EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Barra Grande: politização da Justiça e confisco dos interesses difusos, por por Ana Candida Echevenguá e Christian Guy Caubet

A sociedade precisa ser melhor informada sobre o escândalo que envolve o caso da Usina Hidrelétrica de Barra Grande, em construção no rio Pelotas (limites entre Rio Grande do Sul e Santa Catarina). Um Termo de Ajuste de Conduta, por muitos reputado criminoso, autorizou o corte da Mata Atlântica.

O Poder Judiciário, provocado, está moroso; as ações civis públicas ajuizadas estão à espera de uma decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre), do qual sequer recebemos alguma indicação sobre o fato de saber quem é competente para decidir sobre o caso. Pois que NINGUÉM quer ser competente para decidir sobre um caso que evidencia a cumplicidade da administração pública com a devastação ambiental. A imprensa calou sobre o assunto. A sociedade continua passiva diante da derrubada das árvores.

Para entender o caso

Foi ajuizada, em setembro de 2004, em Florianópolis, uma Ação Civil Pública buscando a nulidade do processo de licenciamento ambiental da usina hidroelétrica (UHE) de Barra Grande. A decisão liminar deferida neste processo – proferida pelo juiz federal Osni Cardoso Filho nos autos do processo 2004.72.00.013781-9 – suspendeu a autorização de desmatamento da área para a constituição do lago de represamento da água da barragem. Os réus atacaram-na por meio dos recursos legais disponíveis! Tanto a Advocacia Geral da União, terrivelmente rápida em defender as iniciativas predadoras dos empreendedores particulares contra os interesses da sociedade brasileira, como a própria União, obtiveram, em novembro de 2004, perante o Tribunal Regional Federal da Quarta Região, a suspensão da decisão liminar acima citada. Esta suspensão determinada pelo juízo de segundo grau continua – até hoje – surtindo efeitos jurídicos enquanto não acontece o julgamento de forma definitiva.

De modo que a devastação se efetua com base em decisão de justiça que encobre uma omissão da mesma Justiça. Não consegue pronunciar-se sobre o único assunto que interessa: barrar a construção de Barra Grande, enquanto não se regulariza a situação. E sabemos que é impossível regularizar um crime ambiental para viabilizar o empreendimento. Desde então, sabemos que o TRF4 considera a questão relevante. Ocorre que a medida liminar foi deferida por um juízo considerado incompetente. Mas ainda não sabemos quem tem a competência para decidir sobre o caso Barra Grande e quando o TRF4 apresentará sua decisão definitiva.

Enquanto isso: três ações civis públicas ajuizadas em Florianópolis que requerem, entre outros, a cessação imediata do corte da Mata Atlântica, não estão recebendo o tratamento adequado; uma ação civil pública ajuizada na Comarca de Caxias do Sul foi remetida para a Comarca de Florianópolis porque o magistrado de lá entendeu ser o de cá o competente para decidir sobre o caso; uma ação civil pública ajuizada na Comarca de Lages só terá seus pedidos apreciados após a manifestação do TRF4; a Mata Atlântica está sendo derrubada em ritmo acelerado. Se alguém quisesse auxiliar na confecção de um fato consumado, ele não faria outra coisa, além de deixar acumular as situações descritas.

A incompreensível morosidade do Poder Judiciário

Claro está que o Poder Judiciário, neste processo, não está considerando o princípio da precaução, norteador das decisões em matéria ambiental. Estamos diante de um caso de descumprimento, por uso da técnica metajurídica do joão-sem-bracismo, da Constituição Federal e de diversas disposições legais.

Salvo juízo mais refinado, esta questão encontra-se eivada de falta de vontade política de decidir a favor do meio ambiente. O apego aos argumentos formais/processuais é apenas um subterfúgio para procrastinar uma decisão que, no fundo, é política (como quase tudo no Direito e, em particular, na área ambiental.).

O caso de Barra Grande extrapola as questões técnicas, levando-nos a questionar o comportamento das pessoas nele envolvidas. A morosidade, a falta de coerência nas decisões e os privilégios constantes em um Termo de Ajustamento de Conduta firmado pelos altos escalões do governo federal e pelo Ministério Público Federal estão permitindo a extinção do Patrimônio Nacional Mata Atlântica, reputado indisponível pela Constituição Federal, em detrimento do meio ambiente e da eficaz proteção e restauração imediata do direito.

Resta-nos manter a luta, cientes de que qualquer decisão permissiva das atividades criminosas da Baesa redundará em crime de responsabilidade.

Pode-se finalizar com as palavras do juiz de Direito, atuante em Santa Catarina, Romano José Enzweiler, extraídas do artigo I’m sorry!, que trata da ‘perversa politização da Justiça’: “Quando a Polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário trabalham com vistas à satisfação de interesses político-populescos imediatos, abre-se o chão sob nossos pés. Policiais, promotores e juízes acovardados, sem independência para investigar, denunciar e julgar, removíveis a pedido de cabos eleitorais contrariados, só interessam à lógica do mercado. O custo da insanidade pode ser alto, como o pago pelos ingleses no caso Guildford/Maguire”.

De prevalecerem as decisões omissivas da administração pública da justiça, teremos a transferência de um patrimônio público que a lei reputa indisponível ( mais de 4000 hectares de floresta a ser derrubada para encher o lago da represa) a uma empresa privada, em nome do ajustamento de uma conduta já reconhecida como criminosa (o EIA-Rima mentiroso, forjado para justificar a construção da barragem) pelo Ministério do Meio Ambiente, e mediante a viabilização de crime ambiental (o próprio abate de árvores) já caracterizado nos autos do processo. Mas é só o processo não andar agora para que, logo após a derrubada das árvores e ainda durante o enchimento da represa, a justiça diga: “Meu Deus! Bem que eu queria impedir isso, mas agora já é tarde. Mas que lástima, minha gente!”

*Ana Candida Echevenguá é advogada ambientalista e presidente da ONG Ambiental Acqua Bios e Academia Livre das Águas. A colunista escreve todas as quartas-feiras para a EcoAgência.
*Christian Guy Caubet é professor universitário do Departamento de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),

Os dois articulistas são co-autores de Ações Civis Públicas para tentar impedir o crime da Barra Grande.

Nota do EcoDebate

Ana Candida Echevenguá é coordenadora do Eco&Ação – Ecologia e Responsabilidade, que é o primeiro programa voltado para o meio ambiente, ecologia e responsabilidade socioambiental, tanto nas áreas urbanas como nas rurais. E seu público alvo são formadores de opinião que integram a nossa sociedade, meio universitário e o consumidor em geral.

O programa tem 30 minutos de duração; é exibido semanalmente, às Quintas-Feiras, das 14h30 às 15h00, na TV BV – Band. E atinge um público potencial de 8 milhões de pessoas (2 milhões e 200 mil domicílios com TV) em todo o Estado de Santa Catarina, sul do Paraná e norte do Rio Grande do Sul.

O Eco&Ação e o EcoDebate compartilham conteúdos e ações, integrando seus esforços pela socialização da informação sócio-ambiental.

in www.EcoDebate.com.br – 15/12/2006

One thought on “Barra Grande: politização da Justiça e confisco dos interesses difusos, por por Ana Candida Echevenguá e Christian Guy Caubet

  • O único comentário possível é que se trata de um ABUSRDO!!!! um CRIME hediondo, que terá seus efeitos sentidos pelos netos e bisnetos dos senhores e sanhoras envolvidos no caso. É INADMISSÍVEL A IRRSPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES. ENQUANTO NÃO HOUVER PENAS SEVERAS PARA ESSE TIPO DE CASO, os interesses de pequenos grupos sempre prevalecerão e quem pagará a conta é a sociedade. O Poder Judiciário não pode se omitir em uma situação dessas sob argumentos e subterfúgios processuais. O DIREITO É QUE DEVE PREVALECER. O PROCESSO É APENAS UM ISTRUMENTO A SERVIÇO DO DIREITO!!!!

Fechado para comentários.