EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Editorial

Aumenta o desmatamento na Amazônia. De novo. por Henrique Cortez

Mais uma vez o Ministério do Meio Ambiente “denuncia” o aumento do desmatamento e anuncia imediatas providências para sua redução ou, pelo menos, para evitar uma devastação sem controle. Como nos anos anteriores, os números apresentados não destacam o que é desmatamento legal e o que é ilegal. Este não é um mero detalhe, não apenas porque define claramente o tamanho da devastação, como também identifica situações completamente diferentes.

Há que estime que o desmatamento ilegal esteja entre 80 e 90% do total, porque é a média histórica na Amazônia Legal. Já no final de setembro 2007 os pesquisadores alertavam para o aumento do desmatamento. Aliás, no início de 2007, pesquisadores e ambientalistas já diziam que, com a recuperação do preço das commodities, o desmatamento aumentaria. Mas o governo foi “surpreendido” pelo desmatamento. De novo.

Pouco adianta que o DETER (Detecção do Desmatamento em Tempo Real), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), demonstre o desmatamento em tempo real se as autoridades precisam de meses para sair da inércia. A capacidade de reação deve ser proporcional à eficiência da detecção.

Vejamos alguns exemplos das notícias publicadas em 2007, que já alertavam para este desastre previsível:

° Pesquisadores lançam alerta para risco de reaceleração do desmatamento no Mato Grosso, matéria de 24/9

° Sérgio Abranches, editor do O Eco, no artigo “Mal no teste”, de 02/10/2007, dizia: “O presidente Lula vai se gabar nas Nações Unidas da queda do desmatamento. Ele já disse, recentemente, que nem ele, nem seu governo precisam de lições de ninguém sobre como lidar com a Amazônia. Pior é que precisam desesperadamente. Enquanto o presidente desfiar os dados do passado recente, quando o desmatamento realmente caiu, os satélites estarão flagrando o retorno do desmatamento selvagem. O governo faz festa sobre os dados velhos e a floresta agoniza na fogueira que completa o serviço sujo da nova onda de expansão da soja e da pecuária e seu território.”

° Na nossa edição de 18/10/2007, destacávamos que o sistema de monitoramento do governo federal registrava aumento de 107% dos índices de desmatamento na região amazônica, no estado do Mato Grosso, entre junho e setembro, em comparação com o mesmo período do ano passado. Apesar de dizer que o acréscimo não é muito significativo em número de hectares, o secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), João Paulo Capobianco, reconheceu a necessidade de providências imediatas para conter o avanço da prática ilegal

° Desmatamento cresce 8% na Amazônia, 19/10/2007

° desmatamento: Alerta amazônico, de 20/10/2007

° Desmatamento avança ao norte de MT – Portal da Floresta, região setentrional do Estado, está sendo devastada pelo ciclo do boi e pelo corte de madeira, de 23/10

° Desmatamento avança e governo executa só 60% do programa de combate à destruição florestal – Faltando três meses para acabar o ano, apenas R$ 27,1 milhões, de um orçamento autorizado de R$ 47,1 milhões, foram gastos em ações de fiscalização de atividades de desmatamento e controle de queimadas, de 23/10

° Desmatamento volta a crescer na Amazônia – Dados obtidos pelo Inpe e pelo Ibama confirmam que devastação da floresta voltou a crescer após três anos sucessivos de queda. Situação é mais grave em Mato Grosso, Pará e Rondônia, onde o desmatamento cresceu mais de 600% se comparado a 2006. Governo promete reagir. de 26/10/2007

° No dia 29/10, no editorial “Desmatamento, discursos, bravatas e políticas públicas” dizíamos que o desmatamento prova que a realidade tem o péssimo habito de demolir discursos e bravatas.

Esta já é uma amostragem suficiente para demonstrar que o MMA sabia o que estava acontecendo. Mas há uma distância significativa entre saber o que acontece e saber o que fazer.

Agora, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ao comentar a denúncia de que as principais causas do desmatamento na Amazônia são a agropecuária e o plantio de soja, afirmou que o governo não é responsável pelo que acontece no setor agrícola, a não ser indiretamente, pelos financiamentos. Mas, agora, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o Banco do Brasil não poderão mais fazer financiamentos ilegais”, comentou, após a reunião de ministros com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva para discutir o desmatamento na Amazônia. [em declarações ao repórter Neri Vitor Eich, da Agencia Estado]

É de se supor que o governo, qualquer governo, seja responsável pelo que acontece de ilegal em qualquer setor produtivo, incluído a agropecuária. É função do estado fazer valer o cumprimento da legislação, do mesmo modo como deve propor as políticas públicas de desenvolvimento. Mais estranho ainda que o BNDES e o Banco do Brasil podiam fazer financiamentos ilegais, sem maiores problemas. Mas, como estamos do lado de baixo do Equador, ficará por isto mesmo, já que ninguém será responsabilizado.

O secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, anunciou, em entrevista no Palácio do Planalto, ao lado da ministra Marina Silva, que nos 36 municípios da Amazônia com maiores índices de desmatamento estão proibidas emissões de novas autorizações de derrubada da mata, e que o embargo de propriedades em que ocorreram desmatamentos ilegais será obrigatório. Segundo o secretário, nos últimos três anos, houve redução de 59% no desmatamento. Apesar do desmatamento “nunca visto” registrado em novembro e dezembro do ano passado, ele assegurou que “não está havendo aumento de desmatamento na Amazônia, isso não aconteceu”. [em declarações aos repórteres Leonencio Nossa e Neri Vitor Eich, da Agencia Estado]

Enquanto isto, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) entende que o desmatamento na Amazônia só será controlado de forma adequada se o governo federal não se preocupar apenas em punir, mas oferecer políticas compensatórias para que os produtores evitem a derrubada de árvores. A tese foi defendida pelo presidente da Comissão Nacional de Meio Ambiente da CNA, Assuero Veronez, em entrevista à Agência Brasil. “Na hora em que a floresta de pé valer mais do que a floresta derrubada, vamos conseguir consolidar números para baixo e atingir o desmatamento zero”, afirmou Veronez. Ele ressaltou, entretanto, que não enxerga, da parte do governo, disposição para discutir uma legislação ambiental “condizente” com a importância do agronegócio para o país: “Há muita ideologia e ignorância”.

A posição da CNA é coerente com a sua história e com o seu insistente argumento a favor da “flexibilização” da legislação ambiental para que fique “condizente” com a importância do agronegócio para o país. O problema é que em nenhum lugar do mundo alguém recebe compensações para cumprir a lei.

Aliás, a lei também tem que ser cumprida nas regiões sul e sudeste, de forma que todos os produtores rurais que desmataram de forma ilegal, desrespeitando as RLs e destruindo as APPs também sejam responsabilizados e que seja exigida a recomposição da mata destruída. É hipócrita denunciar o desmatamento ilegal na Amazônia, mas calar em relação à destruição da Mata Atlântica e o desmatamento ilegal pela agropecuária do sul e sudeste.

Mas, nada acontecerá de fato. Diante do aumento do desmatamento o governo reagiu com propostas velhas, ações que pretendia realizar há mais de dois anos. O governo, através do MMA, irá constituir uma força tarefa (de novo), com apoio de alguns grupos de trabalho; estudos serão encomendados; alguns produtores serão multados (sem que as multas sejam realmente cobradas) e nada mais que isto. Este é um ano de eleições municipais e as “influências” políticas se farão presentes. Até agora tem sido assim e não creio que a tradição seja quebrada.

O único resultado real desta crônica incapacidade gerencial é que, dentro de um ou dois anos, poderemos publicar ou republicar uma triste notícia dizendo “Aumenta o desmatamento na Amazônia. De novo.”

Henrique Cortez, ambientalista, coordenador do portal e do blog EcoDebate
henriquecortez@ecodebate.com.br