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Artigo

A transição religiosa no Brasil e no Rio de Janeiro: pluralidade gera pluralidade, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

 

“Sou católica, de berço. Mas nunca fui carola, nunca fui radical, nada.
Estudei em colégio de freiras, e isso até me afastou um pouco da Igreja
Católica. Depois é que voltei, naturalmente. Colégio de freiras é difícil.
Metem muito medo, é muita culpa, Deus me livre”.
Maria Bethânia

 

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[EcoDebate] O catolicismo predominou na América Latina e no Brasil durante cinco séculos, mas nas últimas décadas a região está passando por uma grande transformação religiosa. O Brasil – que ainda é o maior país católico do mundo – tem assistido a uma rápida queda dos filiados de sua religião hegemônica, um rápido crescimento dos evangélicos, além do aumento, em ritmo menor, de outras religiões e das pessoas que se declaram sem-religião.

Em 1940 os cristãos (católicos mais evangélicos) eram 98% da população, caindo para 89% na virada do milênio e atingindo 87% no ano 2010. As pessoas afiliadas a outras religiões e os sem-religião atingiram 13% da população brasileira, segundo dados do último censo demográfico, sendo que no Estado do Rio de Janeiro os não-cristãos já somavam 25% em 2010.

O Brasil está passando por um processo de transição religiosa, que corresponde a uma verdadeira revolução silenciosa (sem guerras e sem grandes conflitos sectários). O gráfico abaixo mostra a queda dos católicos foi maior onde seus percentuais já eram baixos, especialmente naqueles estados em que os católicos estavam com menos de 50% em 2010.

 

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Entre 2000 e 2010 a queda no percentual de católicos foi de 26% em Roraima, 23,7% no Acre, 17,8% no Rio de Janeiro e de 17,3% em Rondônia. No outro extremo, o Piauí que tinha 85% de católicos em 2010 apresentou uma queda de somente 5,3%. Isto quer dizer que pluralidade religiosa gera mais pluralidade, conforme mostra o gráfico. Significa também que quanto maior tenha sido a queda experimentada dos católicos, maior, em média, tende a ser a queda futura. Portanto, a transição religiosa tende a se consolidar e a se aprofundar.

O Estado do Rio de Janeiro é a Unidade da Federação com menor percentual de católicos (45,8%), o menor percentual de cristãos (75%) e a maior pluralidade religiosa, representando a vanguarda das transformações religiosas do Brasil. Segundo o censo demográfico de 2010 os católicos representavam 45,8% no Rio de Janeiro, os evangélicos eram 29,4% as outras religiões somavam 9,2% e os sem-religão eram 15,6% no território fluminense.

A queda dos católicos foi maior onde seus percentuais já eram baixos, especialmente naqueles municípios em que os católicos estavam com menos de 50% em 2010, conforme mostra o gráfico. Entre 2000 e 2010 a queda no percentual de católicos foi de significativos 40% na cidade de Carapebus e de 31,4% na cidade de Queimados. Por outro lado, os católicos cresceram ligeiramente nos municípios de São José de Ubá e Macuco, onde os percentuais das filiações católicas já eram altos e continuam acima de dois terços do total populacional.

De maneira mais acentuada do que a do conjunto do Brasil, a pluralidade religiosa no Rio de Janeiro tem gerado maior pluralidade religiosa, sem haver um piso aparente. Municípios como Seropédica e Japeri tiveram grandes variações nas filiações religiosas na primeira década do século XXI e os católicos já são menos de 30% nestas duas cidades. Portanto, a transição religiosa tende a se consolidar e a se aprofundar mesmo no Estado do Rio de Janeiro, onde o processo de mudança de hegemonia já está mais avançado.

 

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A cidade de Seropédica (onde funciona a sede da Universidade Rural – UFRRJ), situada no pé da Serra das Araras, na parte sul do estado do Rio de Janeiro, é um exemplo de rápida mudança religiosa. Até o início dos anos de 1990, Seropédica fazia parte do município de Itaguaí. No censo demográfico de 1991, Itaguaí tinha 55% de pessoas que se declaravam católicas e 21% de evangélicos. Portanto, os católicos eram maioria da população. Porém, a perda de católicos nos anos seguintes foi muito grande em ambas as cidades.

Em Seropédica, houve quase um empate no ano 2000, com os evangélicos atingindo 35,9% e os católicos 38,8% (entre as crianças e jovens de 0 a 14 anos houve ultrapassagem dos evangélicos). As outras religiões perfaziam um percentual de 5,3% e os sem religião 20,1%, conforme mostra a tabela 3. Na primeira década do século XXI a mudança continuou de maneira acelerada entre a população total do município, com os católicos caindo para 27,4% em 2010, os evangélicos subindo para 44%, as outras religiões para 6,3% e os sem religião subindo para 22,3%. O grupo de pessoas que se declara sem religião tem crescido, especialmente onde a disputa entre católicos e evangélicos é grande.

Nota-se que a queda maior dos católicos aconteceu entre os jovens. Na população de 0-14 anos de idade os católicos tinham só 21,7% em 2010, perdendo para os sem religião que perfaziam 23,1% e os evangélicos que alcançaram 49,9%.

Portanto, entre 1991 e 2010, os católicos de Seropédica caíram de mais de 50% para cerca de um quarto (25%). Foi uma perda muito acelerada e que parece que não vai ser interrompida imediatamente, pois os católicos estão mais representados entre os idosos e os evangélicos mais representados entre as mulheres em período reprodutivo e as novas gerações. Independentemente da migração inter-religiosa, haverá mudança apenas por conta da inércia demográfica e da sucessão de gerações.

Tudo leva a crer que as tendências ocorridas no Rio de Janeiro não são uma exceção em relação ao que ocorre no restante do Brasil. Simplesmente, o Rio está na vanguarda do processo de transição. O que acontece em território fluminense tende a se repetir nas demais Unidades da Federação com uma certa defasagem temporal e em ritmo um pouco mais lento.

Como mostrei em outro artigo, uma pesquisa divulgada em 21 de julho de 2013 pelo Instituto Datafolha mostra que, quando o Papa Bento XVI veio ao Brasil, em 2007, os católicos representavam cerca de 64% da população e agora na visita do Papa Francisco, os católicos representam apenas 57% da população nacional.

Ou seja, embora o Brasil nunca tenha presenciado tantas vindas papais na história (desde a primeira vinda de João Paulo II em 1980), o percentual de católicos tem diminuído na impressionante cifra de 1% ao ano. Será que o Papa Francisco, com a sua pregação de aproximação com os mais pobres, vai mudar esta realidade? Certamente, o Papa Francisco tem carisma e em sua visita Brasil evitou os temas polêmicos da Igreja e passou uma mensagem de esperança e de defesa das comunidades pobres. Ele fez discurso contra a corrupção e disse: “nunca desanimem, não percam a confiança”.

O Papa Francisco lançou a encíclica Laudato Si’, em junho, e fez um avançado discurso na Cúpula dos ODS na ONU no dia 25 de setembro de 2015. Ele visitou a América do Sul, Cuba e os Estados Unidos. Por onde passou emocionou multidões e conquistou muita simpatia.

Cabe então a pergunta: com a ajuda do Papa, será que a igreja católica no Brasil vai encontrar forças para virar o jogo e evitar a queda da primeira divisão do “campeonato” de religiões?

Referência:
ALVES, JED, CAVENGHI, S. BARROS, LFW. A transição religiosa brasileira e o processo de difusão das filiações evangélicas no Rio de Janeiro, PUC/MG, Belo Horizonte, Revista Horizonte – Dossiê: Religião e Demografia, v. 12, n. 36, out./dez. 2014, pp. 1055-1085 DOI–10.5752/P.2175-5841.2014v12n36p1055

ALVES, JED. Os Papas, os pobres e a perda de hegemonia dos católicos no Brasil, Ecodebate, RJ, 31/07/2013

 

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

 

in EcoDebate, 02/10/2015

[cite]


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3 thoughts on “A transição religiosa no Brasil e no Rio de Janeiro: pluralidade gera pluralidade, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

  • Francisco Bispo

    Não creio que a presença do Papa Francisco venha ajudar no crescimento do número de católicos. Apesar de seu carisma, as pessoas ainda estão na busca de soluções rápidas para os seus problemas. E isto vem sendo alimentado pelas religiões que estão que surgem aos montes. Os que se autodeclaram sem religião, não creem ser possível existir um Deus invisível que possa solucionar os seus problemas. Como católico posso afirmar que, em nossa igreja, não esperamos por curas rápidas, por soluções estantâneas. Esperamos em um Deus que sempre estará a nos ajudar, mesmo que essa ajuda venha no Seu tempo e não no nosso.

  • O IMBATÍVEL PODER DA CRENÇA RELIGIOSA.

    Entre 100 mil anos e 200 mil anos atrás, a espécie humana começou a inventar crenças religiosas para voltar a viver após a morte e para receber proteção dos deuses durante a breve e difícil vida, afirmam os estudiosos.

    Em diversas localidades do planeta Terra, povos diversos criaram deuses e religiões diferentes, e somete a cerca de 4 mil anos foi criada a primeira religião monoteista, o Judaismo (salvo engano).

    Em todas as épocas da História da espécie humana, o poder dominante sempre se beneficiou da crença religiosa como mais um instrumento de dominação.

    Olhar para a espécie humana em seu estágio atual, em que predomina grande desenvolvimento científico, e ver o grande poder que as crenças religiosas exerce sobre quase a totalidade dos seres, é algo alarmante, incompreensível e estarrecedor.

    No Brasil, houve a confluência – melhor dizendo, o choque – das crenças dos povos primitivos daqui, com as crenças trazidas da África e com a crença dos invasores europeus, a qual foi imposta aos outros povos, que eram – e são – submissos. Assim, a crença trazida da europa se impôs e é predominante.

    As diferenças dos nomes que são dados a essa crença religiosa vinda da europa não é significante. Se se fala da Igreja Católica ou das várias religiões chamadas de evangélicas, que têm diversas denominações, em essência fala-se da mesma coisa: o cristianismo, em que há um Deus todo-poderoso que não se sabe de onde veio, mas dizem que não teve começo nem terá fim. Trata-se de uma definição meio forçada, mas, se o povo em sua “grande sabedoria” consegue compreender, fazer o quê.

    Esse cenário religioso, junto com o poder econômico, nos leva a crer que não existe escapatória para a vida que ainda subsiste na Terra.

    O Francisco, supercapacitado, chegou no momento apropriado para manter o poder da Igreja Católica, mas parece que a tendência é conforme o autor do artigo cita já no título: “pluralidade gera pluralidade”.

  • O comentário do Valdeci é muito apropriado. Embora o Jose Eustáquio fale em campeonato de religiões, isso não faz o menor sentido.
    De minha parte, tenho verdadeira admiração pelo povo brasileiro, onde a pluralidade de religiões convive de forma tão pacifica.

Fechado para comentários.