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Notícia

trabalho escravo: Em 13 anos, foram libertados 30.687 trabalhadores em 2 mil fazendas

Poucas prisões no país. No Rio de Janeiro, há dois aliciadores presos

Foram exatamente 30.687 trabalhadores resgatados no Brasil por estarem submetidos a condições de trabalho análogas às de escravo, de 1995 a fins de agosto deste ano, em 2.012 fazendas. Somente este ano, o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego libertou 2.920 pessoas. No período, pagouse R$ 44 milhões de indenizações trabalhistas. Segundo Marcelo Campos, coordenador do grupo, tradicionalmente o setor agropecuário desponta com grande número de libertações: – Este ano, diante do avanço do etanol e da importância que o combustível tomou no Brasil e no mundo, resolvemos fazer uma ação planejada de fiscalização. Quando um setor econômico cresce muito rápido pode ter baixa preocupação com o trabalhador. Cássia Almeida, do O Globo, 07/09/2008.

Segundo Campos, foram criados dois grupos especiais que estão rodando todos os estados do Nordeste e do Centro-Sul.

Pelo histórico das fiscalizações, o número maior de libertados está no setor sucroalcooleiro, diante da intensidade do uso da mão-de-obra: – Não menos preocupante são os setores de carvoarias e de desmate. São muitas fazendas, poucos trabalhadores, mas a situação é a mesma.

Na última atualização da lista suja de trabalho escravo, 43 empresas fizeram a lista crescer para 212 empregadores. Nove conseguiram ser excluídas, depois de pagarem todas as indenizações e resolverem as pendências trabalhistas. Segundo Andréa Bolzon, coordenadora do Programa de Combate Escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a variação na lista é comum: – É uma oscilação normal.

A questão da cana apareceu mais no ano passado. Dos 6 mil resgatados, 3 mil vieram da cana. Mas há um caráter mais endêmico no desmate para preparação da terra.

No Pará, 221 pessoas denunciadas criminalmente Somente em 2006, foi decidida a competência da Justiça Federal em julgar criminosos por manter trabalhadores em situação análoga à de escravo. No Pará, onde houve mais de 10 mil libertações de 95 a 2008, um terço do total, há 221 réus já denunciados desde 2007. Somente este ano foram 68 pessoas.

– Mas as condenações ainda são convertidas em cestas básicas. São mais de cinco mil libertados e ninguém é condenado – reclama Andréa.

No Rio de Janeiro, há dois aliciadores presos por trazer trabalhadores adolescentes da Paraíba para venderem rede e mantê-los em alojamentos precários e presos a dívidas, sem condições de voltar à terra natal. Manoel Trigueiro dos Santos Filho foi condenado a oito anos e nove meses de prisão e está preso desde outubro do ano passado. Em abril, José Gomes dos Santos Neto foi condenado pelo mesmo crime.

No Pará, o caso mais emblemático foi a prisão de um dos maiores fazendeiros da região. Gilberto Andrade foi condenado em maio deste ano a 14 anos de prisão, pelo crimes de trabalho, ocultação de cadáver (vários corpos foram encontrados na fazenda) e aliciamento de trabalhadores.

Ele chegou a torturar um empregado com ferro de marcar gado.

Segundo o coordenador de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho, Jonas Ratier Moreno, foram ajuizadas, somente em 2007, 70 ações civis públicas para obter indenizações dos empregadores acusados de trabalho escravo.

– Tivemos um caso que o fazendeiro é um médico do trabalho.

A razão principal é o lucro

CORPO A CORPO RICARDO REZENDE

Depois de passar 20 anos na Pastoral da Terra, no Pará, recebendo trabalhadores fugitivos, o padre Ricardo Rezende veio para o Rio e criou o primeiro núcleo de estudos sobre o trabalho escravo em universidades no país, na UFRJ. Para o antropólogo, os resgates são apenas a ponta do iceberg: – Entrevistei um aliciador que teve cerca de 50 trabalhadores resgatados pelo grupo móvel. Ele disse que tinha mais de mil pessoas trabalhando no desmate no Pará. Os que são resgatados representam apenas a ponta do iceberg.

O GLOBO: Por que, em pleno século XXI, ainda há trabalho escravo no Brasil?

RICARDO REZENDE: A razão principal é o lucro. Mesmo se for flagrado pela fiscalização, o que pagará de multas e indenizações ainda é pouco frente à economia de não pagar pelo trabalho. Essa situação existe no mundo todo e normalmente atinge o migrante. No Brasil, isso também acontece, são pessoas de fora da região que são aliciadas. Primeiro há a prisão da alma, quando o outro é convencido de que está devendo ao patrão. O outro mecanismo é a distância. Separa a pessoa da família e da rede de proteção local.

Mas agora há as indenizações conseguidas na Justiça pelo Ministério Público do Trabalho…

REZENDE: A eficiência da fiscalização e a eficácia das ações judiciais têm melhorado essa situação. Mas os que são resgatados ainda são poucos perto do que existe. Entrevistei um gato (aliciador) que teve 50 homens resgatados, mas tinha 1.200 trabalhando. Outro gato tinha a mesma quantidade. Essas coisas acontecem no meio da floresta.

Só é possível achar essas pessoas com helicópteros. Os que são resgatados são apenas a ponta do iceberg. Mas não existe uma estimativa segura de quantos trabalhadores estão vivendo nessa situação no Brasil.

Qual o perfil desse trabalhador escravo?

REZENDE: Tem baixa profissionalização e pouca escolaridade, ou nenhuma. São jovens, por volta dos 30 anos, homens e ainda há trabalho infantil. São aliciados em bolsões de miséria e de desemprego.

Ainda tramita no Congresso o projeto de emenda constitucional (PEC) que desapropria fazendas onde foi flagrado trabalho escravo. É um projeto emperrado?

REZENDE: A PEC é muito importante. Porém, o mais importante é conseguir prender esses fazendeiros. Apesar de ser considerado crime, nos casos de condenação, a Justiça tem optado por penas alternativas, como distribuição de cestas básicas. (C.A.)

A origem do Pacto

Em 2004, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República solicitou à ONG Repórter Brasil, em parceria com a OIT, que fosse feito estudo de identificação das cadeias produtivas do trabalho escravo. Com financiamento da OIT, oito pesquisadores mapearam o relacionamento comercial de cem fazendas da lista suja do trabalho escravo.

O resultado foi uma rede de 200 empresas nacionais e estrangeiras que comercializam produtos dessas fazendas. O Instituto Ethos, a OIT e a Repórter Brasil fizeram reuniões com as empresas detectadas na pesquisa. Isso levou ao Pacto, em maio de 2005, para evitar que o produto desse crime fosse comercializado pelas empresas signatárias

[EcoDebate, 08/09/2008]

Nota do EcoDebate

A persistência do trabalho escravo no Brasil é, mais do que uma mera vergonha internacional, um inaceitável modelo de exploração econômica e uma imensa violação dos direitos humanos fundamentávi.

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