EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

mudanças climáticas: Alarme para a maior ameaça à segurança global, por Margaret Beckett

Torna-se cada vez mais claro que as mudanças climáticas têm conseqüências que chegam ao próprio cerne da segurança dos países

[Folha de S.Paulo] As mudanças climáticas são questão fundamental de segurança. A comunidade internacional vê nelas uma ameaça sem precedentes

O representante congolês falou mais ou menos na metade do debate no Conselho de Segurança da ONU.

“Esta não será a primeira vez em que povos lutaram por terra, água e recursos naturais”, disse, “mas, desta vez, a luta será em uma escala que vai superar de muito longe os conflitos do passado.”

O representante francês falou da “ameaça número um à humanidade”.

O delegado belga disse que, na resposta que daremos à ameaça, precisamos fazer nada menos que repensar de alto a baixo a maneira como pensávamos a segurança: que não podemos nos dar ao luxo de cair numa armadilha que já custou tão caro à humanidade ao longo da história, presumindo que o futuro terá a cara do passado.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, disse que os cenários que nos confrontam são alarmantes.

Qual o alvo de tanta preocupação?

As mudanças climáticas. O clima cada vez mais instável já não é visto como problema primariamente ambiental ou econômico.

À medida que a ameaça que enfrentamos cresce em escala e vem se aguçando nos últimos dois anos, se torna cada vez mais claro que as mudanças climáticas têm conseqüências que chegam ao próprio cerne de nossa agenda de segurança.

Inundações, doenças e fomes generalizadas – e daí a migrações em escala sem precedentes e em regiões em que o grau de tensão já é alto.

Seca e perda de safras e, decorrentes delas, competição intensificada por alimentos, água e energia em regiões em que os recursos naturais já estão exauridos.

Perturbações econômicas na escala prevista no Relatório Stern e que não eram vistas desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Não se trata da segurança nacional limitada, mas de nossa segurança coletiva num mundo frágil e cada vez mais interdependente.

Mais uma vez, tragicamente, serão os mais vulneráveis e os menos capazes de fazer frente à situação que serão os primeiros atingidos.

Uma coisa é certa: não existe opção entre um clima estável e a luta contra a pobreza. Sem o primeiro, a segunda certamente irá fracassar.

Quem quiser rastrear as ligações entre o que a ciência nos está dizendo sobre os impactos físicos e as ramificações mais amplas para nossa segurança fará bem em ler um relatório assustador de segunda-feira (16).

O Conselho de Assessoria Militar é um grupo dos mais respeitados almirantes e generais na reserva dos EUA.

Em suas carreiras, enfrentaram de tudo, desde a contenção e a dissuasão da ameaça nuclear soviética na Guerra Fria até a luta mais recente contra o terrorismo e o extremismo.

Eles são mais ou menos o mais longe que é possível chegar do velho estereótipo do ambientalista que abraça árvores.

Mas nesse relatório eles afirmam categoricamente que as mudanças climáticas projetadas representam uma ameaça grave à segurança nacional dos EUA.

As mudanças climáticas, dizem, são “um multiplicador de ameaças de instabilidade em algumas das regiões mais explosivas do mundo”.

Em outras palavras, um clima instável vai tornar ainda mais freqüentes e mais graves as tensões e os conflitos do tipo que é enfrentado dia após dia pelo Conselho de Segurança.

São essas preocupações que estiveram por trás da decisão do Reino Unido de empregar a presidência do Conselho de Segurança para instigar esse debate inusitado na terça-feira, dia 17 de abril.

E são elas que impeliram 53 países – número quase sem precedentes – a se inscrever para discursar e participar.

Levar o problema ao Conselho de Segurança não constitui opção alternativa à ação em outros âmbitos da ONU ou da comunidade internacional. Sou a última pessoa que gostaria de solapar esses e outros esforços multilaterais vitais.

Mas, pelo fato de ser, como é, encarregado da manutenção da paz e da segurança internacional, o CS tem condições de dar contribuição única para a construção de uma compreensão comum do que um clima instável vai significar para nossa segurança individual e coletiva.

As decisões às quais chegarmos e a ação que adotarmos quando começarmos a construir uma economia global com baixa emissão de carbono serão melhores, mais fortes e mais eficazes por serem informadas pela compreensão mais plena possível das implicações das mudanças climáticas -incluso o imperativo da segurança.

O dia 17 foi um marco. Marcou o reconhecimento das mudanças climáticas como questão fundamental de segurança.

Demonstrou que a maioria da comunidade internacional enxerga um clima instável como ameaça sem precedentes e que precisamos enfrentar com urgência e abrangência.

Se tivermos êxito no esforço compartilhado, teremos uma perspectiva de segurança melhor. As ameaças climáticas são um perigo que pode nos unir, se formos sábios o suficiente para impedir que nos separe.

Margaret Beckett é ministra das Relações Exteriores do Reino Unido.

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pela Folha de S.Paulo – 29/04/2007