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Mancomunado com destruidores da floresta, entrevista com Rubens Ricupero

Segundo ex-ministro, governo brasileiro não tem vontade política para combater o desmatamento na Amazônia. Matéria de Liana Melo, publicada pelo jornal O Globo, 06/01/2007

GLOBO: O ano de 2007 foi definitivo para a mudança do clima. A que o senhor atribui essa mudança de status?
RUBENS RICUPERO: Os Estados Unidos pautam a agenda internacional e, como nos últimos anos, o maior temor americano era o terrorismo islâmico. Isso acabou criando espaço para aprofundar a discussão pela não-proliferação das armas nucleares. Só que, este ano, muitos dos temas eleitos pela gestão Bush entraram em crise.

Que temas são esses?
RICUPERO: Das guerras contra o Iraque e o Afeganistão à ameaça do terrorismo. Para completar, todos os relatórios do IPCC publicados este ano apontaram uma situação pior que todas as previsões. Em outubro último, a Academia Nacional de Ciência dos Estados Unidos divulgou um artigo que comprovou um aumento expressivo da emissão de dióxido de carbono, desde 2000. Na década de 90, essas emissões cresciam 0,9% ao ano; desde 2000, esse crescimento pulou para 2,9%.

O que motivou esse aumento?
RICUPERO : O crescimento da China, a expansão mundial e o esgotamento dos grandes sumidouros de carbono, que estão dando sinais de saturação.

Solos, oceanos e florestas não conseguem mais absorver carbono na taxa que se esperava.

Apesar da resistência dos EUA, o tema entrará definitivamente na pauta internacional? RICUPERO: Não tenho dúvida de que a mudança do clima será o tema mais importante da agenda internacional em três a cinco anos. O aquecimento global vai superar o terrorismo, a nãoproliferação de armas nucleares e a questão do Oriente Médio.

A consciência em relação ao tema é universal?
RICUPERO: A percepção do tema está diretamente ligada à cultura. Quanto mais avançado e instruído o país, maior é a consciência do assunto. Na América Latina, o país mais avançado no assunto é a Argentina. Na COP-13, o Brasil ficou isolado e foi o único na região que se recusou a aceitar a proposta de incluir a floresta no Protocolo de Kioto. No fim do encontro, recuou.

O desmatamento da Amazônica é o maior telhado de vidro do Brasil. O que motivou essa posição? RICUPERO: O governo diz temer ingerência internacional. Mas o problema é que não consegue controlar o desmatamento. Se tivesse vontade política, bastaria proibir o BNDES de abrir frigoríficos na região. Não faz isso porque tem interesse mancomunado com os destruidores da floresta.

Dê exemplos de situações em que a Argentina defendeu posições mais avançadas que as brasileiras.
RICUPERO: Nos meses que antecederam a reunião em Bali, a chancelaria argentina fez várias consultas públicas para referendar a posição que a delegação iria defender na COP-13. Enquanto isso, o governo Lula criou um plano contra as mudanças climáticas que prevê consultas públicas. Só que nada saiu do papel até agora.

O senhor é crítico da política externa brasileira como um todo ou só na questão ambiental? RICUPERO: Eu sou favorável à política externa brasileira e acho que o governo do Brasil adotou a postura correta ao defender que a agricultura entrasse nas negociações comerciais.
O Brasil também acertou em cheio ao não assinar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Também sou favorável a brigar por ter um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Como o país não é uma potência nuclear, nem uma economia pujante como a chinesa, nosso grande trunfo é, sem dúvida, a questão ambiental.

Por quê?
RICUPERO: Temos a maior floresta tropical do mundo, uma das maiores reservas de água doce do planeta, as maiores reservas de biodiversidade, uma matriz energética limpa, além de experiência comprovada com etanol. A soma desses fatores deveria levar o Brasil a adotar uma postura próativa e aproximar as partes. A questão climática virou, com o fim da utopia socialista, a causa mais simpática do momento. Contraditoriamente, no entanto, o Brasil prefere se aliar ao famoso grupo dos 77 nas reuniões internacionais, onde se reúnem os países em desenvolvimento.

De quem o senhor acha que o país deveria se aproximar?
RICUPERO: O Brasil está adotando uma postura mão de gato. No fundo, estamos favorecendo os chineses, que serão, em breve, os maiores poluidores do mundo. O Brasil deveria voltar a adotar o papel de mediador.