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Artigo

Por que continua o desmatamento na Amazônia? artigo de Adalberto Veríssimo

[Correio Braziliense] Após três anos de queda, a retomada no ritmo de desmatamento na Amazônia, verificada no último semestre de 2007, agora se confirma com os dados divulgados tanto pelo Inpe quanto pelo Imazon — Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, para o mês de abril de 2008. O aumento é explicável sobretudo pela alta nos preços de produtos como soja e carne. A floresta está sendo derrubada porque, a curto prazo (e para alguns segmentos econômicos) a agropecuária é mais lucrativa do que opções tais como o manejo sustentável, que permite a retirada de madeira e outros produtos sem destruição ambiental. Para entender por que estamos encalhados há mais de três décadas na busca de solução efetiva para esse problema, é preciso conhecer suas causas.

O desmatamento é relativamente recente na história amazônica. Foi impulsionado a partir da década de 70 pelo governo federal por meio de incentivos para a ocupação da região. Passou de 0,5% do território da floresta original, em 1975, para quase 18% — ou mais de 740 mil quilômetros quadrados — até 2007, área equivalente à soma dos estados de Minas Gerais e Paraná. Além disso, da floresta remanescente estima-se que cerca de um terço já tenha sofrido algum tipo de pressão, como exploração madeireira predatória e incêndios. Isso significa que a situação é muito mais crítica do que sugerem os dados do desmatamento recém-divulgados.

Por que o desmatamento persiste na Amazônia? A explicação mais plausível é que ele gera benefícios econômicos e políticos para segmentos que lá atuam. O Imazon chama isso de padrão “boom-colapso”: nas novas áreas desmatadas (municípios de fronteira), ocorre rápido e efêmero crescimento na renda e no emprego, porém com altos custos em termos de violência rural e degradação ambiental. A médio prazo, em geral após uma década, os indicadores socioeconômicos pioram e esses municípios entram em colapso social, econômico e ambiental. É o pior dos mundos — natureza destruída e manutenção ou agravamento da pobreza.

E a tendência é um acirramento dessa situação. Nesse início de milênio, as forças que atuam na Amazônia são mais complexas e incluem investimentos com potencial de ampliar o desmatamento e a degradação ambiental, a exemplo dos gastos públicos, da expansão de assentamentos de reforma agrária e do aporte de capital privado para atender o mercado global nas áreas de mineração, agropecuária e exploração madeireira.

Para enfrentar e domar de vez as forças do boom-colapso, são fundamentais mudanças de base na economia regional. A supremacia das atividades primárias com baixo valor agregado deve ser substituída por uma economia onde os produtos e serviços da floresta sejam valorizados e a renda dessas atividades contribua com a melhoria da qualidade de vida da população. Para isso, é necessário rediscutir as diretrizes do desenvolvimento da Amazônia e ampliar significativamente os investimentos em ciência e tecnologia para favorecer a economia da floresta.

Iniciativas para reduzir o desmatamento e até mesmo cessá-lo por completo, como a moratória proposta pelas principais ONGs com atuação na Amazônia, devem ser perseguidas a curto prazo. Outras medidas precisam ser contempladas, incluindo o aprofundamento do combate à grilagem de terras, a suspensão definitiva de novos assentamentos de reforma agrária, a continuidade das ações de ordenamento territorial e a garantia de que as Unidades de Conservação criadas sejam efetivamente implementadas.

O desafio de manter a integridade da floresta amazônica é imenso e urgente. As ameaças persistem e se ampliam com o avanço da fronteira de ocupação. As oportunidades para promover um desenvolvimento com base na existência da floresta estão presentes, mas precisam evoluir do caráter meramente periférico de experiências-piloto para pilar central da vida política, econômica e social da região.

Por último, tão importante quanto o que fazer é o como fazer. Além de medidas urgentes de grande alcance, o governo federal precisa construir um pacto político envolvendo todos os segmentos representativos interessados no desenvolvimento sustentável da Amazônia. Sem esse pacto e um plano vigoroso de investimento na economia e na conservação da floresta, o problema do desmatamento não terá solução. Mas é preciso ser rápido e persistente, pois algumas iniciativas levam tempo para vingar. É preciso também ter disposição para fazer valer os interesses do país e das gerações presentes e futuras de brasileiros sobre os grupos de interesse que teimam em continuar destruindo a Amazônia.

Engenheiro agrônomo e ecólogo, é pesquisador sênior e co-fundador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia)

Artigo originalmente publicado pelo Correio Braziliense, 09/06/2008.