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GEO-4: Nova estratégia para o Brasil? por Washington Novaes

[O Estado de S.Paulo] Embora não sejam novos, são inquietantes os diagnósticos e prognósticos do Global Environment Outlook (Geo 4) divulgados no final de outubro pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Porque, diz o relatório, “não há nenhuma grande questão levantada no documento Nosso futuro comum, em 1987, cujas tendências previstas sejam agora favoráveis”. E as conseqüências, afirma, são de “risco para a humanidade”, sobre a qual pesa a “ameaça de sobrevivência”. Palavras graves demais para passarem despercebidas.

O documento de 1987 lançou o conceito de “desenvolvimento sustentável”, aquele capaz de atender às necessidades das atuais gerações sem comprometer os direitos das futuras. Conceito que continua no campo das utopias, segundo o relatório agora escrito por 390 cientistas e revisto por outros mil.

É preciso “corrigir o paradigma do desenvolvimento centrado na tecnologia”, entendem esses cientistas e o diretor-executivo do Pnuma e subsecretário-geral da ONU, Achim Steiner; não permitir que os interesses de “grupos poderosos” continuem a “influenciar as decisões políticas”; é imprescindível “deslocar o tema ambiental da periferia para o centro das decisões”. Se não for assim, “a conta que passaremos aos nossos filhos pode ser impossível de ser paga”.

O documento corrobora os diagnósticos do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) e considera necessário um corte radical nas emissões de gases poluentes da atmosfera, para evitar que a temperatura planetária suba além de 2 graus, com “danos maiores e irreversíveis” no clima. Mas essas emissões continuam aumentando. E “parte do progresso na redução de emissões em alguns países desenvolvidos foi alcançada à custa do mundo em desenvolvimento, para o qual a produção industrial e os conseqüentes impactos causados são deportados”.

Não é só. O buraco na camada de ozônio continua “maior do que nunca”. Hoje já são usados cerca de 50 mil compostos químicos e mais 85% disso estão previstos para os próximos 20 anos. A chuva ácida cresce em toda parte. E o panorama na área dos recursos e serviços naturais só se agrava, com o consumo humano já superando a capacidade de reposição em mais de 30%. Os estoques pesqueiros continuam a reduzir-se, degradam-se terras férteis, diminui a água de boa qualidade disponível, avança a desertificação. A extinção de espécies e a perda da biodiversidade ocorrem em progressão inédita.

Diante de informações tão graves, o que fará o Brasil? Neste momento, a tendência é de continuar avançando na ocupação de áreas novas, a julgar por um relatório recente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) divulgado pelo jornal O Popular, de Goiânia (29/10). Diz ele que em três anos a área plantada com cana-de-açúcar no Estado cresceu 52%, passou de 215,9 mil hectares para 328,2 mil hectares. E está prevista a instalação de mais 74 usinas no Estado, onde as licenças para desmatamento em “áreas de mata nativa” atingiram 555,4 mil hectares em seis anos.

De acordo com o mesmo relatório, a expansão da área plantada com cana em Minas Gerais foi de 62,4%; no Paraná, de 43%; no Mato Grosso do Sul, de 42%; em São Paulo, de 25,5%; e em Mato Grosso, de 16,2%.

Também na Amazônia voltou a crescer o desmatamento, inclusive para o plantio de cana – gerando até discussões entre ministros do atual governo. E, segundo relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) reproduzido neste jornal (24/10), provavelmente continuará, dadas as projeções de que o Brasil passará de 23% para 28% sua fatia no mercado mundial de carnes em dez anos, chegando a 8,4 milhões de toneladas anuais, e aumentará sua exportação de soja em 54%, para dominar 41% do mercado mundial em uma década. O relatório da OCDE manifesta preocupação com as conseqüências desse avanço sobre os recursos e serviços naturais, inclusive em áreas de floresta.

Tudo isso ocorre no momento em que começam a surgir questionamentos quanto a fragilidades do modelo de exportação intensiva, inclusive de commodities, necessário para suprir déficits em outras áreas, principalmente na da dívida (Estado, 26/9, 22/10, 24/10 e 27/10) – agora agravados com taxas de juros privilegiadas para tomadores estrangeiros de títulos da dívida e com a concessão de novos incentivos fiscais aos setores atingidos pela desvalorização do dólar.

Chama a atenção, nesta hora, a entrevista em que o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger (O Popular, 23/10), revê fundamentos da política econômica. “O Brasil”, diz ele, “tradicionalmente crescia em setores favorecidos, avançados e internacionalizados de sua economia. Os governos esperavam que esse crescimento gerasse excedente econômico e que parcela desse excedente pudesse ser redistribuído à grande maioria excluída, por meio de políticas sociais compensatórias. O país não quer mais esse estilo, que, além de não atender às reivindicações sociais do povo brasileiro, acaba por comprometer o próprio crescimento (…) O país quer que o social seja radicalizado no próprio modelo econômico.”

Acha ele insustentável a política industrial baseada em “perdão fiscal” e “crédito subsidiado”. Deveria ela voltar-se agora “para o mundo das pequenas e médias empresas”. A agricultura, a seu ver, terá de ser moderna, porém voltada para a agricultura familiar. Será preciso deter o processo de “queda na participação dos salários na renda nacional”. Um zoneamento ecológico/econômico e estratégico terá de ser feito, especialmente na Amazônia.

Seriam mudanças muito fortes. E se tudo isso – com seus reflexos na área decisiva dos recursos e serviços nacionais – está realmente na cogitação e na formulação do governo federal, é preciso discutir com o País todo. Com urgência.

Washington Novaes é jornalista E-mail: wlrnovaes@uol.com.br

(www.ecodebate.com.br) artigo publicado pelo O Estado de S.Paulo – 02/11/2007