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A biodiversidade, grande possibilidade brasileira, e os povos indígenas. Entrevista especial com Washington Novaes

Podemos dizer que, de todos os períodos políticos que o Brasil viveu, nunca se falou tanto em desenvolvimento sustentável e na importância do meio ambiente quanto agora. No entanto, a agenda ambiental em nenhum momento foi prioridade para os governos do país. Inúmeras questões ambientais estão em pauta atualmente, tais como a concessão para construção de hidrelétricas na Amazônia, a transposição do Rio São Francisco, a construção de novas usinas nucleares, demarcação e preservação de terra indígenas etc. “O objetivo prioritário do governo hoje é a questão do desenvolvimento econômico puro e simples. O restante vem em segundo plano, inclusive o meio ambiente. No governo anterior não foi diferente”, afirmou o jornalista ambiental Washington Novaes, em entrevista concedida por telefone à IHU On-Line.

Novaes avalia a atual agenda ambiental brasileira e algumas ações que estão sendo realizadas pelo atual governo em prol do desenvolvimento econômico, mas que deixam de lado o fator meio ambiente. “A biodiversidade é a grande possibilidade brasileira, pois é daí que virão novos medicamentos, alimentos e materiais. O Brasil precisa conservar essa biodiversidade e os indígenas são fundamentais para isso”, disse.

Washington Novaes é jornalista e trabalha com especial destaque os temas de meio ambiente e culturas indígenas. Atualmente, é colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Popular. Também é consultor de jornalismo da TV Cultura.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como o senhor afirmou recentemente, nunca se falou tanto em desenvolvimento sustentável e, no entanto, muitas vezes caminhamos em direção oposta a áreas importantes, como o meio ambiente. Como o senhor avalia, então, a agenda ambiental da chamada esquerda brasileira?

Washington Novaes – O que se pode dizer, de modo geral, mas que certamente não fará justiça a todas as pessoas ou instituições, é que o meio ambiente continua sendo um tema não prioritário, ou seja, ele não está na vanguarda da atuação das instituições. As questões relacionadas ao meio ambiente ficam um pouco à margem, como se fossem parte de questões não centrais, não prioritárias e pudessem ser tratadas de forma isolada. Essa, pelo menos, é a minha visão.

IHU On-Line – E que análise o senhor faz da política ambiental do governo Lula e do governo FHC, especificamente?

Washington Novaes – Acho que tanto num governo como no outro a chamada questão ambiental não foi prioritária e nem ocupou o lugar que deveria ocupar. Eu entendo que tudo o que o ser humano faz tem impactos sobre o meio físico, ou seja, sobre a água, sobre o sol, sobre o ar que nós respiramos, sobre os outros seres vivos, inclusive o que nos alimentam. É impossível tratar de qualquer tema político, econômico, social, cultural sem tratar dessas questões e impactos, e dizer, ao avaliá-los, se eles valem a pena ou não. Creio que no mundo de hoje, onde os problemas centrais são mudanças climáticas e padrões insustentáveis de produção e consumo, além da capacidade de composição da biosfera, o Brasil é um país relativamente privilegiado, tem um território continental, sol o ano todo. Além disso, tem 12% das águas superficiais do planeta, tem de 15% a 20% da biodiversidade, pode ter uma matriz energética limpa, com hidroeletricidade, energia eólica, solar, de marés, biocombustíveis, e assim por diante. Isso tudo é o que falta ao mundo. Os recursos e os serviços naturais são um fator escasso no mundo de hoje. Se o Brasil tem tudo esse conjunto todo, isso deveria ser o centro da estratégia brasileira. Tudo deveria partir daí, mas o que nós estamos vendo não segue isso. O objetivo prioritário do governo hoje é a questão do desenvolvimento econômico puro e simples. O restante vem em segundo plano, inclusive o meio ambiente. No governo anterior não foi diferente.

IHU On-Line – Dentro desse contexto, o que a construção de Angra 3 representará para o Brasil?

Washington Novaes – É um absurdo. Em primeiro lugar, o Brasil não precisa de mais energia. Estudos da Unicamp e da USP mostram isso. Em segundo lugar, nós temos várias fontes que são melhores do que a energia nuclear. Em terceiro, a energia nuclear é mais cara do que a energia elétrica e até do que a energia eólica. A energia nuclear não consegue responder a nenhuma das três grandes questões em relação a esse problema, pois os acidentes que ela causa são sempre muito complicados e graves. Depois, existe a questão do preço e ainda a questão da destinação do lixo nuclear, o qual nenhum país encontrou solução. Então, recorrer a essa fonte de energia no Brasil é um absurdo.

IHU On-Line – O senhor falou em outros tipos de energia. Que tipo de energia o senhor aposta verdadeiramente, que são viáveis e sustentáveis para o Brasil?

Washington Novaes – A meu ver, não é preciso fazer o cálculo de custo de todas as energias, inclusive aqueles que não costumam entrar nessa soma. Quem é que contabiliza os custos da energia que vêm dos combustíveis fósseis? Isso tudo não é computado. É preciso fazer todas as contas. Esse estudo da Unicamp que eu mencionei diz que a energia eólica tem um potencial para atender a duas vezes mais do que atual consumo brasileiro. Há outro estudo que mostra que, se ocupássemos um quarto da área do reservatório de Itaipu com painéis solares, produziríamos tanta energia quanto a própria hidrelétrica de Itaipu produz hoje. Então, é preciso fazer todas as contas e adotar os formatos mais adequados, viáveis e menos complicados, poluentes e perigosos.

IHU On-Line – Já é possível analisar o trabalho de Carlos Minc até aqui?

Washington Novaes – Até aqui não me agrada a gestão de Minc. É uma pessoa que lutou a vida inteira contra energia nuclear e depois acabou aceitando a construção de Angra 3. Além disso, houve a permissão de concessão de crédito para quem tem propriedade no cerrado amazônico, mesmo sem provar essa propriedade. Sem contar a exclusão de grandes áreas do cerrado de transição da Amazônia. O cerrado é um bioma em situação grave no Brasil. Lá, 22 quilômetros quadrados são desmatados por ano. Essa área já responde por 40% das emissões de gases dentro desse item de desmatamento. Há também a aprovação das hidrelétricas do Rio Madeira, e assim por diante. Até aqui, realmente, não me agrada o ministério de Carlos Minc.

IHU On-Line – Com o aumento do consumo das populações dos países em desenvolvimento, que tiveram melhor distribuição de renda, foi gerada uma crise no mundo dos alimentos. Temos aí uma crise social e ambiental que têm relação com a crise de energia, uma vez que alimentos também estão sendo utilizados para gerar alcool. Por onde começar para conter esse conjunto de crises?

Washington Novaes – A crise dos alimentos tem várias causas. Primeiro: o próprio aumento no consumo. Nas últimas décadas, mais 400 milhões de pessoas se acresceram no mercado consumidor. Segundo: o aumento do preço dos fertilizantes e maquinário agrícola. Em terceiro lugar, está o uso do milho nos Estados Unidos para produzir etanol. O milho estadunidense tem forte influência no mercado de alimentos. Quarto: existe a questão de que os muitos fundos financeiros estão assustados com a crise na área financeira mudaram suas aplicações para a área de commodities, o que fez com que crescesse muito a especulação financeira e a oscilação de preços nessa área. O etanol brasileiro não tem influência nessa formação de preços, mas precisa ter regras claras e adequadas para produção, inclusive para não expulsar a agricultura familiar, que é responsável por 70% dos alimentos consumidos no mercado interno.

IHU On-Line – Pensando em toda a questão do desenvolvimento sustentável, o que significará caso o STF seja favorável à revisão da homologação das terras indígenas no Brasil?

Washington Novaes – Basta uma questão para considerar isso: há uma porção de relatórios, inclusive do próprio ministério do Meio Ambiente, da Conservação Internacional e outras instituições, mostrando que o caminho mais eficaz para conservação da biodiversidade são as reservas indígenas. Isso é mais eficaz do que áreas protegidas por lei, parques etc. As reservas indígenas são fundamentais para conservarmos o meio ambiente brasileiro. Além de ser um direito dos indígenas. A biodiversidade é a grande possibilidade brasileira, pois é daí que virão novos medicamentos, alimentos e materiais. O Brasil precisa conservar essa biodiversidade, e os indígenas são fundamentais para isso.

(www.ecodebate.com.br) entrevista publicada pelo IHU On-line, 28/08/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

[EcoDebate, 29/08/2008]