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Artigo

Agências Reguladoras: cabides de emprego, por Ana Echevenguá

1. Princípio da descentralização

Para facilitar a prestação estatal de serviço público adequado e de qualidade e, em observância ao princípio do “Estado Bem-Estar”, surgiu o princípio da descentralização que, na teoria, permite ao Estado desempenhar suas funções com eficiência e eficácia.

Na prática, a descentralização dos serviços exige:

– flexibilizar os monopólios estatais,

– e reduzir barreiras ao ingresso de capital estrangeiro para que os grandes grupos econômicos transnacionais possam explorar serviços essenciais ao bem comum (atividade exclusiva do Estado), como os serviços de telecomunicações e energia.

Quando estes ventos do neoliberalismo invadiram o Brasil, nossos governantes decidiram entregar o nosso patrimônio às transnacionais. Privatizaram (venderam) quase tudo: telefonia, transporte, água, energia elétrica, … Ou seja, cerca de 70% dos nossos serviços públicos passaram às mãos dos interesses privados, entregues aos capitalistas durante o governo de FHC.

E, alegando maior segurança e controle, criaram órgãos pseudo-independentes do governo para intermediarem as relações entre o público e o privado e regulamentarem os serviços públicos privatizados.

Assim nasceram as Agências Reguladoras, insertas na lógica administrativa do modelo neoliberal. E sua função primordial é compatibilizar a qualidade do serviço prestado com a tarifa a ser paga, equacionando o serviço com o preço a pagar.

Tal preço deve ser baixo ao consumidor e garantir a taxa de retorno ao capital investido.

2. Na teoria: independência das Agências

Na teoria, as Agências Reguladoras possuem autonomia política, financeira, normativa e de gestão. Devem formar conselhos de profissionais especializados em suas áreas, com independência em relação ao Estado, e com poderes de mediação, arbitragem e, o mais importante, devem ditar as regras entre os atores envolvidos: o Poder Público, o prestador dos serviços e o usuário.

Diante deste leque de atuação, autonomia e independência são fundamentais para que as Agências possam exercer suas funções, já que o maior bem jurídico que elas tutelam é o interesse comum. Não podem, portanto, estarem sujeitas aos desmandos político-partidários.

Para tanto, foram criados mecanismos viabilizadores da sua autonomia financeira:

– arrecadação de taxas de fiscalização estipuladas nos contratos de concessões,

– estrutura formada por brasileiros idôneos com profundo conhecimento técnico-jurídico sobre a atividade regulada.

3. Na prática: dependência das Agências

Sob a atual estrutura brasileira que tem a economia controlada por grupos concentradores estrangeiros, nenhuma das agências reguladoras (ANAEL, ANATEL, ANA, ANS, ANVISA…) têm autonomia para cumprir suas funções primordiais. Hoje, não passam de cabides de emprego!

A interferência estatal nas agências começa na definição da verba disponível. Este ano, segundo o SIAFI – Sistema Integrado de Administração Financeira, da verba de R$ 7,1 bilhões autorizados pela Lei Orçamentária para elas, 75% (R$ 5,3 bilhões) estão congelados porque são “reserva de contingência”, um limite imposto pelo Executivo. (Esse mesmo congelamento ocorreu em 2005 e em 2006).

Segundo o Ministério do Planejamento, os responsáveis pela elaboração do orçamento e pelo valor contingenciado são os ministérios aos quais estas agências estão vinculadas.

4. Falando especificamente da ANP

A ANP – Agência Nacional do Petróleo – está vinculada ao Ministério de Minas e Energia. E o ministro Nelson Hubner está falando em mudar a lei que definiu a dotação orçamentária da ANP. Alega que “a lei está errada” porque obriga repasse exagerado de recursos para a agência (R$ 2 bilhões em 2007). Segundo ele, é preciso “direcionar parte desses recursos para setores que também têm necessidade”.

Claro que a ANP contesta está possibilidade. Seu atual diretor-geral, Haroldo Lima, alega que, do orçamento aprovado de R$ 300 milhões para 2007, só foram liberados R$ 160 milhões. Além disso, a ANP tem direito a 28% dos recursos da ‘Participação Especial’ paga por empresas que exploram campos de petróleo de grande produção ou de alta lucratividade (destinado a estudos das bacias geológicas). Em 2007, estes 28% significam R$ 2,6 bilhões; mas a ANP só recebeu 3% desta verba (cerca de R$76,8 milhões).

Tais cortes de verbas prejudicam a agência na fiscalização e realização de estudos e pesquisas para novas áreas de exploração de petróleo, fundamental para que o Brasil atinja a auto-suficiência na produção deste recurso.

5. É muito dinheiro para remunerar tanto desserviço!

Estamos sentindo no bolso mais um desses desmandos. A ANP não conseguiu explicar porque a redução de 39% do preço do álcool combustível nas usinas não foi repassada integralmente ao consumidor final, aquele que adquire o produto nos postos de gasolina.

6. O que aconteceu?

O preço do álcool combustível no varejo é assim composto: 63,9% (preço do produtor) + 19,3% (tributos) + 16,8% (componentes fixos como salários e demais despesas…).

Como vimos anteriormente, deve a ANP monitorar o preço dos combustíveis para que este compatibilize a qualidade do serviço prestado com a tarifa a ser paga, equacionando o serviço com o preço a pagar.

Segundo dados da Unica e do CEPEA/ESALQ, desde março de 2007 – início da safra de cana-de-açúcar – o preço do álcool nas usinas caiu 39%. E na bomba, caiu apenas 9%.

A ANP não explica o que houve no trajeto da usina ao posto de abastecimento que provocou o sumiço de 30% da redução do preço do etanol. Para ela, que deve monitorar os preços, qualquer variação de preço é transferida automaticamente ao consumidor final. Claro que, “quando sobe, o repasse é mais rápido. Essa é uma regra do mundo” – afirmou Haroldo Lima – e que o tempo máximo para que o aumento de preço da gasolina na refinaria chegue aos postos de combustíveis é de 11 semanas. E, quando há queda de preço, o prazo é de 12,75 semanas.

Mas o tempo passa e o consumidor continua lesado!

O vice-presidente-executivo do Sindicom – Sindicato das Companhias Distribuidoras de C e Lubrificantes, Alísio Vaz, conta outra história. Ele jogou a culpa do sumiço da redução do preço do álcool ao ‘Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final’, usado também para o cálculo o ICMS: “Os estados que adotam esse índice se baseiam num preço médio de mercado para o recolhimento do ICMS. A pesquisa é feita a cada 15 dias. Então, o ICMS que a distribuidora paga hoje em relação ao álcool é referente a uma pesquisa que o estado definiu. E os estados demoram 15 dias para rever esses preços.

Além disso, ele afirma o fato de o consumidor estar pagando mais caro pelo combustível não se deve à concentração da distribuição, que é controlada por 30 empresas. Ao contrário, para ele, é grande a competição nesse segmento.

As desculpas são incompreensíveis! Uma coisa é certa: a lesão no bolso do consumidor final que poderia estar pagando 30% a menos pelo seu combustível.

7. O que o consumidor pode fazer?

1. Lutar pela extinção dessas agências inúteis ao crescimento do Brasil que privilegiam os interesses privados de poucos e prejudicam a prestação dos serviços públicos essenciais. Segundo o engenheiro mecânico Thomas Fendel, não precisamos delas. “… Não temos uma Farinhabras, uma Leitebras (…) o leite, que é um produto perecível, delicado e alimento, requer apenas uma precária vigilância sanitária, presente em cada cidade. Assim não precisamos de agências que cuidem das energias e os combustíveis…”.

2. Ou lutar pelo cumprimento das leis no Brasil e exigir a criação de mais uma Agência Reguladora que trate especificamente da agroenergia, dos biocombustíveis, de energias alternativas… que hoje está nas mãos da ANP.

Mas esta nova agência deve cumprir suas funções (não ser mais um cabide de empregos), promover o desenvolvimento da produção por pequenos e médios produtores, e ter competência legal para a regulamentação da agroenergia.

Ana Echevenguá, advogada ambientalista, coordenadora do programa televisivo Eco&Ação, email: ana@ecoeacao.com.br

in www.EcoDebate.com.br – 17/07/2007