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Santa Bárbara, MG: incompetência administrativa transforma ‘aterro sanitário’ em novo lixão

 

O último sábado era para ser um dia igual a todos os outros em Santa Bárbara/MG, se não fosse um pequeno detalhe: milhares de sacolas plásticas contendo lixo doméstico ainda não recolhidas permaneciam amontoadas próximas às diversas lixeiras da cidade. Tinha sacola de lixo pendurada nas grades dos portões, nos cantos dos muros, nos lotes vagos e, como era de se esperar, espalhados pelo chão. Este fato, que provavelmente passou despercebido por muitos cidadãos, foi apenas mais um dentre os vários acontecimentos lamentáveis que fazem parte da história de um sistema público de coleta de lixo urbano que há muito tempo clama por socorro.

Hoje apresentamos um estudo completo sobre a situação atual do aterro sanitário de Santa Bárbara, que diante das evidências transformou-se no novo lixão municipal.

Lixão do Cleves de Faria: infração gravíssima ao meio ambiente

Em novembro/2005, a Prefeitura Municipal de Santa Bárbara foi autuada pela prática de uma infração gravíssima ao meio ambiente. Segundo a FEAM (Fundação Estadual do Meio Ambiente), a Prefeitura causou poluição e degradação ambiental ao dispor resíduos sólidos urbanos em depósito a céu aberto. Naquela época, todo o lixo doméstico do município ainda era depositado no antigo lixão, localizado no final do bairro Cleves de Faria.

Um ano depois, em junho/2006, a FEAM aplicou multa de R$10 mil à Prefeitura, uma vez que o Executivo Municipal ainda não tinha providenciado novo local “ecologicamente correto” para depositar o lixo doméstico. Nas vistorias realizadas em maio/2007 e maio/2008, os relatórios técnicos da FEAM continuavam indicando várias irregularidades. Dentre elas, que a Prefeitura ainda utilizava ilegalmente o lixão do bairro Cleves de Faria.

Para se ter uma ideia da gravidade dos problemas apurados pela FEAM, Santa Bárbara foi classificada, naquela época, como a cidade mineira que abrigava o lixão de maior periculosidade ao meio ambiente e aos habitantes. O lixão do bairro Cleves de Faria recebeu a pior nota, uma vez que se encontra entre dois cursos d’água, em um local de alta declividade e muito próximo de núcleos urbanos. Segundo Gerson Freire, autor do relatório, haviam muitas condições negativas presentes em um único lugar. Atualmente, as irregularidades ainda permanecem no lixão do bairro Cleves de Farias, e estão sendo agravadas pela ocupação descontrolada do local contaminado por diversas famílias.

Aterro Sanitário: o que parecia a solução transformou-se em novo problema

Construído às pressas, o Aterro Sanitário de Santa Bárbara foi inaugurado em meados de 2008. O terreno de 5 hectares, que seria suficiente para receber o lixo doméstico gerado pelo município durante 20 anos, foi doado pela CENIBRA. A construção dos vários sistemas de drenagem (chorume, gases e águas pluviais), bem como a instalação das camadas impermeáveis, custaram ao município mais de R$ 1,5 milhão. Entretanto, toda tentativa de enquadrar a cidade dentro das exigências da FEAM foram se perdendo ao longo dos anos.

Com quase quatro anos de funcionamento, o Aterro Sanitário é hoje exemplo de irresponsabilidade administrativa. O local, que deveria controlar de forma segura o descarte do lixo doméstico municipal, tornou-se um foco constante de risco à saúde pública.

O sistema de drenagem de chorume (líquido preto que escorre do lixo), construído acima da manta impermeabilizante, não está funcionando adequadamente. O material líquido, altamente contaminado, está vazando e contaminado o solo, atingindo diretamente o lençol freático. Como o chorume não está sendo devidamente direcionado para os reservatórios, a empresa contratada pela Prefeitura Municipal para dar o destino correto ao material estaria recolhendo somente parte do líquido. E a situação pode estar ainda pior – informações da própria Prefeitura dão conta de que o chorume poderia sequer estar sendo recolhido. O processo licitatório (pregão) para contratação da empresa responsável pela coleta e transporte do chorume deve acontecer, às pressas, esta semana. A habilitação de empresas interessadas estava marcada para o dia 17 de janeiro.

Para piorar a situação, três nascentes – uma dentro do aterro e duas localizadas próximas à cerca que divide o terreno – teimam em verter água pura em meio ao lixo contaminado. Com o chorume vazando pelas encostas dos taludes, não é difícil presenciar a água clara e límpida se misturando ao líquido escuro. Segundo os critérios técnicos estabelecidos pela FEAM, a distância de um aterro sanitário para um curso de água deve ser de, no mínimo, 300 metros.

As manilhas perfuradas, instaladas dentro das cavas do aterro sanitário, possuem a função de coletar os gases (metano, gás carbônico e vapor d’água), mas encontram-se, em sua maioria, soterradas. Na melhor das hipóteses, é possível observar alguns poucos suspiros obstruídos com lixo.

O sistema de drenagem de águas pluviais, muito importante no período das chuvas, também mostra sinais de precariedade. A ausência de uma captação adequada da enxurrada chegou a paralisar uma das fases mais importantes do aterro, já que seria impossível compactar o lixo com lama. A plataforma acumulou considerável nível de água e teve que ser esgotada através de canais, levando a água contaminada para o córrego que corta o local.

E como já dizia o ditado popular, “problema pouco é bobagem”, nestes últimos meses a situação do Aterro Sanitário de Santa Bárbara chegou ao seu limite e o sistema simplesmente entrou em caos esta semana. A única máquina responsável pela compactação do lixo – um trator de esteira – pifou no final do ano passado. Como consequência, a tarefa diária de empilhar, compactar e cobrir o lixo com camadas de solo teve que ser paralisada. Para piorar, os resíduos sólidos continuaram a ser depositados diariamente, a céu aberto mesmo, atraindo urubus, recebendo chuva, liberando gases mal cheirosos e disseminando doenças. O alerta de que o lixo não recebia compactação há algum tempo, por incrível que pareça, foi dado por alguns pés de milho com mais de um metro de altura e por mudas de girassol que nasceram em meio ao lixo esquecido.

Como o trator continuava estragado e o caminhão não conseguia atravessar as montanhas de lixo para depositá-lo devidamente na plataforma, a pior de todas as soluções foi tomada. A Prefeitura Municipal irresponsavelmente autorizou a descarga dos resíduos na estrada que dá acesso ao aterro sanitário, local inadequado, já que não continha os sistemas para drenagem do chorume, dos gases e das águas pluviais, tampouco a instalação de camadas impermeáveis – exatamente como acontece em um lixão. Não é difícil imaginar que este absurdo, que se estendeu da plataforma até a portaria do aterro, se transformou em um verdadeiro desastre ambiental – estava inaugurado um novo lixão em Santa Bárbara.

No final da semana passada, a precariedade do aterro sanitário atingiu diretamente a população santa-barbarense. Como a estrada que dá acesso ao aterro já estava tomada por montanhas de lixo – da plataforma até o início da portaria, os caminhões foram obrigados a diminuir as rotas de coleta do lixo doméstico.

O mau cheiro que podia ser sentido da estrada que liga Santa Bárbara à BR381/João Monlevade, a quantidade significativa de urubus sobrevoando a área, bem como as constatações de que a coleta de lixo encontrava-se prejudicada, levaram o Grupo Ambiental de Santa Bárbara (ONG Gasb) a solicitar ao Ministério Público local a apuração dos fatos. Por sugestão do promotor Domingos Ventura de Miranda Júnior, a Polícia Militar Ambiental foi chamada para efetuar inspeção do aterro sanitário na última quinta.

Além das várias irregularidades acima destacadas, os policiais também verificaram a presença de focos de lixo hospitalar misturados ao lixo doméstico. Foram encontrados cateteres, luvas e forros de leito sujos de sangue, além de bolsas de soro com identificação de nome de pacientes e data de atendimento. De acordo com a legislação brasileira, é proibido jogar os resíduos de serviços de saúde na rede de coleta do lixo comum, uma vez que esses possuem risco em função da presença de materiais biológicos capazes de causar infecção. Os riscos podem estar associados à objetos que podem cortar ou perfurar, potencial ou efetivamente contaminados; produtos químicos perigosos e rejeitos radioativos.

O despejo inadequado de lixo hospitalar configura falta grave, uma vez que, além de contaminar o solo e o lençol freático, favorece a proliferação de vetores e de doenças, expondo ao risco não só a população, mas principalmente os trabalhadores que atuam no local. Para se ter uma ideia, os vigias do aterro sanitário – servidores municipais que desempenham um trabalho da mais alta importância – passam dia e noite em um abrigo improvisado, sem paredes, água potável ou sanitários. Para se deslocar da casa para o trabalho (cerca de quatro km) os funcionários vão a pé ou de bicicleta, já que a Prefeitura Municipal não fornece o transporte. As refeições, infelizmente, são realizadas dentro do aterro sanitário, em meio às moscas que tomam conta do local.

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Uma extensa montanha de lixo se espalha por um grande trecho do local que deveria ser um aterro controlado. Dezenas de urubus povoam o local, onde acham comida farta. A contaminação do solo, nascentes e cursos d’água pelo chorume produzido pelo lixo em decomposição ou pelo lixo que é levado pelas chuvas é visível. Até mesmo a estrada que dá acesso ao “aterro sanitário” se transformou em depósito de lixo.

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Até mesmo os militares da Polícia Militar Ambiental (acionados pela ONG Grupo Ambiental de Santa Bárbara) tiveram dificuldades para locomover pelo local e se impressionaram pelo estado degradante que se encontra aquele que deveria ser um “aterro controlado”.

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Barraco improvisado para os vigilantes e trabalhadores do local. Ali os servidores fazem suas refeições.

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Na foto, desenvolvidos pés de milho e girassol, nascidos no meio das pilhas de lixo, denunciam que há muito tempo o local não recebe a devida manutenção.

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A poucos metros do local onde está sendo depositado o lixo, nascentes podem estar contaminadas. Além da sujeira carregada pelas águas das chuvas, o chorume se mistura às águas das nascentes. Elas fazem divisa com o terreno onde foi instalado o aterro e denunciam que o local seria impróprio para o depósito de lixo.

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Além de estar próximo a nascentes e a cursos d’água, indiscriminadamente a prefeitura deposita lixo hospitalar (foto detalhe luvas e lençol de cama contaminados com sangue) no “aterro sanitário” de Santa Bárbara que virou um verdadeiro lixão.

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Cateteres, luvas cirúrgicas e forros de camas contaminados com sangue, recentemente jogados no local, permanecem descobertos, contaminado o solo.

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Sacos velhos com lixo hospitalar denunciam que há muito tempo este tipo de lixo está sendo depositado no local.

Na microrregião, Santa Bárbara é a cidade que menos investe em Meio Ambiente

De acordo com os últimos dados do Índice Mineiro de Responsabilidade Social (IMRS), Santa Bárbara é um dos municípios da microrregião de Itabira que menos investe em meio ambiente. Em 2010, Santa Bárbara gastou nessa área apenas R$ 1,56 por habitante. No mesmo período, Alvinópolis, município que arrecada menos da metade da arrecadação tributária santa-barbarense, investiu quinze vezes mais (R$ 23,97 por habitante).

E não é por acaso que o município de Barão de Cocais foi selecionado como primeiro lugar no II Prêmio Estadual de Sustentabilidade e Gestão Ambiental Municipal de Resíduos Sólidos Urbanos, promovido pelo programa Minas sem lixões, por meio da FEAM. O município, que possui quantidade populacional semelhante à de Santa Bárbara, investiu em meio ambiente, no ano de 2010, quarenta vezes mais do que Santa Bárbara (R$ 56,40 por habitante). Em termos de esforço orçamentário, enquanto Santa Bárbara gastou 0,1% do orçamento em meio ambiente, a vizinha Barão de Cocais investiu quase trinta vezes mais 2,8%.

Veja abaixo algumas fotos do Aterro Sanitário de Barão de Cocais

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Fotos do aterro sanitário de Barão de Cocais: exemplo a ser seguido.

Política Nacional de Resíduos Sólidos

Uma lei sancionada em agosto de 2010 e regulamentada em dezembro do mesmo ano pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, estabelece as normas para a coleta, tratamento e destino final dos resíduos sólidos. O documento também instituiu o princípio de responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, abrangendo dos fabricantes aos importadores, distribuidores, comerciantes e os responsáveis pelos serviços públicos de limpeza urbana.

A meta do governo federal é investir R$ 1,5 bilhão em projetos de tratamento de resíduos sólidos, além da implantação da coleta seletiva e do financiamento de cooperativas de catadores. Segundo a lei, até 2014 – ano em que o Brasil irá sediar a Copa do Mundo – todos os lixões do país devem ser extintos.

Reportagem originalmente publicada no Jornal Impacto, Edição 171ª, 1ª Quinzena de Janeiro/2012.

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Reportagem/Denúncia enviada pela ONG Grupo Ambiental de Santa Bárbara ao EcoDebate, 25/01/2012

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