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Artigo

Pais engajados, filhos individualistas, por Maria Clara R. M. do Prado

[Valor Econômico] Individualistas, egoístas, ambiciosos, materialistas, personalistas. Estes são alguns dos adjetivos usados para qualificar o perfil dos jovens de hoje em geral, mundo afora. São características bem diferentes daquelas que costumavam identificar os jovens da geração anterior, mais influenciada que era pelo coletivo, o emocional, o engajamento e o idealismo.

Mas que perfil tem o jovem brasileiro, moças e rapazes, neste Brasil com necessidade urgente de virar presente embora teime em ser sempre futuro? Que angústias? Que objetivos? Que pensamentos orientam a juventude recém-ingressada ou que está prestes a entrar no mercado?

Primeiro, é preciso notar que a palavra mercado tem hoje conotação muito mais ampla do que antes. Não pode ser confundida simplesmente com o mercado de trabalho, pois cada vez mais os jovens, independente de classe social, iniciam uma atividade produtiva através de micro ou pequenas empresas próprias que lhes dão mais liberdade de iniciativa, apesar do maior risco.

No ano passado, a empresa de pesquisa Data Popular realizou uma pesquisa com jovens da classe média brasileira, de 20 a 30 anos de idade, com renda individual de no mínimo R$ 3 mil e que estivessem cursando ou já concluído um curso universitário. O universo pesquisado, como se vê, é a classe média.

A pesquisa teve dois desdobramentos. Um, quantitativo, envolvendo um mil questionários, aplicados nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e Salvador (200 questionários por cidade). E outro, qualitativo, com a ajuda de seis grupos de discussão (dos quais dois foram formados por jovens que atuam no mercado de capitais).

O trabalho foi dividido em sete grandes temas: Brasil; diferenças de geração; ambição; crenças e valores; família; mercado de trabalho e mercado de capitais (a atenção especial a este setor é explicada pelo fato da pesquisa ter sido encomendada pelo grupo Ação Jovem do Mercado de Capitais, que reúne rapazes e moças com atuação na Bovespa, na BM&F e nas instituições financeiras ligadas à área).

Alguns resultados são muito interessantes e até discrepantes. Por exemplo, com relação ao capítulo Brasil a pesquisa mostra que os jovens da classe média são críticos à atual situação de corrupção e de desigualdade de renda – 48% acham que o país enfrenta crise generalizada e põem peso maior na política e no econômico como fatores motivadores da crise – mas se revelam “apolíticos”: 74% dos pesquisados declararam-se não interessados em política.

Não se enxergam como agentes políticos, não se interessam pela política e acham que a política não funciona como instrumento de transformação social. Apenas 26% souberam dizer o nome do ministro do Planejamento do Brasil. A corrupção é “cultural” no Brasil e, por conta disso, na opinião da maioria, chega a ser natural que faça parte das instituições. A descrença na política está diretamente ligada à impunidade generalizada.

Contudo, os jovens são otimistas com relação ao futuro do Brasil e mais ainda com respeito ao próprio futuro: 92% dos pesquisados acreditam que dentro de cinco anos estarão melhores em termos pessoais.

Quanto às questões envolvendo diferenças de geração, fica claro o tremendo corte existente entre o que os jovens pensam do comportamento de seus pais e mães em comparação com o próprio comportamento. A geração dos pais é menos estressada para 79% dos entrevistados; mais comprometida com a empresa para 89%; mais interessada em política para 83% e mais de esquerda. Aqui, foi feita uma divisão das respostas em função das cidades onde a pesquisa foi aplicada e os resultados sobre os que acham os pais mais de esquerda é o seguinte: 81% em São Paulo; 59% em Salvador; 54% em Belo Horizonte; 45% no Rio e 41% em Porto Alegre. E, para ficar coerente, 82% entre todas as cidades responderam que consideram os pais (e mães) menos preocupados com a beleza.

A conquista do sucesso profissional – medido em dinheiro, status, função profissional e reconhecimento – é o maior sonho de 35% dos entrevistados para os próximos cinco anos, quando pretendem estar ganhando pelo menos três vezes mais o salário atual.

Estes jovens têm plena consciência de que a busca da realização profissional compromete a vida pessoal, mas colocam o dinheiro como primeiro objetivo. Precisam dele para sua escalada profissional que depende do aprimoramento através de cursos e de investimentos na aparência, na rede de relacionamentos e nas atividades de lazer e até nas iniciativas junto ao terceiro setor, tudo com a intenção de ampliarem os contatos e a influência.

São, além disso, “polígamos corporativos”. Vão para as empresas que pagam mais e evitam manter laços profissionais em proveito da maior mobilidade. São ansiosos, imediatistas e acham a boa aparência física (ser magro, depilado e estiloso) é fundamental para subir na vida: 97% dos entrevistados se revelaram preocupados com a beleza.

No campo comportamental envolvendo crenças e valores os jovens da classe média não têm um perfil tão bem definido. Revelam-se conservadores em alguns aspectos mas progressistas em outros, com boa parte dividido entre o sim e o não.

Entre os entrevistados, 63% são contra a legalização das drogas e 69% defendem o direito à greve. Mas as respostas ficam equilibradas com relação a temas como pena de morte (45% contra e 42% contra); legalização do aborto (48% a favor, 39% contra e 14% sem opinião) e a união civil entre pessoas do mesmo sexo (54% a favor, 28% contra e 18% sem opinião).

A pesquisa mostra que há menos conflitos de geração hoje e que os pais procuram conciliar as vontades dos filhos: 63% moram com os pais e usam essa facilidade como apoio que facilita o início da vida profissional. Não está entre as prioridades dos jovens a constituição de família (resposta de 61%).

Os jovens são estressados (85%) pela alta competitividade que enfrentam. Para eles, não há nada pior do que o fracasso profissional. Gostam de colecionar diplomas e adoram manuais de auto-ajuda.

A pesquisa dá uma idéia da cara do Brasil em 2020. E que não se perca tempo com juízo de valor. Românticos e politicamente engajados, os pais de hoje viveram na juventude uma realidade que faz parte apenas dos textos históricos.

Maria Clara R. M. do Prado, jornalista, é sócia diretora da Cin – Comunicação Inteligente e autora do livro “A Real História do Real”. Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras. E-mail: mclaraprado@ig.com.br

(www.ecodebate.com.br) artigo originalmente publicado pelo Valor Econômico – 18/01/2007