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Agroecologia: um modelo agrícola sustentável. Entrevista com o agrônomo Rubens Nodari

É preciso desconstruir essa concepção criada de que a produção agrícola dependia do uso de agrotóxicos”, diz o agrônomo Rubens Nodari

O Brasil se tornou o maior consumidor de agrotóxicos e o principal incentivador desta prática é o governo, diz Rubens Nodari à IHU On-Line em entrevista por telefone. “As políticas governamentais favorecem o uso de agrotóxicos porque o governo incentiva a utilização desses produtos quando, no financiamento, exige dos agricultores o uso de tecnologias. Ocorre que, para o governo, uso de tecnologias subentende utilização de sementes, fertilizantes químicos, agrotóxicos”, reitera.

Rubens Nodari é graduado em Agronomia pela Universidade de Passo Fundo – UPF, mestre em Agronomia (Fitotecnia) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFGRS e doutor pela University Of California At Davis. Atualmente, é professor titular da Universidade Federal de Santa Catarina.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Que relações podemos estabelecer entre a transgenia e o uso de agrotóxicos? Produtos transgênicos ainda exigem o uso de agrotóxicos?

Rubens Onofre Nodari – Sim. Nos EUA, houve uma diminuição no uso de agrotóxicos, mas, após a liberação da transgenia, o consumo de herbicidas aumentou. No Brasil não foi diferente: depois da liberação do uso de transgênicos, o uso de agrotóxicos cresceu e o país passou a ser o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Isso também ocorreu na Argentina e onde mais houve liberação de transgênicos.

IHU On-Line – Quais são as razões que levam o Brasil a ser o maior consumidor de agrotóxicos?

Rubens Onofre Nodari – As políticas governamentais favorecem o uso de agrotóxicos porque o governo incentiva a utilização desses produtos quando, no financiamento, exige dos agricultores o uso de tecnologias. Ocorre que, para o governo, uso de tecnologias subentende utilização de sementes, fertilizantes químicos, agrotóxicos. Dificilmente um banco libera recursos para o custeio agrícola sem atender a esses critérios. Estudos realizados com pequenos agricultores demonstram que a maioria deles usa esses produtos.

IHU On-Line – O uso de agrotóxicos pode prejudicar ou alterar a diversidade biológica?

Rubens Onofre Nodari – Os agrotóxicos atuam de maneira diferente nas espécies: umas sofrem mais e outras menos. Então, algumas espécies podem ser diminuídas, como os anfíbios, que são suscetíveis a esses produtos.

Além de extinguir algumas espécies, o uso de agrotóxicos irá afetar os processos ecológicos do meio ambiente. As funções ecológicas são mantidas por dois componentes: a presença dos organismos vivos e o processo ecológico em si. Então, quando se rompe a cadeia trófica, rompem-se também os serviços ambientais que estão no ecossistema. Portanto, quando o agrotóxico cai no rio e atinge a cadeia trófica, o rio perde a capacidade de ciclar nutrientes. Essa situação também ocorre no solo, no ar.

IHU On-Line – É possível utilizar agrotóxicos na medida certa?

Rubens Onofre Nodari – Por definição, o agrotóxico tem a função de inibir ou diminuir o desenvolvimento de seres vivos. Portanto, ele é um veneno e, sendo assim, sempre será prejudicial. Não há hipótese em que a aplicação de agrotóxicos não cause efeitos secundários. O uso dessas substâncias sempre acarretará em efeitos adicionais não desejados.

IHU On-Line – Intensificou-se o uso de agrotóxicos nas florestas brasileiras. Quais os riscos desses produtos para as áreas florestais?

Rubens Onofre Nodari – Algumas espécies serão prejudicadas porque os agrotóxicos têm a função de inibir enzimas ou bloquear processos anabólicos e metabólicos em organismos vivos. Como nós temos uma biodiversidade imensa e ainda não conhecemos todas as espécies que vivem nas florestas, não sabemos quais serão os danos a essas espécies.

IHU On-Line – Que impactos ambientais o uso de agrotóxicos já causou no Brasil?

Rubens Onofre Nodari – Nós não temos trabalhos globais para demonstrar os impactos do uso de agrotóxicos no país. Os estudos realizados abordam os impactos de um tipo específico de agrotóxicos em uma espécie determinada. Os EUA desenvolvem mais estudos. Nós sabemos que aumentou o uso desses produtos, mas não os correlacionamos com extermínio de populações ou diminuição de peixes em rios, por exemplo.

IHU On-Line – Quais os desafios da ciência, da pesquisa e da tecnologia em relação aos agrotóxicos?

Rubens Onofre Nodari – O desafio é encontrar outro sistema agrícola. Esse sistema dependente de químicos, seja na forma de fertilizantes ou agrotóxicos, está com os dias contados. Nós não temos alternativa como espécie humana.

IHU On-Line – Como vê a reação da sociedade civil em relação aos agrotóxicos?

Rubens Onofre Nodari – A população está desinformada. Se o meio acadêmico, que é informado, não reage, como a sociedade civil, que pouco conhece o assunto, irá reagir? A maior parte dos estudos sobre os efeitos dos agrotóxicos são escritos em inglês e o acesso a essas informações fica restrito a um grupo pequeno de pessoas. De outro lado, o setor do agronegócio tem apoio de políticas públicas para continuar se expandindo. A sociedade não tem informação adequada e não vai se mobilizar porque não sabe se há necessidade de fazer isso e, portanto, continuamos nesse processo de utilizar mais agrotóxicos.

Os técnicos do governo são informados, mas preferem ficar do lado atual de agricultura, que beneficia o uso desses agrotóxicos. Para se ter uma ideia, no segundo governo Lula foi criado um grupo de trabalho que se reuniu na Casa Civil com o objetivo de acelerar o registro de agrotóxicos por equivalência. Ou seja, o governo queria ter mais moléculas à disposição da agricultura. Então, há uma ação deliberada do Estado em favor do uso desses produtos.

IHU On-Line – É em função desse incentivo do governo que os pequenos agricultores também reiteram o discurso de que é importante utilizar agrotóxicos?

Rubens Onofre Nodari – Sim. Esse discurso foi passado para eles. Durante a Revolução Verde, tanto políticas públicas quanto as faculdades de agronomia ensinavam duas coisas: fazer análise de solo para saber quando é preciso pôr adubo; e usar agrotóxicos porque eles matam as pragas. Esse era o B-A-BÁ das escolas. Essa mensagem foi passada aos agricultores pelas empresas, pelo governo e pelos agrônomos. Como nós vamos dizer para eles que não se pode mais utilizar agrotóxicos?

O ecossistema está tão desequilibrado que, se retirar o agrotóxico, tem de ter um projeto de transição para outro projeto agrícola. Precisa ter uma ação que possibilite ao agricultor fazer uma transição para um processo de produção agroecológico, sem uso de agrotóxicos. Para isso, é necessário um plano, recursos do governo e agrônomos com outra visão agrícola. É preciso desconstruir essa concepção criada de que a produção agrícola dependia do uso de agrotóxicos.

(Ecodebate, 06/07/2011)Entrevista realizada por Patricia Fachin e publicada pela IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

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