocidade e tempo que os desenvolvidos”, acrescenta.

Aumento da eficiência energética e etanol do Brasil

Em relação às tecnologias e ao prazo para desenvolvê-las com o objetivo de cumprir as metas estipuladas, Carlos Nobre e José Goldemberg dizem o mesmo: a medida imediata mais fácil de ser tomada é o aumento da eficiência no uso da energia. “Para um país em que o consumo per capita é muito elevado, como os EUA, a grande contribuição virá da eficiência energética e aí a tecnologia está pronta, na prateleira”, diz Goldemberg. “Para combustíveis líquidos eles terão problemas, porque a hidrólise enzimática está demorando”, acrescenta. Goldemberg refere-se aqui à tecnologia para obter etanol a partir de resíduos agrícolas, que ainda não alcançou viabilidade comercial. O etanol de milho, usado atualmente nos EUA para adição à gasolina, é caro e fortemente subsidiado; além disso, para sua produção, o gasto energético é equivalente à energia que ele consegue gerar.

“Os Estados Unidos importam 60% do petróleo que utilizam, ou seja, eles dependem extraordinariamente de eventos que ocorrem fora do seu controle. Há muito tempo que muitas pessoas nos EUA acham que seu sistema de energia precisa ser reorganizado, e a crise abre uma grande oportunidade para isso”, destaca José Goldemberg. “Claro que, de imediato, os EUA vão se preocupar com geração de empregos, essa vai ser a primeira prioridade, mas logo o sistema vai continuar a crescer de novo e é preciso se preparar para que cresça em bases mais sólidas. É isso que o presidente Obama está fazendo”, aponta.

“Tenho defendido que os EUA e os países europeus devem se conscientizar de que precisam importar etanol do Brasil e de outros países que produzem o combustível com mais eficiência. Enquanto isso, medidas de curto alcance devem ser tomadas”, defende. Goldemberg destaca ainda a questão econômica envolvendo as energias limpas. “Energias renováveis geram mais emprego do que as fontes convencionais. Para produzir um barril de álcool no Brasil gera-se 60 vezes mais emprego do que para produzir um barril de petróleo”, diz, sem citar a fonte da informação. “Isso dá um viés, um ângulo econômico poderoso para esses desenvolvimentos nos Estados Unidos. É um argumento para enfrentar a crise também”, aponta.

Já para Nobre, o aumento da eficiência energética poderia responder por cerca de 20% da meta traçada pelos EUA no longo prazo. O resto só poderá ser obtido com o uso de tecnologias sofisticadas para descarbonização e substituição da energia fóssil pela renovável. Ele também destaca a necessidade de revisão dos padrões de produção e consumo das populações, com foco na redução do consumo per capita de energia. “Em países como EUA, Canadá, esse consumo é exagerado, não há nenhuma relação entre o consumo e a qualidade de vida da população. A Europa tem uma qualidade de vida, em média, melhor do que a dos EUA e consome metade da energia, quando olhamos o índice per capita”, compara o cientista do Inpe. “Essa é uma mudança comportamental lenta, que tem de ser induzida.”

Mecanismo de mercado

Sobre a criação de um mercado interno de permissões para emitir, também prevista no orçamento, Goldemberg lembra que medida semelhante foi adotada pelos EUA, com sucesso, para redução de dióxido de enxofre na atmosfera e diminuição da poluição — na década de 1970. Essa experiência, pioneira no mundo, deu inicio à adoção de sistemas de metas. O mercado funcionou bem no caso do enxofre, segundo o físico da USP. Já Nobre, mais pessimista, considera que a medida “ajuda, mas não resolve”. O climatologista baseia-se na experiência já em curso na Europa. “Os valores da Europa têm sido modestos, mas o mercado está sendo testado e tem potencial. O princípio é válido, mas é mais um incentivo”, afirma.

O problema, para ele, é que esse tipo de regulação pode levar a sociedade a se acomodar, a aceitar o custo de poder emitir mais para manter o padrão de vida. Ele defende mais indução por parte do governo, por meio de leis e regras. “Para esse novo padrão [de emissões] é preciso ter muito mais ações de governo. Se deixar apenas para o mercado, o tempo para que os padrões de consumo se modifiquem será grande demais. É preciso haver muita regulação e incentivo a novas tecnologias”, diz.

A repercussão do discurso no Congresso

Carlos Henrique de Brito Cruz e Luiz Pinguelli Rosa falaram a Inovação depois do discurso de Obama, mas antes da divulgação do orçamento, onde se estabeleceram as metas. O diretor da Coppe, da UFRJ, diz que “a declaração do presidente Obama vale muito, ainda mais porque os Estados Unidos até agora estiveram fora do Protocolo de Kyoto, o que foi muito ruim para o mundo”. Pinguelli espera que os EUA entrem agora no protocolo, mesmo que o acordo vá se encerrar em 2012, “como uma atitude simbólica semelhante a essa de declarar que vão ter uma meta”. E pede o que veio no orçamento: a concretização na forma de metas concretas.

Brito Cruz vai na mesma direção: “A afirmação do presidente Obama de que os Estados Unidos vão estabelecer um teto de emissões trouxe uma mensagem muito importante. É a reversão da política que vinha sendo implementada no governo Bush e reflete a promessa de campanha do presidente e também a indicação que ele fez para o Departamento de Energia [o físico Steven Chu]”, comenta o diretor científico da Fapesp, agência que financia um grande programa estadual de pesquisa sobre mudanças climáticas.

O físico Steven Chu é o secretário de Energia de Obama. Prêmio Nobel de Física em 1997 por sua pesquisa relacionada a métodos de esfriamento e captura de átomos com laser, ocupava, ao ser escolhido, o cargo de diretor do Laboratório Nacional Lawrence Berkeley — que tem energias renováveis como área de concentração de pesquisa. “Chu é um cientista que entende a necessidade e a importância desse tipo de restrição. Agora, resta ver com que velocidade os EUA vão conseguir fazer essa implementação”, destaca Brito, lembrando que a política norte-americana para redução de carbono é muito importante para o mundo inteiro porque a maior parte das emissões vem dos Estados Unidos.

O diretor científico da Fapesp e ex-reitor da Unicamp lembra que, mesmo durante o governo Bush — que nunca estabeleceu metas de emissões —, o país já contava com políticas estaduais para controlá-las. “O presidente Obama tem falado sobre energias renováveis, mas na verdade isso já vinha acontecendo nos EUA com a política para etanol, que vem vindo a partir do discurso sobre etanol celulósico do ex-presidente Bush”, aponta. Brito lembra que o pacote de estímulo à economia aprovado no Congresso dos EUA prevê a intensificação da pesquisa, desenvolvimento e inovação em energia alternativa e renovável “por causa de um compromisso que parece ser mais completo com a questão da redução das emissões e com o equilíbrio termodinâmico do mundo”.

Pinguelli Rosa também aponta o etanol de milho com um problema para a política energética dos EUA. Para ele, o país precisa “conseguir escapar do álcool de milho, que não adianta muito para a questão da mudança climática”. Isso porque o consumo de energia e a emissão de carbono para produção do etanol de milho são mais elevados do que, por exemplo, o consumo e emissão para produção de etanol de cana-de-açúcar. A crise, na opinião de Pinguelli, é uma oportunidade para o governo, obrigado a socorrer o sistema financeiro e as indústrias, exigir que as firmas tomem outro rumo na questão da energia, como uma contrapartida pela ajuda.

* Matéria enviada por Edililson Takara, leitor e colaborador do EcoDebate.

[EcoDebate, 05/03/2009]

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