EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Combate ao trabalho escravo no Brasil liberta 4.418 pessoas em 2008

Aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 438/2001 JÁ
Aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 438/2001 JÁ

Trabalho escravo resiste e Brasil liberta 4.418 pessoas em um ano. Cinco anos depois de Lula lançar plano de erradicação, governo encontra o problema em 18 Estados em 2008. Sem punição a infratores, situação não irá melhorar, apontam especialistas. Ruralistas negam escravidão e criticam governo.

Cinco anos após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançar o primeiro Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – em que previa acabar com o problema até 2006 -, a exploração da mão-de-obra escrava no campo ainda é uma realidade. Em 2008, foram libertadas no Brasil 4.418 pessoas que eram mantidas em condições de trabalho análogas à escravidão, segundo números fechados na última semana pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Matéria de Ricardo Brandt, do O Estado de S.Paulo, Segunda-Feira, 22 de Dezembro de 2008.

Passados 120 anos da abolição da escravatura, os fazendeiros modernos não usam mais correntes, mas continuam escravagistas por cassarem a liberdade dos trabalhadores. O artigo 149 do Código Penal é claro ao definir como condições de trabalho análogas à escravidão aquelas em que a vítima for submetida a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, seja sujeitando-a a condições degradantes de trabalho, seja restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador.

Os números do MTE mostram libertações de pessoas escravizadas em 18 Estados. A maior concentração ocorreu onde houve forte expansão da cultura da cana, como em Goiás e Alagoas, e no Pará, historicamente o maior foco do problema. Em números absolutos, Goiás liderou a lista: foram 867 encontrados, em 7 fazendas. Alagoas, que até então não figurava na relação, ficou em terceiro, com 656 libertados. Nesses Estados, a cultura de cana teve forte expansão, movida pela política de incentivo ao etanol do governo Lula. No Pará, onde a maioria dos casos está relacionada à pecuária e à expansão da fronteira agrícola, foram 703 casos, em 73 propriedades.

Um quadro comparativo produzido pela Divisão de Fiscalização e Erradicação do Trabalho Escravo evidencia como cresceu o percentual de casos nos canaviais, em relação a outras culturas. Em 2003, de 5.223 pessoas resgatadas no País, 11,4% estavam em plantações de cana. Em 2005, a participação foi a 32,7%, mas voltou a cair em 2006, para 8,4%. Em 2007 e 2008, quando ficaram visíveis os primeiros resultados da política de incentivo ao etanol, os casos ultrapassaram 50%, em relação ao quadro geral. Os números são de libertações, desconsiderando a proporção em relação ao total de trabalhadores em cada setor.

A secretária nacional de Inspeção do Trabalho, do MTE, Ruth Villela, responsável pelos Grupos Móveis de Fiscalização, admite que há relação com o avanço da cana. “Como o setor está em fase de expansão, precisamos ver se o Estado não está financiando indiretamente esse tipo de trabalho análogo à escravidão.” Ela, porém, diz que o principal motivo do aumento é outro. Houve “intensificação”, segundo ela, de blitz em canaviais e usinas.

O procurador do Trabalho Jonas Ratier Moreno, coordenador das ações de combate ao trabalho escravo, lembra que o “comportamento ético nas relações de trabalho é uma exigência internacional” e acaba sendo usado em discursos que visam bloquear a entrada de produtos brasileiros no exterior. Em julho, a União Européia tentou condicionar a abertura do mercado ao etanol brasileiro ao compromisso de que a produção é ambientalmente sustentável e não usa trabalho escravo.

COMPARATIVO

Desde 1995, quando foi criado o Grupo Móvel de Fiscalização, 32.185 trabalhadores em condições de escravidão foram resgatados. Em 22.710 autuações, num total de 2.121 fazendas visitadas, foi obtido o pagamento de R$ 46,4 milhões em indenizações. Os grupos móveis são compostos por auditores fiscais do MTE, procuradores, além de agentes e delegados da Polícia Federal. Existem, hoje, nove grupos.

Em 2008, apesar de o número de operações ter aumento (foram 125), o total de pessoas flagradas em condições de escravidão caiu em relação a 2007, quando a marca atingiu o recorde histórico: 5.999. A retração não significa queda dos casos. Nem o aumento das libertações, notado mais claramente a partir de 2003, indica maior incidência de casos. “Não podemos usar o número de libertações como parâmetro. Eles estão relacionados ao número de operações e descobertas de casos”, diz Ruth Villela.

“Eu, particularmente, ainda acredito que seja possível acabar definitivamente com o trabalho escravo no Brasil”, diz a secretária. Tanto ela, como especialistas e procuradores ressaltam, porém, que sem punições mais severas e investimentos em educação e combate à miséria, o problema não vai acabar. “Daqui a 15 anos ainda teremos esses números, se não atacarmos a origem do problema”, diz Moreno.

Pará tem maior número de casos no País desde 95

O Pará é o Estado recordista em casos de trabalho escravo. O procurador criminal Ubiratan Cazetta, que tem atuado na área, afirma que a maior parte dos casos está associada à expansão da fronteira agrícola e à ausência do Estado. Dos 32.185 trabalhadores resgatados desde 1995 em condições de escravidão em todo País, 10.669 estavam em propriedades paraense, o equivalente a 33%.

Em 2008, fora apresentadas à Justiça 69 denúncias criminais por trabalho escravo – o município de São Félix do Xingu foi o que teve maior número de denúncias. Em 2007, procuradores denunciaram 58 casos de trabalho escravo.

Há poucos registros de condenação. Uma delas é a do fazendeiro Gilberto Andrade, proprietário de terras entre o Pará e o Maranhão, condenado a 14 anos de prisão. Em uma das mais de quatro vezes que foi flagrado, Andrade foi acusado de torturar um trabalhador com ferro quente de marcar gado para puni-lo por reclamações quanto à qualidade da comida e à falta de pagamento.

Sem punição a infratores, situação não irá melhorar, apontam especialistas

Especialistas e autoridades que atuam no combate ao trabalho escravo apontam que, sem punição aos exploradores desse tipo de mão-de-obra, não haverá redução dos casos. Atualmente, as penas aplicadas aos infratores são baseadas no artigo 149 do Código Penal, que prevê de um a três anos de prisão, e na “lista suja”, do Ministério do Trabalho e Emprego, que pune exploradores reincidentes com restrições de crédito.

A peça fundamental para punir os exploradores está prevista Proposta de Emenda Constitucional 438/2001, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, que está parada desde 2004 na Câmara. Apresentada em 1999 pelo então senador Ademir Andrade (PSB-PA), ela altera o artigo 243 da Constituição, prevendo o confisco de propriedades, sem direito à indenização, em casos de exploração de mão-de-obra escrava.

A proposta, que gerou a criação de uma Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, no Congresso, prevê que as propriedades confiscadas serão destinadas à reforma agrária. Em agosto de 2004, 326 deputados aprovaram a PEC em primeiro turno. A aprovação aconteceu em meio a cobranças pelo assassinato de três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho, em Unaí (MG), em janeiro daquele ano.

“A intenção da PEC é atacar esse pilar do sistema capitalista, que é o direito à propriedade. Você pode ser o dono da terra, mas tem que ser responsável pelo que acontece nela”, disse a secretária nacional de Inspeção do Trabalho, Ruth Villela. Mas boa parte dos deputados que votaram a favor da PEC e que integram a “bancada ruralista” tem trabalhado para que a medida não vá novamente a plenário.

O presidente da Subcomissão de Combate ao Trabalho Escravo, senador José Nery (PSOL-PA), disse estar ciente das dificuldades. O episódio ocorrido em 2007 na cidade de Ulianópolis (PA) é um exemplo. O Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho libertou 1.064 pessoas submetidas a condições análogas a escravidão em uma fazenda. A operação provocou críticas de senadores que formaram uma comissão para investigar abusos na fiscalização. Em protesto, o grupo suspendeu então suas operações.

Ruralistas negam escravidão e criticam governo

Representante dos ruralistas e das usinas de cana do País criticaram a atuação do Grupo Móvel de Fiscalização e disseram que o trabalho nas fazendas “radicaliza” e transforma “meras falhas trabalhistas em crime”. O presidente da União Democrática Ruralista (UDR), Luiz Antonio Nabhan Garcia, afirmou que “alguns setores do governo Lula têm ódio dos setores produtivos”. “Pode ser que alguns casos existam irregularidades trabalhistas, mas essa coisa de escravo não existe.” O diretor de comunicação da União das Indústrias de Cana-de-Açúcar (Unica), Adhemar Altieri, disse que o trabalho do Grupo Móvel transforma as operações em “espetáculos, condenando inocentes”. Segundo ele, a cana emprega 900 mil pessoas no País e os problemas foram identificados em 0,2%. “É uma farsa dizer que a cana é o maior problema. Eles focam as operações no setor”.

[EcoDebate, 23/12/2008]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário do Portal EcoDebate
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta que envie um e-mail para newsletter_ecodebate-subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.