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Civilizatoriamente, o mundo andou para trás, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

 

opiniao

 

Tudo faz crer que estamos enfrentando algo muito mais grave que uma circunstancial crise econômica, política ou ética.

Não se faz necessário desfiar e historiar exemplos, que estão aí de roldão, seja nas decorrências políticas e sociais da crise econômica global, seja nos horrores das guerras locais e suas associadas ondas de vítimas e refugiados, seja na radicalização ideológica das disputas políticas internas, seja, incrível, no próprio retorno do risco de uma guerra global

Fato real é que em termos de valores civilizatórios o mundo vem temerariamente retrocedendo à época em que a violência, sob todos seus matizes, se oferecia como o instrumento natural para a solução de conflitos de qualquer ordem.

A sociedade brasileira é hoje um exemplo claro dessa tragédia civilizatória.

Os valores humanistas e iluministas que marcaram a recuperação da democracia ao final do século XX, representando um alentado avanço cultural civilizatório na história brasileira, perderam grande parte de seu sentido, sendo hoje até motivos de chacotas.

A maquiavélica indústria do consumismo produziu uma massa que busca compulsivamente a demonstração dos valores materiais/sociais de sucesso que lhe enfiaram mente a dentro, o egoísmo e o sentido de tirar-se vantagem de qualquer circunstância prevalecem nas relações humanas, a gentileza entre cidadãos tornou-se um acontecimento raro e estranho, crescem em poder e selvageria o banditismo marginal e sua contrapartida nos sistemas públicos de segurança, dezenas de milhões entregam-se bovinamente às pregações obtusas e intolerantes da malandragem neopentecostal, os impulsos de intolerância, ódio e exclusão dão a nota no trato das diferenças, legitimam-se os posicionamentos fascistoides, encontrando ampla guarida e repercussão em vários segmentos da sociedade, as lutas políticas e ideológicas transformaram-se em guerras de extermínio e exclusão de adversários

Os fatores causais desse terrível fenômeno são vários e complexos. Mas não se pode, no caso brasileiro, apequenar a responsabilidade do PSDB e do PT por estarmos, após 30 anos de reconquista da democracia, em um estágio civilizatório nitidamente mais atrasado.

Se tivéssemos à mão um indicador numérico de civilidade humana, sem dúvida o brasileiro médio hoje estaria muitos pontos abaixo do brasileiro médio de 1985. Indesculpável o total descaso dos governos democráticos que se sucederam após 85 com a formação do caráter cívico do povo brasileiro, tanto por falta de ações diretas de uma educação emuladora dos valores humanistas e de ações conscientizadoras de uma verdadeira cidadania, como pelos maus exemplos éticos oferecidos pelos administradores públicos que, ao contrário, teriam como obrigação proporcionarem-se como referências sociais de abnegação e conduta, especialmente para nossa juventude.

É difícil prever-se o que, a curto e médio prazos, poderá acontecer na sociedade brasileira. Uma coisa é certa, não será boa coisa.

A recuperação, o cultivo e o fortalecimento de valores humanistas de cidadania talvez constituam a transformação de qualidade de mais dificultosa realização dentro de uma sociedade. Ainda assim, talvez se apresente como a tarefa cotidiana de maior importância para aqueles que “sobreviveram” e tem consciência de sua essencialidade.

Álvaro Rodrigues dos Santos (santosalvaro@uol.com.br)
Geólogo formado pela Universidade de São Paulo; ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT; autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos” e “Enchentes e Deslizamentos: Causas e Soluções”, “Manual Básico para Elaboração e Uso da Carta Geotécnica”, consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente. É Colaborador e Articulista do Portal EcoDebate.

 

Artigo enviado pelo Autor e originalmente publicado em Viomundo

 

in EcoDebate, 05/11/2015

[cite]


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2 thoughts on “Civilizatoriamente, o mundo andou para trás, artigo de Álvaro Rodrigues dos Santos

  • O TERRÍVEL LEGADO DO PASSADO.

    Resumidamente, afirmo que a espécie humana, desde os primórdios de sua existência, seguiu rumos opostos aos que seriam necessários seguir para atingir um estado de evolução pacífica e igualitária, sob o regime comunista, no qual todo o planeta Terra formaria um único Estado. O mérito principal que se pode ver na ‘evolução’ da espécie humana é o fato de ela ter conseguido sobreviver. Mas, na acirrada luta que travou durante toda sua História, acumulou vícios que, inevitavelmente, conduzirá todas as espécies, ainda existentes – inclusive a humana – ao exterminio. Falar de democracia no âmbito da exploração da maioria de seres humanos pela minoria detentora dos meios de subsistência, equivale a atribuir ao termo democracia um significado nulo. Ou os direitos de todos os seres humanos existentes são iguais, ou o termo democracia não passa de útil instrumento para compor os discursos da classe dominante. Psicologicamente, a espécie humana se tornou vítima de seus próprios medos, diante das dificuldades de sobrevivência e da certeza da morte indesejada e, sob todos os aspectos, inevitável. É considerando essas circunstâncias que poderemos chegar a uma compreensão da terrível condição em que se encontram todas as formas de vida que ainda existem no planeta Terra.

  • Muito pertinente a reflexão discorrida no artigo. Depois da barbárie que foi o golpe civil, militar, econômico e cultural de 1964, o qual abriu caminho para os atuais saqueadores do país, tivemos a partir de 1985 a oportunidade de construir algo bem diferente do que temos hoje no Brasil. Políticos e empresários definem isolados os rumos do país, ignoram o conhecimento gerado nas universidades, ignoram o bem estar da população e a saúde do meio ambiente. O Brasil está sendo avassalado pela cultura anglo-saxônica, a educação da classe dominante entregue a interesses mercantilistas disfarçados de colégios católicos, enquanto a classe pobre está a mercê do neo pentecostalismo , como bem frisou o Sr. Álvaro. Nossos valores estão pobres, pobres, pobres, muito pobres. Mas não é de se estranhar: os homens brasileiros que defendiam valores humanistas ou foram afastados do centro do poder ou foram mortos pela ditadura. Há vários exemplos, mas cito o caso do prof Anísio Teixeira, um homem franzino, de 71 anos, encontrado morto num poço de elevador. Qual a ameaça que um homem como ele representava para os interesses do golpe? Só podia ser pela sua inteligência e pelos projetos que ele tinha para a educação no país, que com certeza não eram os que temos hoje. Como disse o Chico Buarque, o golpe de 64 promoveu um emburrecimento do país e hoje somos vigiados de perto, para afastar qualquer tentativa mais consistente de sairmos dessa situação. E agora ainda temos que lidar com a famigerada mudança climática, que nada mais é do que uma mega-operação de guerra visando ao controle e domínio das populações e dos recursos do planeta. No Brasil é assim: eliminam-se os líderes, escondem a sua verdadeira história de vida e depois colocam o nome deles em alguma rua ou praça, ou mesmo em algum órgão do governo. Se sobrevivermos à falta de água que se anuncia para muito breve, poderemos tentar alguma mudança nesse quadro.

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