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Notícia

Desmatamento invisível: Um movimento silencioso, e criminoso, avança sobre a Mata Atlântica na região de Caxias do Sul

desmatamento
Foto de arquivo

Por terra, os infratores conseguem camuflar a derrubada de árvores nativas para o plantio de espécies exóticas. Mas, do alto, a infração é nítida. Caxias do Sul – Vistos de cima, vales e montanhas da região de Caxias do Sul parecem estar sofrendo os efeitos de uma praga que avança sobre a Mata Atlântica e abocanha árvores nativas, protegidas por lei como patrimônio verde de preservação permanente.

Clareiras têm sido abertas em encostas e terrenos de difícil acesso por terra para o plantio de espécies exóticas, como pinus e acácia, próprias para atender aos mercados de madeira e papel. Em outros pontos, o atentado ao meio ambiente é ainda mais absurdo: áreas virgens viram pequenas roças de feijão e milho. Matéria de Nádia de Toni, do O Pioneiro, RS, 03/02/2009.

Pela maneira como agem, os infratores dão ares de que conhecem a lei de crimes ambientais, apesar de transgredi-la. A floresta é destruída aos poucos, um a dois hectares por vez. É nítido esse procedimento: ao lado de plantações exóticas adultas existem outras menores e, não raro, um novo terreno onde mata nativa virou lenha para abrir espaço para mais árvores de florestamento.

Um outro aspecto reforça que os donos de terras sabem que estão cometendo um crime, por isso desejam camuflá-lo. No entorno de áreas destruídas, na maioria das vezes a vegetação nativa é mantida, o que dificulta a atuação dos fiscais se as blitze forem de carro. A imagem ao lado (maior), feita em uma encosta próxima ao Rio Piaí, entre Caxias e Nova Petrópolis, escancara essa estratégia criminosa.

– Não tem explicação essa mancha de destruição em meio à mata nativa. Isso é obra de espertalhões tentando burlar a lei. Se o proprietário tivesse buscado autorização para o corte das árvores jamais teria conseguido. É uma região de mata nativa e intocável – analisa Jaime Luiz Lovatel, professor dos cursos de Engenharia Ambiental, Biologia e Agronomia da Universidade de Caxias do Sul (UCS).

Lovatel sobrevoou a região de Caxias junto com o Pioneiro. O professor se diz um defensor do meio ambiente e também da agricultura. Na opinião dele, famílias que possuem a maioria da propriedade coberta por Mata Atlântica deveriam receber outros lotes aptos para agricultura de subsistência. Mas o professor ficou surpreso ao ver, em pouco mais de uma hora de voo, que pelo menos 30 áreas de floresta nativa estão sendo substituídas por árvores exóticas. Ou seja, nem se trata de um crime cuja alegação possível seja o cultivo da terra para sobrevivência familiar.

– Quanto menos árvores nativas tiver uma propriedade, maior valor de venda ela terá, porque as terras poderão ser usadas para outros fins. Por isso é que esse crime se proliferou – revela uma fonte.

Lovatel analisa um segundo flagrante que, na opinião dele, é um “desmatamento burro”. Uma encosta de morro na região de Nossa Senhora de Caravaggio, em Caxias, foi destruída por meio de queimada, como mostra a fotografia à direita (abaixo, a primeira). Ao lado desse pedaço de terra, outro, maior, havia sido desmatado antes. Agora, lá existe uma plantação de feijão.

– O terreno de encostas é pobre e, em duas safras, o dono não conseguirá colher mais nada. Não há benefícios, só prejuízos ao meio ambiente – destaca Lovatel.

A legislação ambiental proíbe o desmatamento em encostas porque, sem floresta, esses declives se tornam suscetíveis a erosão e deslizamentos, explica Arlindo Butzke, diretor do Centro de Ciências Agrológicas e Biológicas da UCS. Já o impedimento de destruir a Mata Atlântica, em áreas com qualquer relevo, é pelo perigo de interferência no microclima e na integração entre flora e fauna.

– A Mata Atlântica existe na nossa região porque, em milhões de anos, encontrou condições adequadas para se desenvolver. As árvores exóticas são importadas, não fazem parte do nosso ambiente, por isso, podem colocar em risco a sobrevivência de determinadas espécies vegetais e animais – esclarece Butzke.

Ano passado, quando a lei de crimes ambientais completou 10 anos, um decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tornou as punições mais rígidas. Pessoas ou empresas que tentarem impedir a fiscalização do poder público, por exemplo, agora podem pagar multa de R$ 500 a R$ 100 mil. Até então, não havia valor estabelecido. Disse Lula na ocasião:

– Quem for picareta e achar que pode enganar todo mundo a todo tempo, nós temos que dar uma bordoada, e não tem bordoada melhor do que multa pesada e apreensão de bens – afirmou.

O problema, como sempre, é fiscalizar. Por terra, flagrantes como estes apresentados na reportagem dificilmente seriam feitos. A Patrulha Ambiental de Caxias do Sul (Patram), ligada à Brigada Militar (BM), conta com 18 soldados para atuar em 13 cidades. Pelo menos duas vezes por mês, uma equipe sobrevoa a região para identificar queimadas, desmatamento e poluição. Só que a área é grande demais. Além de cuidar da Mata Atlântica, em zona rural, os fiscais têm de atuar na área urbana.

– A demanda é enorme, principalmente porque há empresas que poluem e fazem de tudo para esconder – diz o major Marcelino Seolin.

Com a retomada dos trabalhos com dois aviões da BM de Caxias, mês passado, a expectativa é de que a fiscalização da Patram possa ser ampliada. Antes, havia a dependência de aviões de Porto Alegre. Além da Patram, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) têm competência para fiscalizar. A maioria dos processos surge de denúncias. Por isso, é importante que cada cidadão faça a sua parte.

Denúncia ao MP

Estes e outros flagrantes foram encaminhados ontem ao Ministério Público de Caxias do Sul. Ainda esta semana, o MP de Nova Petrópolis receberá os flagrantes feitos naquele município. Além das fotografias, a denúncia dos desmatamentos traz a localização das áreas.

Ajude a proteger

Você tem conhecimento de algum crime cometido contra o meio ambiente? Então, ajude os órgãos competentes. Em Caxias do Sul, o telefone da Patram é o 3217.8941.

Confira a legislação sobre danos e crimes ambientais na íntegra em www.ibama.gov.br e www.fepam.rs.gov.br/legislacao

– A Floresta Atlântica possui cerca de 1,5 milhão de quilômetros quadrados e se estende praticamente por todo o litoral brasileiro, atingindo 13 Estados. Corresponde a um dos ecossistemas mais ameaçados no mundo.

– Muito rica em espécies, a floresta desenvolve-se pelo litoral do Nordeste, Sudeste e Sul, avançando para o interior em extensões variadas. No Rio Grande do Sul, começa pelo Rio Mampituba, em Torres, indo até Osório, onde sobe a Serra Geral, incluindo toda a Serra Gaúcha. Aí, novamente, desce o Itaimbezinho até as nascentes do Rio Mampituba. Ou seja, todo o Litoral Norte e Serra Gaúcha estão dentro da chamada Floresta Atlântica.

– Em fevereiro de 1993, um novo decreto regulamentou a exploração da Floresta Atlântica. O decreto aumentou a área de dimensão da Floresta Atlântica a ser preservada, antes restrita à faixa litorânea. Esse texto permite que as comunidades mantenham a exploração tradicional de algumas culturas para economia de subsistência, mas é proibida a exploração de novas áreas. A Lei 11.428/2006 restringiu ainda mais a sua exploração.

Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam)
– Licenciamento ambiental de atividades com impacto regional
– Fiscalização em parceria com as secretarias municipais de Meio Ambiente e Patrulha Ambiental da Brigada Militar (Patram)
– Programas e projetos de preservação do meio ambiente

Secretaria Municipal do Meio Ambiente
– Licenciamento ambiental
– Fiscalização
– Programas de educação ambiental

Patrulha Ambiental de Caxias do Sul (Patram)
– Fiscalização, por terra e ar, em 13 municípios da Serra, por meio de parceria com órgãos de proteção ambiental e promotorias de Justiça

Direitos e deveres
– Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, para tanto, é dever de todos defendê-lo e preservá- lo.
– Condutas e atividades lesivas ao meio ambiente sujeitam infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a penalidades criminais e administrativas, além de reparação integral do dano. Dependendo do dano, a infração pode resultar em multa e até cadeia.
– Nos processos enquadrados como administrativos, são aplicadas medidas como advertência, multa, apreensão de animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, apreensão de equipamentos usados na infração até a restrição de direitos do infrator, impedido-o, por exemplo, de obter empréstimos em instituições financeiras oficiais.
– Nos processos criminais, a pena pode variar de prisão temporária (detenção) a embargo, apreensão de instrumentos, demolição de obras, entre outros. O infrator ainda pode ter de pagar multa.
– Todo aquele que, por ação ou omissão, causa dano ao meio ambiente deve repará-lo, independentemente de culpa. A reparação compreende a recuperação ao estado original em que se encontrava o ambiente degradado, a compensação por equivalente ou, em último caso, a indenização.

Crimes contra a floresta

– Crimes ambientais são condutas lesivas ao meio ambiente, por ação ou omissão, cometidos por pessoas físicas ou jurídicas.

– São circunstâncias que agravam a pena: a infração foi cometida para obter vantagens financeiras, ocorreu em circunstâncias como época de seca, houve fraude, atingiu espécies ameaçadas de extinção.

– O bioma Mata Atlântica, o qual inclui Caxias do Sul e a região da Serra, tem especial proteção na legislação ambiental. A Mata Atlântica recebeu tratamento especial com a Lei 11.428/2006, o que restringiu ainda mais a sua exploração.

Alguns tipos de crimes:

– Destruir ou danificar vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, do Bioma Mata Atlântica, ou utilizá-la sem respeitar as normas de proteção.
Pena: detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas

– Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la sem respeitar as normas de proteção.
Pena: detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas

– Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão da autoridade competente.
Pena: detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas

– Provocar incêndio em mata ou floresta.
Pena: reclusão, de dois a quatro anos, e multa

– Nos crimes listados a seguir, a pena pode ser aumentada de um sexto a um terço:
– Se o crime resultar na diminuição de águas naturais, erosão do solo ou modificação do regime climático
– Infração cometida no período de queda das sementes
– Contra espécies raras ou ameaçadas de extinção
– Em época de seca ou inundação
– Durante a noite, domingo ou feriado

Multas por danos à floresta

– Destruir ou danificar florestas em área de preservação permanente, sem autorização.
Multa: de R$ 5 mil a R$ 50 mil por hectare ou fração de terra

– Cortar árvores em área de preservação permanente ou cuja espécie seja especialmente protegida, sem permissão.
Multa: de R$ 5 mil a R$ 20 mil por hectare ou R$ 500 por árvore

– Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas ou demais formas de vegetação nativa em unidades de conservação.
Multa: R$ 5 mil por hectare ou fração

– Destruir ou danificar florestas de vegetação nativa não passíveis de autorização para exploração ou corte.
Multa: R$ 6 mil por hectare ou fração

– Destruir ou danificar florestas ou qualquer tipo de vegetação nativa ou de espécies nativas plantadas, sem autorização.
Multa: R$ 5 mil por hectare ou fração

Fonte: fonte: Lei de Crimes Ambientais, de 12 de fevereiro de 1998, Decreto 6.514 de 22 de julho de 2008, Constituição Federal de 1988 e advogado Alexandre Altmann, especialista em direito ambiental

* Matéria do jornal O Pioneiro, RS, 03/02/2009

[EcoDebate, 04/02/2009]

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