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No Brasil dos latifundiários, plantar árvores dá cadeia, artigo de Mauricio Santos Matos

[EcoDebate] A cada ano que passa, com a chegada de uma nova idade, temos a impressão de que não vamos nos surpreender com mais nada. Mas a sociedade capitalista é pródiga em nos oferecer surpresas. Desagradáveis, na maioria das vezes. Plantar árvores, no Brasil, virou crime.

Nos últimos oito anos e meio o país tem vivido situações complexas, contraditórias e até mesmo, bizarras. Em 2002, com a posse de Lula, ex-metalúrgico, primeiro presidente eleito por um partido com suas origens no proletariado, a imensa maioria dos trabalhadores acreditou que finalmente veria atendida suas demandas por justiça social, igualdade de direitos, distribuição de renda, fim da corrupção.

Não se pode dizer que o início tenha sido pouco inovador ou impactante. De fato, não o foi. Já no primeiro ano de governo a cúpula petista optou por levar adiante a Reforma da Previdência Social, nos moldes da proposta defendida pelo antigo governo, social-democrata no nome, neoliberal nas ações.

Rejeitada nas ruas, a retirada de direitos dos servidores públicos e a privatização parcial da previdência social, causou um enorme mal estar no interior do partido governante. Os parlamentares que votaram contra, foram expulsos; os filiados que repudiaram as expulsões, se desfiliaram. Daqueles que permaneceram, mas seguiram indignados, parte também saiu, tempos depois. Os que ficaram… se calaram, alguns contentando-se em ser a perna “esquerda” do novo governo social-liberal.

A burguesia brasileira, incluindo setores retrógrados da “classe média”, costumam fazer piadinhas sobre baixa escolaridade de Lula, que, como a maioria dos trabalhadores, precisou negligenciar – e até abandonar – seus estudos, para poder arrumar um emprego para seu sustento e de sua família. Entretanto, não se pode duvidar da inteligência e esperteza dos novos governantes.

Os governos petistas adotaram uma artimanha simples, mas eficaz, para neutralizar a oposição burguesa: tomaram posse das suas propostas. O que fizeram foi, simplesmente, usurpar as propostas defendidas pelos patrões, lhes dar um discurso de “esquerda” e apresentá-las com nomenclatura inédita. Não é nenhuma fórmula milagrosa, nem inovadora, mas foi muito cara à história do Partido dos Trabalhadores.

A vontade de implantar essa orientação e aniquilar a oposição burguesa foi tão forte, que se apropriaram até dos seus esquemas de corrupção. E para alegrar seus novos aliados e financiadores, trataram de ressuscitar projetos, como o da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, criado durante a ditadura militar e derrotado em 1989, após manifestações de estudantes, sindicalistas, ambientalistas, moradores de Altamira e povos indígenas. Na época, o PT era um dos atores na luta contra a usina, hoje, é seu principal incentivador.

Algo similar está ocorrendo com o Código Florestal, onde o Partido Comunista do Brasil se apresenta como o porta-voz dos ruralistas para levar adiante uma série de alterações na legislação ambiental, que ao final, servirão para favorecer os interesses do latifúndio e demais empresários-especuladores do agronegócio, e do setor de mineração, nada preocupados com temas relacionados à preservação da biodiversidade ou populações tradicionais.

Considerando tais acontecimentos, não deveria achar estranho o que ocorreu no último dia 02/08/2011, quando “um grupo de jovens que não concordam com a construção da usina de Belo Monte nem com o desmonte do Código Florestal”, como eles se autodefinem, foram presos por plantarem mudas de copaíba, ipê-roxo e aroeira, árvores típicas do cerrado brasileiro. Mas não consigo encontrar outra palavra (a não ser sinônimos) para melhor definir a situação: bizarra.

A atitude da Polícia do Senado pode ser tachada de qualquer coisa, mas não merece críticas por ser destoante das orientações dos políticos do Planalto Central. Senão, vejamos: o governo brasileiro se esforça para unificar ex-comunistas e capitalistas; para aprovar projetos que irão ampliar a devastação na Amazônia; para modificar e regredir a Lei que protege (ou deveria proteger) as florestas e o meio ambiente; o presidente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente diz que vai fazer com os indígenas brasileiros o que os colonizadores britânicos fizeram com os aborígenes australianos; aí aparecem uns “jovenzinhos porraloucas” plantando árvores no belíssimo gramado do Congresso Nacional. Ora, ora…

O que se esperava que as forças de repressão do Estado burguês fizessem, diante de tamanha subversão à ordem? Apertassem-lhes as mãos, dando os parabéns pela excelente ação de cidadania? Os convidassem para plantar vitórias-régias no espelho d’água? As polícias do Senado e Militar fizeram apenas o que o governo brasileiro está mandando fazer: criminalizar as vozes divergentes, que ousam defender o meio ambiente, diante a insanidade da busca de lucro pelos capitalistas.

Triste o país cujos governantes mandam prender seus cidadãos por plantarem árvores.

Mauricio Santos Matos, servidor público estadual, membro do Comitê Metropolitano Xingu Vivo Para Sempre

EcoDebate, 10/08/2011

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5 thoughts on “No Brasil dos latifundiários, plantar árvores dá cadeia, artigo de Mauricio Santos Matos

  • wagner monteiro de castro arouca

    Comentando a parte específica do artigo do Maurício Santos matos,que fala sobre a realidade contrária a quem quer plantar,tenho a acrescentar que concordo e que sou vítima(e outros aqui na região tbém)dos desmandos e da visão destorcida,utópica,bizarra e incompreensível dos Órgãos Públicos Estaduais(Leia-se SEMA-PA) que dificulta,atravanca e cria dificuldades para quem quer reflorestar.Se vc precisar de um simples documento chamado L.P.-Licença de Plantio-terá problemas.Se alguém quer reflorestar uma área degradada ou antropizada,ou ainda,para cumprir o TAC em áreas de preservação (Apps)deveria ser estendido um tapete vermelho.Enquanto se espera a burocracia,perde-se o TEMPO precioso do crescimento,ou seja,quer plantar plante que o Governo vai lhe garantir os direitos sobre aquela iniciativa.Não importa se é para corte futuro ou não.Se o interesse é comercial o plantio estará recuperando a área degradada(terra),recompondo a Fauna e a Flora,regulando o clima,gerando renda,e,principalmente,evitando que cortem as matas nativas,porque vão cortar as específicas para este fim,se for o caso.Milhares de pequenos agricultores plantariam árvores se tivessem a mesma facilidade de obtenção de recursos que tem para plantar capim ou criar gado.O Governo lançou o Projeto ABC(Agric Baixo carbono)que não deu muito certo,porque não orientou as SEMAs a valorisarem quem quer plantar.Ninguém vai plantar se não tiver algum tipo de retorno financeiro.É preciso cociliar a ecologia(preservação do Meio Ambiente) com o capital.

  • Muito bem, amigo Wagner. Está na hora de falar claramente daquilo que a SEMA-PA está fazendo e também daquilo que não está fazendo apesar dos alertas de contaminação por agrotóxicos desde 2007 na região da Terra do Meio ( Municípios de São Félix do Xingu e de Altamira ). Juntamente com a ANVISA deveriam ter feito coletas de amostras de solos e àguas contaminadas pelo NUFARM 2,4-D adulterado talvez com Glifosato ou Endosulfan. Os efeitos sobre o Meio-Ambiente, semelhantes aos do “Agente Laranja” no Vietnam, e sobre as pessoas e os animais, foram por mim denunciados em 2007 através Protocolos e veiculados também pela TV GLOBO nos serviços “Um Brasil Desconhecido” nos programas do Bom Dia Brasil, Fantàstico e Globo News.
    Estou agora com Processos por Indenizações pelos danos fìsicos e morais pois fui vìtima de intoxicação. Padre Angelo Pansa – Delegado ICEF (International Court of the Environment Foundation).

  • “A burguesia brasileira, incluindo setores retrógrados da “classe média”, costumam fazer piadinhas sobre baixa escolaridade de Lula, que, como a maioria dos trabalhadores, precisou negligenciar – e até abandonar – seus estudos, para poder arrumar um emprego para seu sustento e de sua família”… O Lula não estudou porque era cachaceiro vagabundo, saia do “trabalho” sindicato e ia para o boteco beber enquando milhares de trabalhadores vão a escola e se formam trabalhando de dia e estudando a noite.
    Quanto aos delinquentes que foram plantar árvore na esplanada, deram foi muita sorte porque deveria ter levado cacete e ter ficado presso para aprender a respeitar o patrimônio público.

  • Até que no Brasil as pessoas como este Jorge não provarem vergonha não somente para declarar, mas apenas para pensar com estes rótulos fascistoides, o Brasil não vai se transformar num pais civíl.

  • Em relação ao artigo de Maurício Santos Matos, e sem pretender defender nem acusar o Lula-Presidente, é conveniente lembrar que um Presidente da República, em um país como o Brasil, é uma peça importante do jogo de interesses, mas não é o todo-poderoso. Devemos lembrar também o dito popular seguinte: “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.
    O povo unido, e com objetivos bem definidos, será forte. Caso contrário…

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