EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Notícia

Prefeitos fracassam na busca de soluções para a questão do lixo


As dificuldades dos 26 prefeitos de capital que encerram seus mandatos este ano, dos quais 20 candidatos à reeleição, em equacionar a questão do lixo em seus municípios, deixaram latente a possibilidade de apagão ambiental. Há 12 capitais sem aterro sanitário. Entre as outras 14, há pelo menos cinco em que a destinação final de resíduos está a menos de um ano do esgotamento. Por César Felício e Bettina Barros, no Valor Econômico, 25/08/2008.

Batalhas judiciais provocadas por suspeitas de direcionamento de licitações e mudanças bruscas de orientação sobre a política para o setor retardaram a ação administrativa. Os contratos de lixo são os maiores assinados por uma prefeitura com um fornecedor de serviço. Envolvem entre 4% e 10% do Orçamento anual de um município.

As prefeituras se dividem entre organizar concessões de 20 anos ou licitações de prestação de serviços de até 60 meses. Tanto em um modelo quanto outro, os valores são altos. Em uma licitação de concessão e oito de prestação de serviços aos quais o Valor teve acesso ao resultado, haverá dispêndio público de R$ 1,5 bilhão. Há outras quatro concorrências em marcha nas capitais que deverão implicar em gastos de R$ 2,2 bilhões.

O esgotamento das áreas antigas para aterro sanitário está fazendo com que o modelo de concessão prevaleça entre as prefeituras sobre o da prestação de serviços . Entre as cidades sem área disponível para a destinação do lixo está Porto Alegre, onde a entrega é feita a mais de 100 Km da capital, em Minas do Leão. O prefeito José Fogaça (PMDB) tentou fazer uma concessão em 2006, mas denúncias de manipulação do edital fizeram com que a prefeitura cancelasse o processo e promovesse uma licitação tradicional de prestação de serviços este ano. “O aterro é o grande gargalo”, diz Antonio Januzzi, gerente de tecnologia e desenvolvimento da Cavo.

Por esse motivo, a implantação de aterros virou um outro grande negócio para as empresas do setor. “Vamos nos concentrar em aterros a partir desse ano. É uma oportunidade de mercado e temos a expertise”, diz Luciano Amaral Alves, presidente da Vega Ambiental, referindo-se a áreas que comportem de 500 a mil toneladas de lixo/ dia.

A destinação final de resíduos sólidos, em aterros sanitários ou usinas de geração de energia, é sempre o investimento mais alto do processo. Sua inclusão na licitação reduz o número de competidores no mercado, já afetado pelo nível de detalhes colocados nos editais. Isso invariavelmente levanta suspeitas de concorrência dirigida. E os embargos judiciais induzem aos contratos emergenciais, sem licitação. Estão sob este regime, até para serviços de coleta, quatro capitais: Salvador, Aracaju, São Luís e Cuiabá.

A história da licitação para o novo aterro de Belo Horizonte, que se arrasta há seis anos, é uma síntese do problema nacional. “As empresas tendem a não disputar preço. Querem judicializar tudo”, queixa-se o procurador-geral da prefeitura de Belo Horizonte, Marcos Antonio de Rezende Teixeira. A prefeitura retomou judicialmente este mês uma licitação para uma parceria público-privada de R$ 715 milhões para a construção do novo aterro sanitário na região metropolitana da capital. O vencedor deve ser conhecido na próxima semana. Uma liminar suspendia a concorrência desde janeiro.

O aterro público de Belo Horizonte esgotou-se em 2006. O prefeito Fernando Pimentel (PT), que este ano apóia a candidatura de Márcio Lacerda (PSB), estabeleceu contrato emergencial com a Vital Ambiental, subsidiária da Queiroz Galvão, proprietária de um aterro privado em Sabará, a 25 Km da capital mineira. Começaram então as suspeitas de que a licitação poderia estar direcionada.

“Só a Vital obedece aos quesitos colocados. Empresas como a Vega estão concorrendo, mas sequer possuem aterro licenciado na área”, comenta o administrador Enio Raffin, que encaminhou um dossiê sobre o caso para a principal adversária de Lacerda na campanha mineira, Jô Moraes (PC do B). Responsável por um blog chamado “Máfia do Lixo”, Raffin, um ex- diretor de limpeza urbana em Porto Alegre nos anos 80, afirma ser consultor de pequenas empresas que não conseguem se enquadrar nas principais concorrências públicas do ramo. O problema central que fez com que a licitação se arrastasse está na localização. Pimentel colocou como exigência para a empresa interessada em fazer o aterro a obtenção de licença ambiental um ano após a publicação do edital. Antes de uma intervenção do Tribunal de Contas do Estado, o prazo era ainda menor.

Teixeira argumentou que o fato de três das quatro concorrentes terem se habilitado é o maior sinal de que não há direcionamento. Tecnicamente, a Vital não é a única detentora de aterro licenciado. Amaral, da Vega, admite que a Queiroz Galvão tem vantagem competitiva, já que Sabará está mais próxima de Belo Horizonte do que a área da Vega em Betim, um aterro industrial licenciado para receber lixo doméstico a 30 Km da capital. Procurada, a Queiroz Galvão não quis se manifestar.

Problemas para se realizar uma licitação ou a revisão de contratos já assinados também atrasaram o cronograma de investimentos dos atuais prefeitos em São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Curitiba. Em nenhuma delas o investimento andou. Primeira capital do país a ter um aterro sanitário, Curitiba, comandada pelo tucano Beto Richa, candidato à reeleição, tenta agora um novo modelo de destinação do lixo urbano. Se a Justiça deixar.

A capital do Paraná lidera um consórcio formado por outros 14 municípios da região metropolitana que desde 2007 trava uma guerra de liminares com a entidade patronal do setor, a Abrelpe, que barrou judicialmente por seis meses a licitação do novo centro de tratamento de resíduos para substituir o aterro da Caximba, investimento que consumirá R$ 1,3 bilhão ao longo dos 20 anos de concessão. A prefeitura derrubou a liminar na semana passada.

Caximba expira sua vida útil em julho de 2009. Hoje é uma montanha de 40 metros de altura e 9,5 milhões de toneladas de lixo. O consórcio pretende construir uma planta de tratamento e reaproveitamento de lixo – composta por uma usina de compostagem, reciclagem e uma tecnologia de destinação que não deixe resíduos.

Mas o nó do processo está na localização da planta. O consórcio selecionou três áreas, mas só definirá o terreno após escolhido o vencedor, sob a alegação de que será comprado pelo consórcio e que a divulgação do lugar prejudicaria a licitação. “Ninguém quer ter lixo perto de casa. A divulgação causaria mobilização social”, diz Jose Antonio Andreguetto, secretário de Meio Ambiente de Curitiba.

A Abrelpe alega que a informação é essencial para que as empresas apresentem seus planos de negócio. Como entidade independente, tem autonomia para questionar o que julgar necessário em relação à concorrência. Conta com o respaldo de uma das principais interessadas, a Cavo, subsidiária da Camargo Corrêa que faz a coleta de lixo em Curitiba.

“A definição do lugar para a destinação de resíduos auxilia a elaboração da proposta técnica, uma vez que fornece mais subsídios para a avaliação dos investimentos e custos operacionais envolvidos”, informou a empresa, frisando que “a Cavo tem interesse em participar do processo licitatório nas condições que estiverem estabelecidas pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente”.

O consórcio tem o prazo até dezembro para ter o contrato assinado. “Se não conseguirmos fazer a licitação para este projeto até lá, teremos de nos voltar novamente para a opção do aterro, que é a pior solução”, diz o secretário.

A alternativa à complexidade das licitações são os contratos emergenciais, que prescindem de licitação. Apesar das limitações legais para prorrogações indefinidas, na prática uma empresa pode operar por todo o mandato de um prefeito sem licitação. Em Cuiabá, onde a prefeitura renovou esta semana o contrato emergencial com a Qualix, o prefeito Wilson Santos (PSDB), candidato à reeleição, teve que enfrentar uma CPI sobre o assunto na Câmara dos Vereadores.

A Qualix venceu a licitação do lixo na cidade em 2002, mas a prefeitura rescindiu o contrato em 2004, em clima de acusações mútuas: a empresa acusou a prefeitura de atrasar pagamentos e o poder público afirmou que a Qualix não fazia a coleta contratada. Naquele ano, a empresa doou R$ 650 mil para o comitê financeiro único do PSDB em Cuiabá, responsável pela receita da campanha de Santos. Ao assumir, Santos rescindiu o contrato emergencial com a empresa Marquise e restaurou o antigo contrato com a Qualix.

Depois prorrogou-o emergencialmente duas vezes. Na Comissão, Santos e o representante da Qualix alegaram que houve redução da despesa de Cuiabá com a limpeza pública. Procurados pelo Valor, nem a prefeitura e nem a empresa quiseram se manifestar. O presidente da Comissão, Francisco Vuolo (PR), encaminhou as conclusões para o Ministério Público do Mato Grosso, que abriu investigação.

Nas contratações emergenciais, há os casos em que as empresas escolhidas já prestavam o serviço anteriormente, como em Salvador, onde a Vega, a Torre Empreendimentos e a Jotagê, ganhadoras de uma concorrência feita no início de 2003, operam emergencialmente a coleta da cidade administrada por João Henrique (PMDB) desde fevereiro deste ano.

Mas há também as situações inversas em que a empresa escolhida para a coleta emergencial torna-se vencedora da licitação que ocorre em seguida: foi o caso da Marquise, em João Pessoa, onde Ricardo Coutinho (PSB) tenta a reeleição, e da Viva Ambiental, em Maceió, onde o prefeito Cícero Almeida (PP) é postulante. “A mudança da empresa concessionária com a troca da administração é uma situação recorrente no Nordeste”, afirmou o promotor Marcus Rômulo Maia, do Ministério Público de Alagoas.

Na Paraíba, onde a Marquise divide o serviço com a Líder, empresa cujos sócios foram presos na Operação Higia, da Polícia Federal, que investigava fraude em licitações para a terceirização de mão-de-obra, a oposição diz que a contratação emergencial sinalizou o resultado da concorrência deste ano. “Foi direcionado. Das 62 empresas que pegaram o edital, só três se qualificaram”, diz o vereador Severino Paiva (PSDB). Tanto a prefeitura de João Pessoa quanto a Marquise afirmaram, por escrito, que o critério para a escolha foi o menor preço tanto na licitação emergencial quanto na definitiva.

[Ecodebate, 26/08/2008]