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Brasil ainda tem pouco conhecimento sobre impactos do aquecimento e não sabe como vai lidar com eles

Vulnerável e mal adaptado – O Brasil deu um passo importante ao estabelecer um Plano Nacional de Mudanças Climáticas com metas para a redução do desmatamento da Amazônia e, por conseqüência, das emissões de gases de efeito estufa. O documento, porém, traz uma lacuna em adaptações aos danos que devem ser provocados pelo aquecimento global mesmo se as emissões fossem zeradas hoje. A opinião é de ambientalistas e cientistas envolvidos com a questão.

Isso é reflexo de um problema mais fundamental: o Brasil pouco conhece suas vulnerabilidades às alterações do clima. Com base em uma série de estudos lançados a partir do ano passado, sabe-se, por exemplo, quanto a temperatura deve subir em cada região, que a Amazônia pode sofrer um processo de savanização e que a elevação do nível do mar pode pôr em risco a cidade do Recife. Por Giovana Girardi, do O Estado de S.Paulo, 05/12/2008.

Pesquisas mostram também que várias culturas agrícolas devem ser afetadas no País, em especial a soja, podendo levar a um prejuízo de R$ 7,4 bilhões já em 2020; e que a Região Nordeste será a mais afetada, com intensificação do processo de desertificação e perdas significativas no PIB. Mas ainda faltam dados regionalizados que possam servir de instrumento para a criação de políticas de adaptação.

Falta mostrar, por exemplo, se haverá aumento ou diminuição de chuvas. Esse é um dos itens com mais incertezas nas modelagens climáticas, de modo que os estudos feitos até o momento trabalham somente com a variação de temperatura, mas não com a de precipitação. Mas ela fará toda a diferença para identificar a vulnerabilidade de cidades. Só com esses dados será possível prever enchentes e os impactos disso na infra-estrutura dos municípios, em sua economia e na saúde da população.

“O País ainda está mais focado nos mecanismos de mitigação, que são fundamentais, claro, mas não sabe como vai lidar com os impactos de mudanças que são inevitáveis”, afirma o pesquisador Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. “A seca que tivemos em 2005 na Amazônia é um exemplo do que pode acontecer no futuro. Estão previstos eventos semelhantes nos próximos anos e ali tivemos a dimensão do que a falta de um mecanismo de adaptação pode provocar: 250 mil famílias afetadas, sem ter água para beber.”

A secretária de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente, Suzana Ribeiro Khan, admite a falha. “A verdade é que, por muito tempo, houve uma resistência em todo o mundo: discutir adaptação era como jogar a toalha. Como se, ao admitir que vai esquentar mesmo, estaríamos desistindo de atuar em mitigação. Hoje não se pensa mais assim. Mitigação e adaptação são complementares, mas isso é muito complexo quando nem se sabe direito o que vai ocorrer e onde. É um item mais fraco no plano, porque o conhecimento das vulnerabilidades é menor.”

Mas ela reconhece que algumas coisas já são conhecidas desde sempre, como o risco de desertificação do Nordeste e os problemas de destruição de matas ciliares. “Nessas coisas já podemos trabalhar.”

Estados e cidades que começam a preparar seus planos de mudanças climáticas também se assemelham ao governo federal no foco em mitigação e não estão trabalhando com adaptação por não saber direito onde serão mais expostos ao problema. “Mas são os trabalhos de adaptação que engajam a sociedade”, afirma o ambientalista Fabio Feldmann, secretário-executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas. “O caso de Santa Catarina mostrou que o Brasil não está preparado para lidar com as vulnerabilidades. Espero que aprendamos algo com isso”, complementa.

O mesmo pensa Rubens Born, coordenador do Vitae Civilis, ONG envolvida desde 1990 com as negociações internacionais em mudança de clima. “Se o critério de sustentabilidade ambiental tivesse sido incorporado nas obras de construção de rodovias em SC ou na hora de deixar as encostas serem ocupadas, talvez a situação fosse diferente. É comum dizerem que o ambiente é obstáculo ao desenvolvimento, mas, quando ele é deixado de lado, vemos tragédias como essa.”

IPCC BRASIL

A expectativa dos cientistas, pelo menos, é que as lacunas de conhecimento da vulnerabilidade do País sejam preenchidas nos próximos anos. Pesquisadores que trabalham com a área receberam dois grandes financiamentos nos últimos meses que devem ser usados para diminuir as incertezas e melhorar os dados regionais. Ao todo foram injetados cerca de R$ 30 milhões de fontes do governo federal e agências fomentadoras dos Estados, como a Fapesp, que devem financiar mais de 40 estudos sobre os impactos do aquecimento global no Brasil. Uma das coisas a serem estudadas, em parceria com o Centro Hadley, do Reino Unido, é se os impactos do aquecimento na Amazônia podem afetar o regime de chuvas no resto do País.

De acordo com o climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a idéia é compor para 2012 um mapa completo das vulnerabilidades e também uma espécie de “IPCC Brasil” – versão nacional do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que reúne os estudos mais confiáveis em termos de evidências físicas, mitigação e impactos, adaptação e vulnerabilidade. “A idéia é reunir os vários grupos com a mesma lógica rigorosa de revisão do IPCC e sintetizar o estado da arte do que saberemos então no Brasil.”

[EcoDebate, 06/12/2008]

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