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Identidade brasileira no samba, artigo de Bruno Peron

 

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[EcoDebate] Sofreríamos menos se entendêssemos as causas do sofrimento. Evitaríamos muitas enfermidades se tivéssemos melhor controle emocional. Valorizaríamos mais nosso país se estudássemos sua história e conhecêssemos suas riquezas humanas. É sobre este ponto último que quero discorrer um pouco nesta ocasião. Ao ler várias fontes de informação sobre as origens do samba, tenho ainda mais orgulho de ser brasileiro apesar das mazelas da meia-cidadania no Brasil.

Por falar de cidadania, que é um conceito essencialmente urbano, descobri que o samba passou a ter este nome como expressão cultural de um ritmo musical de cidades. Embora o significado do termo samba seja controverso, há indícios históricos de que ele vem da confraternização alegre entre pessoas. Os registros mais antigos de práticas que se aproximam do samba datam de meados do século XIX na Bahia; seus praticantes reuniam-se com alguma discrição, porém.

Isto se deve a que expressões culturais que se diferenciavam dos costumes dominantes no século XIX eram mal vistas e criminalizadas pelas elites. Foi um parto doloroso. O samba tem origem na contribuição cultural de afrodescendentes na segunda metade do século XIX no Brasil. Surgiu nos estados de Bahia e Rio de Janeiro e logo se expandiu a outras regiões brasileiras.

A identidade do samba emitiu-se com uso de instrumentos de corda como o cavaquinho e o violão. Logo no início do século XX, houve mistura de ritmos musicais que levou às primeiras gravações do que se conhece como samba (p. ex. Sinhô Ismael Silva, Heitor dos Prazeres, Pixinguinha, Noel Rosa, Cartola, Dorival Caymmi, Ary Barroso, Adoniran Barbosa).

Como se pode esperar de estilos e práticas culturais, há variações no samba. O mesmo ocorre, por exemplo, na literatura (autores escrevem de formas diferentes e abordam vários temas), no cinema (técnicas de filmagem inovadoras) e na arquitetura (estilos novos de construção e fachadas de casas). Para dar alguns exemplos dessas variações no samba, menciono, sem esgotá-los: samba-de-roda, samba-enredo, samba-canção, samba de breque, sambalanço e pagode.

Um dos aspectos que mais despertaram minha atenção na busca das origens do samba é que este fenômeno cultural emergiu numa sociedade intolerante e dividida em classes nos séculos XIX e XX no Brasil. Naquele momento, as elites brasileiras tratavam os praticantes de samba como desocupados, vadios e desvirtuadores da cultura e da lei. O tratamento à prática de samba mudou depois de tantas décadas, mas as letras de suas canções continuam focando predominantemente os setores populares, as populações marginalizadas, os trabalhadores e a vida nas cidades.

Daí que o samba é um grande exemplo de deslocamento de temas da margem ao centro. Isto ocorre por duas razões principais: 1) enquanto era uma confraternização discriminada no século XIX pelos cânones da época, o samba passou a ser uma dança que identifica propriamente a cultura brasileira; e 2) a resistência das camadas populares na Bahia e no Rio de Janeiro foi tão forte que logo o samba se tornaria um cartão postal da cultura brasileira, da própria cidade do Rio de Janeiro e seria transmitido pelos canais hegemônicos de rádio e televisão no Brasil.

Escrever sobre o samba desperta opiniões divergentes entre a melhor idade e a juventude. Pessoas com mais experiência de vida associam muitas de suas recordações pessoais a certas canções e ritmos que marcaram sua época. Os jovens, por sua vez, fazem o mesmo, mas tendem a se abrir mais às influências estrangeiras em seus gostos musicais. Por isso é comum que roqueiros digam que não gostam de pagode, que em realidade é um ritmo mais antigo que tem tido variações na representação de classes no Brasil. O samba indica transformações sociais no país.

Sendo assim, termino com uma relação entre identidade brasileira e samba.

A identidade do Brasil está no samba. Sem o samba, Brasil não seria Brasil.

* Colaboração de Bruno Peron Loureiro, mestre em Estudos Latino-americanos pela Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), para o EcoDebate, 20/05/2014


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