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Artigo

Análise de Impactos Socioambientais de Barragens, artigo de Roberto Naime

 

[EcoDebate] O Brasil pode se orgulhar e com frequência divulga esta notícia de que é um pais com uma matriz energética voltada para energias chamadas “limpas”. De fato, biomassa, energia hidrelétrica e outras constituem uma matriz de geração bastante promissora. No entanto, os reservatórios das hidrelétricas produzem importantes impactos nos principais ecossistemas associados à bacias hidrográficas.

A função dos reservatórios é muito diversificada. Servem para acumulação e captação de água potável, geração de energia elétrica, reserva de água para agricultura irrigada, produção de biomassa, atividades vinculadas a transportes, recreação e turismo.

Estes usos múltiplos tem se diversificado e ampliado e criado novas complexidades no funcionamento da paisagem e dos geobiossistemas que emergem do conjunto de relações hierarquizadas entre os meios físico, biológico e antrópico nas diversas regiões do país.

Por meio físico podem ser descritas as rochas, os solos, as águas superficiais e subterrâneas, a geomorfologia e os climas. No meio biológico se ressaltam os elementos de flora e fauna. Enquanto que no meio antrópico se destacam todas as atividades humanas: agricultura, pecuária, indústria, setores terciários, de serviços, infra-estrutura e saneamento dentre outros.

São estas complexas relações que vão definir a nova paisagem dentro das piscinas naturais que são as bacias hidrográficas nas quais estão inseridas as cidades e as propriedades rurais.

O Brasil tem desenvolvidos uma grande capacidade de utilização dos recursos hídricos superficias, mas isto tem sido feito sem qualquer análise da sustentabilidade. Prevalecem os interesses econômicos e sociais, e até mesmo ecológicos, mas com carência de estudos hidrológicos. Alguns destes reservatórios de água tem planejamento inicial e preocupação com inserção regional, mas falta atividade sistêmica e formação de plataformas de dados que possam subsidiar sistemas de desenvolvimentos futuros nestas bacias hidrográficas.

Os reservatórios oscilam desde pequenas barramentos com 1 milhão de m3 até reservatórios de 100 a 200 bilhões de m3 de água.

O padrão de drenagem é muito variado pois em função da natureza geológica ocorrem padrões de drenagens anelas, radiais centrífugos, lagunados, penados e dendríticos. Esta extrema variação morfométrica dificultam a obtenção de dados e o manejo destes reservatórios, que tem múltiplas utilizações desde energia elétrica, regularização de vazões, usos para irrigação, produção de peixes ou crustáceos e usos para lazer, dentre outros.

Não ocorre uma preocupação maior com a fase do sistema hídrico em utilização. Os rios podem ser jovens, em suas nascentes, cujas características são a alta declividade, os vales encaixados e as pequenas áreas inundadas. No Brasil das grandes obras esta fase das drenagens nunca interessou muito porque ela geraria pequenas hidrelétricas, que quer dizer pequenas obras e isto não interessava muito aos empreiteiros. O fato de sistema de drenagem nesta fase produzir os menores impactos ambientais nunca foi motivo suficiente para nada.

A cidade de Barcelona na Espanha é abastecida de energia elétrica com um sistema de pequenas barragens com descarga de fundo que tem tempo de vida útil ilimitado. Descarga de fundo é um sistema mecânico que permite a saída da siltagem acumulada no fundo da barragem devido à precipitação das argilas e siltes suspensos na água, que tendem a decantar em recursos hídricos sem movimento.

Os rios são maduros na sua fase intermediária e a maioria dos reservatórios brasileiros se localiza nesta fase do curso de água dentro da bacia hidrográfica. Como os vales geralmente são mais abertos e menos encaixados, o tamanho da estrutura de barramento seja de terra, seja de concreto, é maior.

Sempre existem maiores interesses econômicos e melhor relação custo/benefício para o empreendedor. Mas os impactos ambientais são muito maiores. Ocorre maior área de alagamento, maior peso da acumulação de água no reservatório, produzindo pequenos sismos localizados de acomodamento das rochas subjacentes.

Se ocorrer piscicultura ou carcinocultura, ocorre a formação de um sistema tampão que acumula Nitrogênio e Fósforo. Os tributários contribuem com fontes diversificadas de materiais dissolvidos e particulados e a interação co sistema complexo que se forma pode se tornar muito difícil de avaliar e interferir.

As maiores áreas de alagamento são responsáveis por afetar maior quantidade de pessoas a ser deslocada a um custo social relativamente intangível.

Atualmente se indeniza a terra e as benfeitorias por um valor e se acredita que está tudo resolvido. Não é assim, ocorre uma total reorientação do uso e ocupação do espaço e as avaliações de impacto ambiental passam muito longe disto. E mesmo para quem fica e não é inundado ocorre uma severa alteração da forma de uso e ocupação do espaço e uma redefinição completa do sistema hierárquico do geobiossistema.

Nas barragens situadas na fase madura do curso de água, como resultante dos grandes reservatórios, ocorrem alterações no microclima que são relevantes. Ocorre alteração na umidade relativa do ar, nas precipitações, no sistema de ventos e tudo mais.

Quantidade e frequência de precipitações pluviométricas estabelecem padrões climatológicos diferenciados. Durante precipitações pluviométricas de maior intensidade, aumenta a quantidade de matéria inorgânica em suspensão na água, reduzindo a transparência para infiltração de luz, alterando a produção primária fitoplanctônica e a própria sobrevivência das macrófitas. Com isso podem haver drásticas reduções no parâmetro oxigênio dissolvido, indicador fundamental para toda vida aquática.

Neste contexto a falta de sincronia entre os eventos introduzem novos mecanismos de alteração nos reservatórios, influindo na composição das comunidades zooplantônicas e fitoplantônicas.

A fase final de um rio é quando ele vai desaguar num oceano ou sistema de lagoas, então as declividades são baixíssimas ou quase nulas e não ocorrem encaixes geográficos que permitam a instalação de barragens que com certeza teriam impactos ambientais ainda maiores. É a chamada fase senil do rio.

Os estudos de impacto ambiental e relatórios de impacto ambiental registram no geral, independente da fase do curso de água e geralmente os barramentos e reservatórios são implantados na fase madura dos rios, descrevem os principais impactos ambientais gerais na bacia hidrográfica, vale dizer no espaço físico da vida de todas as espécies vegetais e animais, áreas rurais e urbanas e meio físico em geral como sendo:

1.Acidificação da água quando não ocorre desmatamento prévio em escala adequada;

2.Eutrofização produzida pela lixiviação de fertilizantes em áreas agricultáveis adjacentes;

3.Deslocamento de populações em escalas variáveis conforme a topologia, mas sempre significando ampla redefinição do sistema hierárquico entre os meios físico, biológico e antrópico do local, que é o geobiossistema da bacia hidrográfica;

4.Inundação de áreas agricultáveis ou utilizáveis para pecuária ou reflorestamento;

5.Perdas com flora e fauna nativas que são geralmente muito afetadas em fase de enchimento dos reservatórios;

6.Barragens sempre interferem em processos migratórios e reprodutivos da ictiofauna;

7.Com frequência ocorrem alterações hidrológicas a jusante do reservatório, pois em geral a água represada e utilizada a montante passa a se tornar um déficit hídrico a jusante;

8.Após as alterações produzidas pela plena utilização do reservatório, ocorrem alterações relevantes na fauna aquática e terrestre da bacia hidrográfica;

9.Ocorrem também alterações relevantes quanto à dinâmica dos sedimentos, tanto nos canais do rio à montante e à jusante quanto na bacia de acumulação;

10.Sempre são registrados casos de aumento da distribuição geográfica de doenças de veiculação hídrica;

11.Danos ao patrimônio histórico e cultural;

12.Alterações na dinâmica de uso e ocupação dos solos, onde usos tradicionais são alterados e ocorre redefinição do conjunto de relações hierárquicas que materializa o geobiossitema local da bacia hidrográfica;

13.Os grandes reservatórios registram ocorrência de atividades sísmicas devido ao peso da água sobre o substrato rochoso subjacente;

14.A degradação ambiental em geral, perda de biodiversidade em vegetação e animais e a maior disseminação de doenças de veiculação hídrica produz um novo quadro de saúde pública local;

15.Efeitos sociais intangíveis da relocação indiscriminada de grandes populações, especialmente agrupamentos indígenas, quilombolas ou comunidades tradicionais;

16.Incremento de navegação e transporte na bacia de acumulação causando alterações relevantes dentro da bacia hidrográfica;

17.Intensificação de atividade extrativistas no interior da bacia hidrográfica do reservatório;

18.Alterações nas condições físicas e químicas das águas, que altera a qualidade das águas, favorecendo alguns tipos de organismos e prejudicando a outros;

19.Alterações na temperatura da água, oxigenação (oxigênio dissolvido) e pH (ocorrência de acidificações);

20.Outros tipos de eutrofização.

Cada uma destas alterações produz efeitos diretos e indiretos em uma lista que pode se tornar exaustiva. As grandes bacias hidrográficas brasileiras tem sido objeto da implantação de reservatórios em cascata que acabam produzindo efeitos e por consequência impactos ambientais crescentes e cumulativos, que transformam inteiramente as condições biogeofísicas, econômicas e sociais de toda bacia hidrográfica.

O meio físico pode ser resumido como sendo constituído pelas rochas, solos, águas superficiais, águas subterrâneas, geomorfologia e climas.

As principais modificações no meio físico geradas pela construção sequencial de reservatórios nas bacias hidrográficas são registradas como sendo:

1.Alterações nos regimes de recarga dos aquíferos subterrâneos em rochas que passam a sofrer maior infiltração, que podem significar alteração do Número de Reynolds e modificações de fluxo entre laminar e turbulento;

2.Alterações no regime hidrológico superficial do próprio rio, devido à regulação do fluxo e do nível de água, alterando os regimes de inundação e tempo de permanência das áreas alagadas, o que se reflete em alterações de flora, fauna e utilização;

3.A retenção de fósforo e a exportação de nitrogênio são modificações capazes de gerar eutrofização relevante à jurante do reservatório;

4.Nas áreas da bacia de acumulação ocorrem alterações significativas nos regimes de reprodução de flora e fauna, com grande frequência ocorrem alterações no processo de piracema que é fundamental para a reprodução da ictiofauna;

5.A retenção física de sedimentos à montante do reservatório acentua a capacidade de gerar fenômenos erosivos pelo fluxo de água à jusante do reservatório, sendo que a retenção de sedimentos também interfere nos ciclos biogeoquímicos e na qualidade da água em geral.

Os impactos ambientais específicos do meio biológico descritos nos estudos de impacto ambiental e relatórios de impacto ambiental registrados são como se seguem:

1.Poluição das águas, contaminações e introdução de substâncias tóxicas nos reservatórios pela lixiviação de pesticidas, herbicidas e fungicidas nas plantações existentes no interior da bacia hidrográfica;

2.Introdução de espécies exóticas nos reservatórios, em desequilíbrio com os ecossistemas da bacia hidrográfica;

3.Remoção de mata ciliar em tributários ou no próprio canal de drenagem principal;

4.Incremento desordenado de pesca predatória, por pescadores profissionais ou atividades de lazer;

5.Elevação do material em suspensão na água devido à atividades agrícolas, com efeitos sobre flora e fauna;

6.Uso excessivo e descontrolado de equipamentos de recreação que interferem na fauna aquática;

7.Deterioração das margens por assentamentos urbanos ou rurais não planejados;

8.Drenagem e eventual remoção e destruição de áreas alagadas e ecossistemas específicos;

9.Ocorrência de eutrofização pelos ciclos de Nitrogênio e Fósforo e pela contaminação por lixiviados de fertilizantes;

10.Remoção ou alteração em espécies de relevante importância dentro da cadeia alimentar dos ecossistemas locais da bacia hidrográfica;

11.Desmatamentos em geral e perda da vegetação característica de áreas de inundação;

12.Modificações ambientais transformando ambientes lóticos em bênticos com alterações drásticas da fauna aquática e do equilíbrio dos ecossistemas dentro da bacia hidrográfica;

13.Implantação de barreira física para migrações sazonais de espécies faunísticos, perturbando o equilíbrio do ecossistema;

14.Preenchimento rápido do reservatório sem a retirada florestal, que quando se decompõe torna o pH da água mais baixo e libera na atmosfera grande quantidade de metano;

15.Diminuição do sequestro de carbono pela vegetação inundada, contribuindo para aumentar o efeito estufa.

Da mesma forma, a experiência de trabalhos análogos na área antrópica geram inúmeros questionamentos e infindáveis combinações:

1.Remoção e relocação de populações com vínculos históricos com os processos de uso e ocupação da paisagem;

2.Perda de plantios perenes e explotações permanentes;

3.Modificações de redes de relações e cooperação com quebra de sinergia entre ocupantes de espaço paisagístico;

4.Redefinição do conjunto de relações hierárquicas que define o geobiossistema local da bacia hidrográfica;

5.Perda de benfeitorias, plantações e áreas agricultáveis ou alagadiças com micro-ecossistemas;

6.Quebra de paradigmas existenciais resultantes da rede de relações históricas locais;

7.Impactos variados sobre a rede complexa de semiótica e simbologia que representa a teia histórica local;

8.Implantação de novos paradigmas axiológicos determinados pela nova rede de relações econômicas locais.

A discussão sobre impactos ambientais gerais, físicos, biológicos e antrópicos dos grandes reservatórios das bacias hidrográficas brasileiras deixa claro que são necessárias ações sistêmicas, continuadas e planejadas para abordagem deste assunto que não mais convive com atitudes espontaneístas, exigindo a implantação de padrões de sustentabilidade imediatamente.

Dr. Roberto Naime, colunista do EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

EcoDebate, 14/11/2011

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