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Artigo

Belo Monte: más notícias do FSM 2009, artigo de Rodolfo Salm

Localização da UHE Belo Monte, em imagem do Instituto Socioambiental
Localização da UHE Belo Monte, em imagem do Instituto Socioambiental

Os verdadeiros interesses por trás do projeto de represamento do Xingu, os impactos indiretos causados pela construção da Usina de Belo Monte e suas represas e a emissão de gases do efeito estufa decorrentes da putrefação de matéria orgânica nos gigantescos lagos artificiais que seriam criados (porque é ingenuidade achar que seria apenas um represamento e não vários ao longo de todo o rio) ainda são questões bastante obscuras até mesmo para os brasileiros bem informados, como os leitores do Correio da Cidadania.

Imaginem então para a população que vive na região e que seria diretamente atingida, e para o povo brasileiro de modo geral. Sendo assim, é uma pena que o Sr. Joaquim Francisco de Carvalho, após rápida e rica discussão sobre as hidrelétricas na Amazônia, tenha respondido à minha carta aberta (ver comentário postado ao fim do artigo) apenas reafirmando seu compromisso de não voltar ao tema.

Eu gostaria de saber se o compromisso do engenheiro vale só para os textos publicados no Correio ou se ele se estenderá também para artigos nos veículos da grande imprensa, onde ele escreve com freqüência e onde a defesa dos nossos pontos de vista têm pouco espaço para divulgação. De toda forma, mesmo que ele abrisse mão de escrever em aguerrida defesa da instalação de hidrelétricas na Amazônia, essa decisão não anularia o efeito nocivo dos artigos por ele já publicados, que continuarão circulando por aí. Se o Sr. Joaquim Francisco “tratou boa parte das questões” de forma privada com colaboradores do Correio, isto não tem serventia alguma para mim nem para os leitores, que não tivemos acesso às suas ponderações.

Esta semana, por exemplo, Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, publicou um artigo na Folha da S. Paulo afirmando que, segundo inventários oficiais de emissões de gases, as quatro grandes usinas que temos na Amazônia contribuem bem mais para o efeito estufa do que o fariam usinas a carvão produzindo a mesma energia. E que as usinas do Xingu seguiriam o mesmo padrão nefasto, sob o ponto de vista do aquecimento global. Estariam errados os “dados oficiais”?

Eu concordo com o senhor Joaquim Francisco quando ele diz que muitos dos críticos das barragens assumem uma postura quase que religiosa em sua oposição. Realmente, podemos até debater os detalhes, mas acho que estou entre esses críticos. Sou fundamentalmente contra o barramento do Xingu (termo merecidamente escolhido para nomear o rio e que significa a “a grande casa dos deuses” na língua indígena ancestral) e sempre serei contra esta idéia, independentemente de qualquer argumento. Pois acho que travar artificialmente o curso daquele gigante, prejudicando permanentemente toda uma incalculável cadeia ecológica interligada que depende do curso livre dessas águas e simultaneamente atraindo para esta região, ainda bastante preservada, hordas de um povo, em sua grande maioria ignorante e freqüentemente devastador, seria um imenso pecado.

Mas é bom que se diga que os defensores do desenvolvimento a todo custo também parecem fazê-lo de forma fanática e pouco racional (como agora quando um dos debatedores se recusa terminantemente a abordar um aspecto da questão). Daí se conclui que realmente, novamente concordando com o senhor Joaquim Francisco, trata-se em muitos casos de um “debate ocioso”, uma vez que sempre recuamos até pontos de princípios básicos, dos quais nenhum dos dois lados abre mão. Evidentemente que isso não significa deixar de tratar da questão das hidrelétricas. Mas é preciso definir melhor os nossos interlocutores. E a quem dirigir a nossa crítica, para que ela seja de alguma forma efetiva.

***

Verdade seja dita, os opositores ao barramento do rio Xingu estão lamentavelmente desorganizados e perdendo espaço na guerra de informações com os barrageiros profissionais. O pífio resultado do 9º Fórum Social Mundial, em Belém, no que se referiu à divulgação deste problema reforça esse meu ponto de vista. Como observou o professor Antonio Julio de Menezes, em artigo recente ao Correio, faltava à juventude participante, em clima de “(re)vivendo o Woodstock”, maior consciência política. Além disso, predominaram movimentos, como a CUT e a UNE, “umbilicalmente vinculados ao governo Lula”.

Por tratar-se de uma questão da maior importância para a toda a humanidade, imaginei que o Fórum Social Mundial seria uma oportunidade de ouro para dar à questão de Belo Monte a evidência que merece. Mas, para a minha surpresa, o encontro serviu mais como um espaço de propaganda do projeto da usina, que não tem nada a ver com o conceito de “outro mundo possível”. Aliás, está muito mais para o oposto disso.

Por que isso aconteceu? Uma das principais razões foi o fato de a defesa da represa ter sido realizada por funcionários da Eletronorte (bem preparados e bem pagos para isso) e por membros do Sindicato dos Urbanitários do Pará, ligado à CUT, enquanto a maior parte dos ameaçados pela barragem mal teve condições financeiras de sair de sua região. Mais: a Eletronorte foi uma das patrocinadoras do evento e uma parte da programação ficou por conta do governo do Pará, que também tem interesse direto na construção da usina. Então, os organizadores do FSM certamente poderiam ter previsto a questão a fim de organizar mais democraticamente o debate e dar mais condições aos críticos deste projeto pernicioso de contornar a blindagem a qualquer crítica a Belo Monte, montada pelo dinheiro, pela hipocrisia e pela grande imprensa.

Vejamos um problema concreto: os defensores da usina levaram ao evento uma maquete, feita pela Eletronorte, de como ficaria a região após a obra de represamento na Volta Grande do Xingu. Esta maquete, entretanto, já é velha conhecida como mentirosa e foi descrita no livro Tenotã-mô, do professor Osvaldo Sevá, com não sendo “minimamente realista”. Realmente, eu já examinei tal maquete e, para citar apenas um exemplo das suas imprecisões nada acidentais, ela simplesmente ignora o fato de que as ilhas do rio, tão apreciadas pelos seus moradores e visitantes, desapareceriam com a construção da barragem.

Parece que os defensores do rio ainda tentaram, sem sucesso, impedir que ela entrasse no Fórum, o que gerou alguma confusão. Uma vez que se trata de um fórum de debates, provavelmente uma censura à maquete que consideramos mentirosa não fosse realmente adequada. Mas se houvesse, por parte dos organizadores do Fórum, preparação e planejamento do trato dado a questões específicas e prioritárias, poderíamos ao menos ter o “nosso” modelo , que considerássemos realista, para exprimir o nosso ponto de vista.

Pode parecer absurdo querer que os organizadores do Fórum estivessem cientes de um detalhe como as implicações de uma maquete, uma vez que lidam com milhares e milhares de questões para organizar o evento. Mas Belo Monte, por estar geograficamente tão próxima do local onde foi realizado o FSM, certamente seria um dos temas evidentes para o encontro se os fóruns fossem organizados tendo eixos temáticos como ponto de partida (sem excluir outras questões como de “raça”, gênero etc.). Assim, sua abordagem deveria estar sendo cuidadosamente preparada nos mínimos detalhes com meses ou anos de antecedência. Isso evitaria que a boa idéia de se fazer um fórum como este não fosse cooptada – como aconteceu – em favor da máfia corrupta de tecnocratas defensores de um modelo comprovadamente destruidor de desenvolvimento para a região amazônica e para o mundo.

Por outro lado, se o destino do rio Xingu e da Amazônia paraense é apenas uma questão dentre muitas outras, porque fazer o encontro em Belém do Pará e deslocar toda aquela multidão até a Amazônia? Neste caso, realmente, talvez fosse mais interessante o modelo proposto para 2010, com fóruns locais, nacionais e regionais ao mesmo tempo. Os defensores das barragens são profissionais. Têm dinheiro e sabem fazer uso dele.

Produzem, usam e distribuem, para dar um exemplo, adesivos para carros com os dizeres “Eu quero a hidrelétrica de Belo Monte”. Hipócrita, a Eletronorte repete que debate a questão com a sociedade, quando o que querem é apenas abusar do marketing para conquistar corações e mentes, de preferência aproveitando-se da ingenuidade e da baixa escolaridade de seu público-alvo. Enquanto isso, em um muro aqui e outro acolá, a oposição picha “Fora Belo Monte”. Mas a maior parte do tempo esse pessoal aprecia, se banha e vive no rio como se esquecesse da ameaça que sofre e como se ele fosse ficar ali para sempre da forma como a natureza o criou. É certo que quando o barulho das máquinas começar, muitos se levantarão, mas aí pode ser tarde demais. É chegada a hora de se organizar.

Rodolfo Salm, PhD em Ciências Ambientais pela Universidade de East Anglia, é professor da Universidade Federal do Pará.

* Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado no Correio da Cidadania, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[EcoDebate, 16/02/2009]

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