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Artigo

Pode ser que a Terra já tenha ultrapassado o limiar perigoso de CO2, artigo de Stéphane Foucart

O limiar de perigo do dióxido de carbono (CO2) estaria fixado num nível muito elevado, indicam novos estudos de climatologistas. Para os seus autores, o nível tolerável deveria ser o de 350 partes por milhão (ppm) e não os de 550 ppm. Se assim fosse, o nível já teria sido atingido em 1990, o que nos colocaria no longo prazo numa situação crítica.

Segue o artigo de Stéphane Foucart publicado no Le Monde, 11-04-2008. A tradução é do Cepat.

Como avaliar o limite a não ser ultrapassado? Para evitar uma “interferência humana perigosa” no sistema climático, o limiar de dióxido de carbono (CO2) atmosférico é geralmente fixado em 550 partes por milhão (ppm). Este é, por exemplo, o objetivo – ambicioso – fixado pela União Européia. Para James Hansen, um dos pesquisadores mais influentes da comunidade dos climatologistas, esse limiar foi estimado com muito, muitíssimo, otimismo.

Em trabalhos ainda não publicados, mas um rascunho dos quais foi disponibilizado na internet, no dia 7 de abril, no servidor ArXiv, o diretor do Goddard Institute for Space Studies, da Nasa, e seus co-autores avaliam o limiar de perigo em torno de 350 ppm. Ora, esse nível foi atingido em 1990. Ele se situa hoje em 385 ppm. Ele aumenta à razão de uma a duas unidades por ano.

A ultrapassagem do limiar de 350 ppm não é, evidentemente, imediatamente perigosa. Segundo os autores, ele o é no longo prazo. “Se o CO2 for mantido durante um longo período num nível superior a este limite, há um risco de nos situar numa trajetória que leva a uma desregulação climática perigosa e irreversível”, descreve a climatologista Valérie Masson-Delmotte (Comissariado para a Energia Atômica, CEA), co-autora desses trabalhos. “É possível retornar a uma taxa de 350 ppm”, assegura Hansen. “Faz-se necessário uma moratória sobre as centrais nucleares movidas a carvão e, em seguida, suprimir progressivamente todos os usos de carvão até 2020-2030. Também se faz necessário rever nossas práticas agrícolas e florestais de maneira a seqüestrar carbono”.

Para chegar a essas conclusões, os cientistas analisaram as séries de dados que refazem as grandes evoluções climáticas do planeta em mais de 50 milhões de anos. Para determinar um limiar limite, “nós examinamos a velocidade do deslocamento dos isotermos, a retração dos glaciares – que são muito importantes para a alimentação na água –, a velocidade da elevação do nível dos mares, a desestabilização das calotas polares e a reação dos recifes de corais”, precisa Valérie Masson-Delmotte.

Os pesquisadores também recalcularam a “sensibilidade do clima” ao gás carbônico. Essa se traduz pelo aquecimento médio que provocará o dobro de CO2 em relação ao seu nível pré-industrial (entre 270 e 280 ppm). Os modelos utilizados pelo Grupo Intergovernamental de Peritos sobre a Evolução do Clima (GIEC) a situam em torno de 3 ºC. Mas esses cálculos não levam em conta o que os climatologistas chamam de “retroações lentas”.

Um exemplo de retroação lenta é a redução progressiva das calotas polares. Quando o efeito estufa aumenta, aumenta a temperatura: as calotas polares diminuem. A Terra perde, pois, progressivamente uma parte dessa capacidade de refletir os raios do sol: ela absorve mais energia luminosa. As temperaturas sobem mais rapidamente, o que acelera a redução das calotas polares, etc.

“Ao levar em conta esse tipo de retroações, a sensibilidade climática não é mais de 3 ºC, como nos modelos utilizados pelo GIEC: ela é, na verdade, de 6 ºC”, diz Hansen. “Mas a questão de saber quanto tempo essas retroações levarão para entrar em ação, permanece aberta”. Para ver esses “círculos viciosos” se colocarem em ação e embalar a máquina climática, será preciso esperar até o fim desse século? O fim do próximo?

As incertezas dos modelos são grandes. Assim, recentes análises sedimentares publicados por uma equipe alemã mostraram que uma grande calota polar antarctica (estimada em torno de 60% da atual calota) sobreviveu, ainda que brevemente, ao longo do cretáceo, um período muito quente em que a temperatura do oceano tropical era mais de 10 ºC superior à temperatura atual.

James Hansen, 67 anos, gosta de controvérsias. Ele é o primeiro cientista a ter chamado a atenção, em 1988, dos meios de comunicação e dos políticos para a questão do clima. Muito comprometido, ele lançou em 2007 uma campanha para solicitar aos governos da Alemanha e da Grã-Bretanha a interrupção de todos os programas de construção de usinas a carvão.

Para além dessas questões, seus trabalhos abrem uma questão profunda sem relação com a ciência ou a política: até quando os homens do século XXI devem buscar prever as conseqüências de suas ações? Evocar o futuro do planeta bem depois de 2100, como o faz Hansen e seus co-autores, é imaginar o que o climatologista Stephen Pacala chamou de “os monstros atrás da porta”.

(www.ecodebate.com.br) artigo publicado pelo IHU On-line, 10/05/2008 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]